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Capítulo XXII

Texto Original

Caput XXII

De quodam fr. iuvene temptato, qui per mirabi­lem visionem fuit liberatus.

 

1 Quidam iuvenis, valde nobilis et delicatus, venit ad Ordinem s. Francisci. Qui indutus habitu fratrum, post aliquot dies, dyabolo instigante, cepit habere in tanta abominatione habitum quem gerebat, quod videbatur sibi portare saccum vilissimum. 2 Et propterea horrebat manicas, abominabatur caputium et ipsam longitudinem tunice et eius asperitatem tanquam importabilem sarcinam estimabat. 3 Unde factum est quod, crescente religionis fastidio, deliberavit penitus reicere habitum et redire ad vomitum seculi. 
4 Magister autem eius, cui dictus iuvenis commissus a principio fuerat, docuerat eum quod, quando transiret ante altare conventus, in quo servatur sanctissimi Cristi corpus, cum magna reverentia, genibus flexis, discooperto capite et cancellatis manibus, inclinaret. Dictus autem iuvenis hoc semper sollicite observabat.
5 Accidit autem quod illa nocte qua deliberaverat dimittere habitum et redire ad seculum, oporteret eum ante altare transire, ubi ex preterite consuetudinis studio et more solito genuflexit. 6 Et statim fuit tractus in spiritu, et ostensa est sibi mirabilis visio: nam vidit quasi multitudinem infinitam coram eo processionaliter transeuntem. 7 Omnes vero qui in illa processione beata bini incedebant, erant vestiti ornamentis pretiosis diasparis; facies autem eorum et manus et quicquid apparebat de corpore sole splendidius radiabat. 8 Et ibant cum cantu et iubilo angelorum sollempnissime et dulcissime decantando; inter quos duo nobiliores ceteris incedebant, tanta claritate vallati quod mirandum stuporem aspicientibus ingerebant.
9 Et qua­si circa finem processionis predicte vidit etiam quemdam tanta gloria decoratum, quod videbatur quasi novus miles ab omnibus singulari­ter honorari. 10 Dictus autem iuvenis, hoc videns, mirabatur et nesciebat quid esset, nec interrogare transeuntes audebat nec poterat, nimia dulcedine stupefactus. 
11 Sed cum processio pertransisset et ipse adhuc videns extremos, resumens audaciam cucurrit ad illos, et interrogans dixit: “O carissimi, rogo vos, quod dicere placeat qui sunt isti tam admirabiles quos continet hec veneranda processio?”. 
12 Illi vero, convertentes ad eum splendidissimas facies, dixerunt: “Nos sumus omnes fratres Minores, qui venimus modo de gloria paradisi”. Et ille, rursum interrogans, ait: “Qui sunt illi duo, qui tam excellenter super alios rutilant?”. Responderunt: “Illi duo ceteris clariores sunt s. Franciscus et s. Antonius. 
13 Ille autem ultimus tantum honoratus est quidam sanctus noviter mortuus, quem, quia valenter contra temptationes pugnavit et usque in finem perseveravit in s. proposito, ad gloriam regni eterni cum gloria et triumpho perducimus, non solum comitantibus sanctis, sed etiam letantibus angelis. 14 Ista vero vestimenta diaspari, que nos tam decora portamus, data sunt nobis propter asperas tunicas, quas in religione patienter detulimus; et gloriosa claritas, quam tu vides, data est nobis a Deo propter humilem penitentiam quam fecimus, et propter s. paupertatem et obedientiam et castitatem mundissimam, quam usque in finem ylari mente servavimus.
15 Unde, fili, non durum tibi sit saccum religionis tam fructuosum deferre, quia in sacco b. Francisci, amore D.n. Ihesu Cristi mundum spernendo, carnem (cfr. 1Ioa 2,16) mortificando et contra diabolum fortiter dimicando viriliter te habebis, nobiscum simili veste et claritate fulgebis”.
16 Et hiis dictis, iuvenis ad se rediit et, confortatus ex ipsa visione, omnem temptationem abiecit, culpam coram guardiano et fratribus recognovit, asperitatem penitentie et indumenti ut delicias de cetero concupivit. 17 Et sic mutatus in melius, in sancta vita finivit.
Ad laudem D.n. Ihesu Cristi. Amen.

