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Capítulo VI

Texto Original

Caput VI

De paupertatis custodia, et abstinentia, et vitae illius mirando rigore; et qualiter laudem hominum fugiens se vilissimum voluit reputari.

 

32.

1 Sanctus Christi confessor Franciscus omni studio praecavebat, ne, sanctae summaeque paupertatis metas transiliens, ad superflua quoquo modo difflueret, ita ut, magis semper ad indigentiam quam ad abundantem sufficientiam vel excessum declinans, usque ad maximae necessitatis exigentiam, vix vasculum saltem in domo relinqueret.

2 Quid de cibariis delicatis aut vini potu, quidve de aliorum etiam vilium superfluitate dicamus, cum et rarissime coctis utens, ea cineribus vel aqua frigida commisceret, et de ipsa sufficienter aqua non biberet?

3 Difficillimum enim asserebat necessitati satisfacere et voluptati non obedire.

4 Saepius quoque, cum poenitentiam praedicans circuiret et invitatus refectionem in domibus saecularium sumeret, visus quidem comedere carnes, ad os manum ducebat,

5 sed tantum propter Evangelii verbum, quo dicitur: Edentes et bibentes quae apud illos sunt (Luc 10,7), minimum quid perraro degustans, reliquas in sinum subtili cautela mittebat.

6 Nuda humus dormire coacto, tunicula tantum interposita, lectus eras; et saepius sedens, non iacens, inclinato ad lignum vel lapidem capite, dormitabat.

7 Accidit quoque ut, infirmitatis necessitate de pullo quadam vice manducans, viribus postmodum utcumque resumptis, cuidam fratrum districte praeciperet ut, collo ipsius fune ligato, eum tamquam latronem per medium civitatis Assisii duceret et praeconia nihilominus voce clamaret:

8 “Ecce, videte glutonem, qui se gallinarum carnibus impinguavit, quas secreto vobis ignorantibus manducavit”.

9 Factumque est ut multi, ad tam mirandum compuncti spectaculum lacrimabili nimirum voce lugerent, seseque miserrimos, veluti quotidianis voluptatibus deditos, proclamarent.

 

33.

1 Multa quoque in hunc modum saepius faciebat, ut et semetipsum perfecte contemneret, et ad sui contemptum caeteros provocaret.

2 Sed et hic verissimus sui contemptor, cum non immerito magnificaretur ab omnibus (cfr. Luc 4,15), mirabiliter favorem hominum, solus se vilissimum reputans, arcebat pro foribus.

3 Cum enim extolli se laudibus humanis audiret, alicui fratrum per obedientiam, graviter hoc ferens, iniunxit ut viliter ipsum a latere verbis contumeliosis afficeret, et adversus laudantium mendacia veritatis verba proferret.

4 Quem dum frater invitus rusticum et mercenarium inutilem appellaret, sanctissimus ille iucundo applausu subrisit

5 et sic exprobranti respondit: “Benedicat tibi Dominus (cfr. Ps 127,5), fili carissime, quia verissima loqueris, et talia filium Petri de Bernardone decet audire!”

6 Cupiens quoque se perfecte vilem ab omnibus reputari, peccata sua non erubuit in praedicatione publica confiteri;

7 sed et, si quid sinistri surreperet levi cogitatione de aliquo, id ipsum eidem de quo cogitaverat confitens, humiliter veniam postulavit ab illo.

8 Ex hoc ipso etiam leviter advertenti patebit, qualiter vir iste murmurationis et detractionis verba vitavit.

9 Quid plura? In omni genere perfectionis usque ad summum apicem pertingere cupiens, favorem summopere devitabat humanum,

10 et ut conscientia teste vas sanctificationis interius possideret (cfr. 1The 4,4), factus est sibimetipsi exterius tamquam vas perditum (cfr. Ps 30,13).

Texto Traduzido

Caput VI

A observância da pobreza, a abstinência e o admirável rigor de sua vida; e como, fugindo do louvor dos homens, se julgava o mais vil de todos.

 

32.

1 O santo confessor de Cristo, Francisco, precavia-se com o maior cuidado para que, ultrapassando as metas da santa e mais alta pobreza, não viesse a cair sempre mais na indigência do que na abundante suficiência e no excesso, mal deixando em casa um pequeno copo.

2 Que diremos dos alimentos delicados, do vinho ou de qualquer outra coisa supérflua, mesmo sem valor, se era muito raro que comesse cozidos, misturando-os com cinza ou água fria, e nem bebesse a água suficiente?

3 Afirmava que seria muito difícil satisfazer as necessidades e não ceder ao prazer.

4 Muitas vezes, quando ia pregar a penitência e era convidado para a refeição nas casas dos seculares, parecia que estava comendo carne, levando a mão à boca;

5 mas era só para observar a palavra do Evangelho, que diz: Comei e bebei do que tiverem (Lc 10,7); comia muito raramente e só um pouquinho, colocando o resto no bolso, com muita discrição.

6 Tendo que dormir, sua cama era a terra nua, colocando em cima apenas sua pequena túnica; e, muitas vezes, dormitava sentado, não deitado, apoiando a cabeça numa tábua ou numa pedra.

7 Também aconteceu que uma vez, por estar doente, teve que comer frango. Depois que recobrou um pouco as forças, ordenou estritamente a um irmão que, com uma corda amarrada no pescoço, o levasse como um ladrão pelo cen­tro da cidade de Assis, proclamando um anúncio:

8 ”Eis o comilão que engordou com carne de galinha, comida secreta­mente sem que o soubésseis”.

9 Compungidos por tão admirável espetáculo, muitos se lamentavam com voz chorosa proclamando que eram mis do que miseráveis, porque diariamente se en­tregavam aos prazeres.

 

33.

1 Também eram muitas coisas que assim fazia muitas vezes, tanto para se desprezar perfeitamente como para levar os outros a desprezá-lo.

2 Mas, verdadeiro desprezador de si mesmo, com razão era aclamado por todos (Lc 4,15) e, sendo o único a se considerar o mais vil, admiravelmente e com todas as forças repelia o favor dos ho­mens.

3 Quando ouvia que as pessoas o louvavam, não podendo suportar isso, ordenava, sob obediência, que um dos irmãos lhe dirigisse, ao mesmo tempo e com força, palavras injuriosas e, as­sim, falasse a verdade contra as mentiras daqueles que o louva­vam.

4 Quando, contra a vontade, o irmão o chamava de grosseiro e inútil mercenário, o santíssimo homem o aprovava satisfeito

5 e respondia ao que o insultava: “O Senhor te abençoe (cf. Sl 127,5), filho caríssimo, porque falas o que é certo. É isso que o filho de Pedro de Bernardone tem que ouvir!”

6 Também, querendo que todos vissem nele um perfeito vilão, não se envergonhava de confessar seus pecados em público na pregação;

7 e se chegasse a pensar por leviandade algum mal de outro, confessava humildemente a culpa e lhe pedia perdão,

8 Isso demonstra a quem o observar mesmo de leve quanto esse homem evitava palavras de murmuração ou de detração.

9 Que mais? Desejando chegar ao ponto mais alto de toda espécie de perfeição, evitava ao máximo o favor humano;

10 e para possuir interior e conscientemente um vaso de san­tificação (1Ts 4,4), exteriormente apresentou-se como um vaso quebrado (Sl 30,13).