Selecione

Capítulo 6

Texto Original

Caput VI

De moribus fratrum famulantium sancto Francisco, et qualiter ipse disponebat conversari.

 

102. 
1 Haec fere per duos annos in omni patientia et humilitate sustinuit, in omnibus gratias agens Deo (cfr. Tob 2,14; 1The 5,18). 
2 Sed ut ipse liberius suam intentionem dirigere posset ad Deum, et beatarum mansionum in caelo positarum, frequenter mente excedens (cfr. 2Cor5 5,13), circuire posset ac ingredi officinas, et in pinguedine gratiae coram placidissimo et serenissimo universorum Domino se in caelestibus (cfr. 2Mac 14,35; Eph 1,3) presentare, quibusdam fratribus, merito sibi valde dilectis, commiserat curam sui. 
3 Erant enim illi viri virtutum (cfr. 1Mac 5,50), devoti Deo, placentes sanctis, gratiosi hominibus, super quos, velut domus super columnas quatuor, beatus pater Franciscus innitebatur (cfr. Iud 16,29). 
4 Eorum namque nunc nomina supprimo, ipsorum verecundiae parcens, quae tamquam spiritualibus viris satis est eis familiaris amica. 
5 Verecundia enim omnium est ornatus aetatum, innocentiae testis, pudicae mentis indicium, disciplinae virga (cfr. Prov 22,15), specialis gloria conscientiae, famae custos et totius honestatis insigne. 
6 Haec virtus adornaverat istos, haec amabiles et benevolos eos reddebat hominibus; haec utique gratia omnibus erat communis (cfr. Act 2,44), sed singulos virtus singula decorabat. 
7 Erat unus discretionis praecipuae, alter patientiae singularis, gloriosae simplicitatis alius, reliquus vero secundum corporis vires robustus et secundum animi mores placabilis. 
8 Hi vero omni vigilantia, omni studio, omni voluntate beati patris quietem animi excolebant, infirmitatem corporis procurabant, nullas declinantes angustias, nullos labores, quin totos se sancti servitio manciparent.

 

103. 
1 Sed licet gloriosus pater iam esset coram Deo in gratia consummatus, et operibus sanctis rutilaret inter homines mundi huius (cfr. Ioa 11,9), cogitabat tamen semper perfectiora incipere et tamquam doctissimus miles in castris Dei (cfr. Gen 32,2), provocato adversario, excitare iterum nova bella. 
2 Proponebat Christo duce (cfr. Dan 9,25), ingentia se facturum, et fatiscentibus artubus, iam emortuo corpore, novo certamine sperat de hoste triumphum. 
3 Vera namque virtus temporis finem ignorat, cum mercedis exspectatio sit aeterna. 
4 Flagrabat proinde desiderio magno valde (cfr. Num 11,4; Mat 2,10) ad humilitatis reverti primordia et prae amoris immensitate spe gaudens (cfr. Rom 12,12), corpus suum, licet ad tantam iam devenisset extremitatem, revocare cogitabat ad pristinam servitutem. 
5 Amputabat a se penitus omnium curarum obstacula, et cunctarum sollicitudinum strepitum plenissime compescebat. 
6 Cumque infirmitatis suae occasione rigorem pristinum necessario temperaret, dicebat: “Incipiamus, fratres, servire Domino Deo, quia hucusque vix vel parum in nullo profecimus”. 
7 Non arbitrabatur se adhuc comprehendisse (cfr. Phip 3,13), et infatigabilis durans in sanctae novitatis proposito, semper inchoare sperabat. 
8 Volebat ad serviendum leprosis redire denuo, et habere contemptui, sicut aliquando habebatur. 
9 Hominum conversationem fugere proponebat, et ad loca remotissima se conferre, ut sic exutus omni cura et aliorum sollicitudine deposita, solus carnis paries inter se et Deum interim separaret.

 

104. 
1 Videbat enim multos ad magisterii regimina convolare, quorum temeritatem detestans, ab huiusmodi peste sui exemplo revocare studebat eos. 
2 Dicebat enim bonum fore coram Deo et acceptabile curam gerere aliorum, et sollicitudinem animarum aiebat eos suscipere decere, qui dumtaxat in ea nihil de suo quaererent (cfr. Phip 2,21) sed divinam semper in omnibus attenderent voluntatem. 
3 Qui videlicet propriae saluti nihil praeponerent et subditorum non applausus attenderent sed profectus, non coram hominibus pompam sed gloriam ante Deum (cfr. Rom 4,2); 
4 qui praelationem non affectarent sed timerent; quos habita non extolleret sed humiliaret, et ablata non deiceret sed exaltaret. 
5 Sed praecipue in tempore hoc, in quo tantum superexcrevit malitia et superabundavit (cfr. 2The 1,3) iniquitas, periculosum dicebat regere, regi vero affirmabat utilius. 
6 Dolebat quosdam prima opera (cfr. Apoc 2,5) reliquisse, et novis adinventionibus pristinam oblitos esse simplicitatem. 
7 Propterea lamentabatur eos qui quandoque magis superioribus toto desiderio intendebant, ad infima et vilia descendisse, et per frivola et inania in campo vacuae libertatis, relictis veris gaudiis, discurrere et vagare. 
8 Orabat proinde divinam clementiam pro liberatione filiorum, et conservari eos in data gratia (cfr. Rom 12,3) devotissime precabatur.