Texto Traduzido

Caput XXII

Sobre um frade jovem tentado que foi libertado por uma visão admirável.

 

1 Um jovem, muito nobre e delicado, veio para a Ordem de São Francisco. Alguns dias depois de vestir o hábito dos frades, por instigação do demônio, começou a ter tanta abominação pelo hábito que usava, que lhe parecia estar vestindo um saco vilíssimo. 2 Por isso tinha horror das mangas, abominava o capuz e até o comprimento da túnica e achava que sua aspereza era uma carga insuportável. 3 Por isso aconteceu que, aumentando o fastídio da religião, resolveu de uma vez rejeitar o hábito e voltar para o vômito do século.
4 Mas o seu mestre, a quem o jovem tinha sido confiado desde o começo, ensinara-o que, ao passar diante do altar do convento, em que se guardava o santíssimo corpo de Cristo, se inclinasse com grande reverência, de joelhos, com a cabeça descoberta e os braços cruzados. O jovem sempre observava isso solicitamente.
5 Aconteceu, porém, que, na noite em que tinha resolvido largar o hábito e voltar ao século, ele teve que passar diante do altar, onde, pelo costume que antes aprendera, ajoelhou-se de maneira habitual. 6 Imediatamente foi arrebatado em espírito, e lhe foi mostrada uma visão admirável: pois viu como que uma multidão infinita passando em procissão diante dele. 7 Mas todos os que iam dois a dois naquela bem-aventurada procissão estavam vestidos com ornamentos preciosos diferentes. Mas o rosto, as mãos, e tudo que aparecia do corpo irradiava mais esplendidamente que o sol. 8 E iam cantando, solene e muito suavemente, com o canto e o júbilo dos anjos. Entre eles iam dois mais nobres que os outros, cercados por tanta claridade que produziam um admirável estupor em que todos os que viam.
9 Lá pelo fim da procissão, viu também um ornamentado com tanta glória que parecia estar sendo honrado especialmente por todos, como um cavaleiro novo. 10 Vendo isso, o jovem se admirava e não sabia o que era, nem ousava interrogar os que passavam, nem podia, estupefato pela enorme doçura.
11 Mas, quando a procissão tinha passado e ele, ainda enxergando os últimos, recuperou a ousadia e correu para eles, perguntando: “Ó caríssimos, eu vos rogo que queirais dizer quem são esses tão admiráveis que estão nessa veneranda procissão?”.
12 E eles, virando para ele seus rostos tão esplendorosos, disseram: “Nós todos somos frades menores, que viemos agora da glória do paraíso”. Ele perguntou de novo: “Quem são aqueles dois que brilham mais que os outros, de maneira tão excelente?”. Responderam: “Aqueles dois mais claros do que os outros são São Francisco e Santo Antônio.
13 E aquele último que está sendo tão honrado é um santo que morreu há pouco tempo que, por ter lutado valentemente contra as tentações e perseverado no santo propósito, estamos levando para o reino eterno em glória e triunfo, na companhia dos santos e na alegria dos anjos. 14 E estas roupas variadas que levamos, tão bonitas, foram-nos dadas por causa das ásperas túnicas  que usamos pacientemente na religião. A claridade gloriosa, que vês, foi-nos dada por Deus por causa da humilde penitência que fizemos, e por causa da santa pobreza, da obediência e da castidade puríssima, que guardamos até o fim, de mente alegre.
15 Por isso, filho, que não te seja duro usar o hábito da religião, tão frutuoso, porque no burel do bem-aventurado Francisco, desprezando o mundo, mortificando a carne (cfr. 1Jo 2,16) e lutando fortemente contra o diabo, te comportarás varonilmente e refulgirás conosco com roupas e claridade semelhantes”.
16 Dito isso, o jovem voltou a si e, confortado pela visão, lançou fora toda tentação, reconheceu sua culpa diante do guardião e dos frades e, a partir daí, desejou a aspereza da penitência e da roupa como delícias. 17 E assim, mudado para melhor, acabou numa vida santa.
Para o louvor de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.