Selecione

Capítulo 10

Texto Original

Caput X

De planctu Dominarum apud Sanctum Damianum et quo-modo cum laude et gloria sepultus est.

 

116. 
1 Fratres igitur et filii qui convenerant cum omni multitudine populorum (cfr. Ez 27,33), quae ex vicinis civitatibus tantis se gaudebant interesse solemniis, totam noctem illam, in qua obiit sanctus pater, divinis laudibus consummarunt, ita ut, prae iubilationum dulcedine ac luminum claritate, fore angelorum excubiae viderentur. 
2 Mane autem facto, convenit multitudo (cfr. Ioa 21,4; Act 2,6) civitatis Assisii cum universo clero, et tollentes sacrum corpus de loco in quo obierat, cum hymnis et laudibus, clangentibus tubis (cfr. Ios 6,20), ipsum ad civitatem honorifice portaverunt. 
3 Acceperunt singuli ramos olivarum aliarumque arborum (cfr. Ioa 12,13; Mat 21,8), sacras exsequias solemniter exsequentes, et multiplicatis luminaribus, laudum munia altisonis vocibus exsolvebant. 
4 Cumque, portantibus filiis patrem, et grege sequente pastorem ad Pastorem omnium (cfr. Ez 37,24) properantem, perventum esset ad locum in quo religionem et ordinem sacrarum virginum et Dominarum pauperum ipse primo plantavit, deponentibus eum in ecclesia Sancti Damiani, in qua dictae filiae suae quas Domino acquisierat morabantur, aperta est fenestra parvula per quam ancillae Christi constituto tempore (cfr. 2Re 24,15) communicare solent Dominici corporis sacramento. 
5 Aperta est et arca in qua supercaelestium virtutum thesaurus latebat, in qua portabatur a paucis qui multos portare solebat. 
6 Et ecce domina Clara, quae vere meritorum sanctitate clara erat, aliarum mater prima, quia prima planta huius sancti ordinis fuit, venit cum reliquis filiabus ad videndum patrem non loquentem eis, nec reversum ad eas, alibi properantem.

 

117. 
1 Et ingeminatis suspiriis, cum magno cordis gemitu (cfr. Ps 37,9) et lacrimis multis respicientes eum, suppressa voce clamare coeperunt (cfr. Ios 3,3):“pater, pater, quid faciemus? Cur nos miseras deseris? aut cui sic desolatas relinquis? 
2 Cur nos quo vadis non praemisisti gaudentes, quas sic hic dimittis dolentes? Quid praecipis nos facturas in isto carcere sic reclusas, quas numquam, ut soles, disponis ulterius visitare? 
3 Tecum nostra consolatio (cfr. 2Cor 1,5) tota recedit, et simile solatium non remanet saeculo tumulatis! Quis in paupertate tanta non minus meritorum quam rerum solatiabitur nobis? 
4 O pauperum pater (cfr. Iob 29,16), paupertatis amator! Quis in tentatione succurret, o innumeras tentationes expertus, tentationum examinator cautus?
5 Quis in tribulatione consolabitur tribulatas, adiutor in tribulationibus, quae invenerunt nos nimis (cfr. Ps 45,2)? 
6 O amarissima separatio, o inimica absentatio! O nimis horrenda mors, quae milia filiorum et filiarum tanto patre orbata trucidas, cum irrevocabiliter elongare festines illum, per quem studia nostra (cfr. Ier 7,3.5), si qua sunt, maxime floruerunt!”. 
7 Sed virgineus pudor multo fletui imperabat, et super illum plangere (cfr. Zac 12,10) nimis erat incongruum, in cuius transitu frequentia concurrit exercitus angelorum, et laetati sunt cives Sanctorum et domestici Dei (cfr. Eph 2,19). 
8 Sicque inter tristitiam et laetitiam positae, deosculabantur splendissimas manus eius, ornatas pretiosissimis gemis ac coruscantibus margaritis, et ablato eo, clausa est illis ianua (cfr. Mat 25,10) quae minime ultra vulneri tanto patebit. 
9 O quantus luctus omnium erat in harum miseranda et pietate plena reclamatione! Quanta praecipue moerentium lamenta filiorum! 
10 Singularis eorum dolor communis omnium erat, ita quod vix quisque posset abstinere a fletu, cum Angeli pacis amare flerent (cfr. Is 33,7).

 

118. 
1 Pervenientibus denique omnibus ad civitatem, cum iucunditate magna et exsultatione (cfr. Bar 3,35; Ps 44,16) in sacro loco, sed sacratiore de caetero, posuerunt sanctissimum corpus (cfr. Mat 27,59), ubi ad gloriam summi omnipotentis Dei (cfr. Apoc 16,14) novorum multiplicitate miraculorum mundum illuminat (cfr. Ioa 1,9), sicut hactenus eum in sanctae praedicationis doctrina mirabiliter illustravit. Deo gratias. Amen. 
2 Ecce, sanctissime ac benedicte pater, debitis et dignis licet insufficientibus laudibus te prosecutus sum, et tua gesta utcumque narrando conscripsi. 
3 Da propterea mihi misero ita digne in praesenti te sequi, ut misericorditer consequi merear in futuro. 
4 Recordare, o pie, pauperum filiorum, quos post te, unicum ipsorum et singulare solatium, vix aliqua consolatio manet. 
5 Nam licet tu, eorum omnium potior et prima portio, Angelorum choris admixtus et in throno gloriae (cfr. Dan 3,53.54) Apostolis sis insertus, iacent ipsi nihilominus in luto faecis (cfr. Ps 39,3), obscuro inclusi carcere, sic flebiliter ad te clamantes: 
6 “Repraesenta, pater, Iesu Christo, Filio summi Patris, sacra stigmata eius, et lateris, pedum, manuum, crucis signacula prode, ut dignetur ipse misericors ostendere propria vulnera Patri, qui nobis miseris revera propter hoc semper placabilis erit (cfr. Iob 33,26). Amen. Fiat! Fiat (cfr. Ps 71,19)! 