Texto Traduzido

Caput VI

Do comportamento dos irmãos que cuidavam de São Francisco e de como ele desejava viver.

 

102. 
1 O santo suportou isso com toda paciência e humildade, durante quase dois anos, dando em tudo graças a Deus. 
2 Para pensar mais livremente em Deus, e para percorrer as moradas do céu em seus êxtases freqüentes, vivendo na riqueza da graça diante do dulcíssimo e sereníssimo Senhor do universo, confiou o cuidado de sua pessoa a alguns frades verdadeiramente dignos de sua predileção. 
3 Eram homens virtuosos, entregues ao Senhor, gratos aos santos, aceitos pelos homens, sobre os quais o santo pai Francisco se apoiava como uma casa sobre quatro pilares. 
4 Não lhes vou citar os nomes agora em respeito a sua modéstia, que sempre foi íntima amiga desses santos frades. 
5 A modéstia, aliás, é ornamento de todas as idades, testemunha da inocência, indício de um coração puro, norma de conduta, glória especial da consciência, guarda de boa fama e distintivo de toda honestidade. 
6 Foi a virtude que adornou esses companheiros do santo e os tornou amáveis e aceitos por todos. Foi uma graça comum a todos, mas cada um tinha sua virtude. 
7 Um deles se destacava por sua discrição, outro era de uma paciência fora do comum, outro de renomada simplicidade e o último juntava à robustez do corpo a mansidão de espírito. 
8 Todos cuidavam da tranqüilidade do santo pai com toda a atenção, esforço e boa vontade. Tratavam também de sua doença sem poupar sacrifícios e fadigas para estarem ao inteiro dispor do santo.

 

103. 
1 Embora já consumado em graça diante de Deus e resplandecendo em obras diante dos homens deste mundo, o santo pai estava sempre pensando em empreender coisas mais perfeitas e, como soldado veterano das batalhas de Deus, provocava o adversário para novos combates. 
2 Propunha-se a grandes proezas sob a orientação de Cristo e, mesmo semimorto pela falta de saúde, esperava triunfar do inimigo numa nova refrega. 
3 De fato, a virtude verdadeira não conhece fim, pois sabe que sua recompensa é eterna. 
4 Ardia, por isso, em um desejo enorme de voltar à humildade do começo, e seu amor era tão grande e alegremente esperançoso, que queria reduzir seu corpo à primitiva servidão, embora já estivesse no limite de suas forças. 
5 Afastava de si os obstáculos de todas as preocupações e freiava de uma vez a agitação de todas as solicitudes. 
6 Precisando moderar seu rigor antigo por causa da doença, dizia: “Vamos começar a servir a Deus, meus irmãos, porque até agora fizemos pouco ou nada”. 
7 Não pensava que já tivesse conseguido dominar-se mas, firme e incansável na busca da renovação espiritual, estava sempre pensando em começar. 
8 Queria voltar a servir os leprosos e ser desprezado como nos outros tempos. 
9 Queria fugir ao convívio das pessoas e ir para os lugares mais afastados, para se livrar de todos os cuidados e preocupações com as outras coisas, e ficar separado de Deus apenas pela parede provisória do corpo.

 

104. 
1 Percebendo que muitos queriam alcançar cargos e honrarias e detestando sua temeridade, tentou afastá-los dessa peste por seu próprio exemplo. 
2 Dizia que seria coisa aceitável e boa diante de Deus assumir o governo dos outros mas só deveriam assumir o cuidado das almas os que em tal ofício não buscavam seus interesses mas acima de tudo atendiam à vontade de Deus. 
3 Que não deveriam antepor coisa nenhuma à sua própria salvação nem esperar de seus súditos aplausos mas aproveitamento, nem deviam querer os favores dos homens mas a glória de Deus. 
4 Não deveriam ambicionar cargos mas temê-los. O que possuíam não devia orgulhá-los mas humilhá-los, e o que lhes fosse tirado não os devia abater mas exaltar. 
5 Dizia que mandar era coisa muito perigosa, especialmente neste tempo em que a maldade transbordou e a iniquidade superabundou, mas que obedecer era sempre melhor. 
6 Sofria porque alguns tinham abandonado os primeiros trabalhos e se haviam esquecido da simplicidade antiga para seguirem novos rumos. 
7 Queixava-se dos que no começo tinham procurado com ardor as coisas do alto mas tinham acabado por cair em ambições vulgares e terrenas e, deixando as verdadeiras alegrias, corriam atrás de frivolidades e ambições, no campo das pretensas liberdades. 
8 Suplicava a clemência de Deus pela libertação de seus filhos e pedia com ardor que os conservasse na graça que tinham recebido.