Explicit secundum opus.

Texto Traduzido

Caput X

Do pranto das senhoras em São Damião e como foi sepultado com louvor e alegria.

 

116. 
1 Os frades seus filhos, que tinham acorrido com toda a multidão das cidades vizinhas, contentes por participar de tão solene funeral, passaram toda aquela noite em que morreu o santo pai dando louvores a Deus: pela suavidade do júbilo e pela claridade das luzes até parecia que eram os anjos a velar. 
2 Quando amanheceu, juntou-se a multidão de Assis com todo o clero e, carregando o sagrado corpo do lugar em que morrera, levaram-no para a cidade entre hinos e louvores, tocando trombetas. 
3 Cada um levava um ramo de oliveira ou de outras árvores e seguiam solenemente o enterro, com muitas luminárias e cantando louvores em alta voz. 
4 Quando o cortejo, formado pelos filhos que levavam o pai e pelo rebanho que acompanhava o pastor em busca do Pastor supremo, chegou ao lugar em que ele tinha fundado a Ordem das santas virgens e senhoras pobres, depositaram-no na igreja de São Damião, em que moravam aquelas suas filhas, por ele conquistadas para o Senhor. Abriu-se então a janelinha pela qual as servas de Deus costumavam receber a comunhão no tempo determinado. 
5 Abriu-se também a arca em que o tesouro de virtudes supercelestes estava guardado e em que estava sendo levado por poucos aquele que costumava arrastar tanta gente. 
6 Então a senhora Clara, verdadeiramente clara pela santidade de seus merecimentos, primeira mãe das outras porque tinha sido a primeira plantinha da Ordem, aproximou-se com suas filhas para ver o pai, que já não lhes falaria e estava a caminho de outras paragens, para não mais voltar.

 

117. 
1 Suspirando e gemendo muito, olhavam para ele em lágrimas e começaram a clamar com voz embargada: “Pai, pai, que vai ser de nós? Pobres de nós, por que nos abandonas? A quem nos entregas, assim desamparadas? 
2 Por que não nos deste a alegria de ir à tua frente e nos deixaste sofrendo deste jeito? Que mandas que façamos, presas neste cárcere, pois nunca mais virás visitar-nos, como costumavas? 
3 Contigo vai-se embora toda a nossa consolação. Não haverá mais conforto igual para nós que nos enterramos para o mundo! Quem nos acudirá em tamanha pobreza, não só de méritos como de bens materiais? 
4 Ó pai dos pobres e amigo da pobreza! Quem nos socorrerá nas provações, diz-nos tu, que passaste por tantas e eras um precavido conhecedor desses males!
5 Quem nos consolará nas tribulações, diz-nos tu, que nos socorreste em tantas que nos assaltaram! 
6 Amarga separação, cruel ausência! Ó morte horrorosa, que trucidas milhares de filhos e filhas, privando-nos desse pai, apressando-te em levá-lo para longe sem retorno, ele a quem devemos o grande florescimento de nossos esforços, se é que alguma coisa temos!” 
7 Mas o virginal pudor lhes embargava o pranto, e não ficava bem chorar demais por ele, quando em sua morte tinham acorrido multidões de anjos, alegrando-se os cidadãos dos céus e os que moram na casa de Deus. 
8 Entre a tristeza e a alegria, beijavam suas mãos esplêndidas, ornadas de pedras preciosas a brilhar. Quando ele foi levado, fechou-se para elas a porta, que jamais poderá ser aberta para outra dor comparável. 
9 Que compaixão enorme tiveram todos pelo seu sofrido e piedoso lamento! Os maiores gemidos foram, principalmente, os de seus filhos entristecidos! 
10 Todos partilhavam sua dor, porque era impossível reprimir as lágrimas quando os anjos da paz choravam com amargura.

 

118. 
1 Por fim, chegando à cidade, colocaram com grande alegria e júbilo o seu corpo santíssimo no lugar sagrado, que passou a ser mais sagrado. Para glória de Deus todo-poderoso, dali ele ilumina o mundo numa profusão de milagres, do mesmo modo que antes o iluminava pela doutrina de sua santa pregação. Demos graças a Deus. Amém. 
2 Santíssimo e abençoado pai, procurei honrar-te com justos e merecidos louvores, embora insuficientes, e narrei por escrito todos os teus feitos. 
3 Concede agora que este pobre frade seja digno de te seguir no presente para que, pela misericórdia de Deus, possa te acompanhar no futuro. 
4 Lembra-te piedosamente dos pobres filhos para os quais mal sobrou alguma consolação depois que te foste, tu que eras o seu único e especial consolo. 
5 Porção primeira e melhor de sua herança, foste admitido nos coros dos anjos e colocado no trono glorioso dos Apóstolos, mas eles jazem na lama, presos num cárcere escuro, e clamam por ti em seu pranto: 
6 “O’ pai, apresenta a Jesus Cristo, Filho do Pai Eterno, os seus sagrados estigmas, e mostra os sinais da cruz no lado, nos pés e nas mãos, para que ele se digne ter a misericórdia de mostrar suas próprias chagas ao Pai que, por certo, olhando para elas, sempre vai ter piedade de nós, pobres pecadores. Amém! Assim seja! Assim seja!” 

Termina o segundo livro