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Capítulo 20

Texto Original

Caput XX

De desiderio quo ad suscipiendum martyrium ferebatur Hispaniam primo, deinde Syriam deambulans, et quomodo Deus per eum nautas de periculo, multiplicatis cibariis liberavit.

 

55. 
1 Amore divino fervens, beatissimus pater Franciscus studebat semper ad fortia mittere manum (cfr. Prov 31,19), et dilatato corde viam mandatorum (cfr. Ps 118,32) Dei ambulans, perfectionis summam attingere cupiebat. 
2 Sexto namque conversionis suae anno, sacri martyrii desiderio maxime flagrans, ad praedicandam fidem christianam et poenitentiam Saracenis et caeteris infidelibus, ad partes Syriae voluit transfetare.                                                       3 Qui cum navem quamdam, ut illuc tenderet, intravisset, ventis contrariis flantibus, in partibus Sclavoniae cum caeteris navigantibus se invenit. 
4 Videns autem a tanto desiderio se fraudatum, facto modico temporis intervallo, nautas quosdam Anconam tendentes, ut eum secum ducerent exoravit, quoniam eo in anno vix ulla navis potuit ad partes Syriae transmeare. 
5 Verum illis hoc agere pertinacius recusantibus propter expensarum defectum, sanctus Dei confidens plurimum de Domini bonitate, navem latenter cum socio introivit. 
6 Adfuit, divina providentia, tunc quidam, omnibus ignorantibus, secum necessaria victus ferens, qui quemdam Deum timentem (cfr. Iob 1,1) de navi ad se vocavit et ait ad eum: “Tolle tecum (cfr. Tob 11,4) haec omnia, et pauperibus his in navi latitantibus necessitatis tempore (cfr. Sir 8,12) fideliter exhibebis. 
7 Sicque factum est ut, cum, tempestate nimia exorta, per multos dies laborantes in remigando (cfr. Mar 6,48), cibaria omnia consumpsissent, sola pauperis Francisci cibaria superessent. 
8 Quae in tantum divina gratia et virtute multiplicata sunt ut, cum adhuc plurium dierum forent navigationis itinera, ex sui copia usque ad portum Anconae omnium necessitatibus plenissime subvenirent. 
9 Videntes itaque nautae se per servum Dei Franciscum maris pericula evasisse, gratias egerunt omnipotenti Deo (cfr. Sir 50,19), qui semper in servis suis mirabilem et amabilem ostendit.

 

56. 
1 Servus Dei excelsi (cfr. Dan 3,93) Franciscus, relinquens mare, terram deambulabat, eamque verbi vomere scindens (cfr. Deut 21,3), seminat semen vitae, fructum ( cfr. Mat 13,3) proferens benedictum. 
2 Statim namque quamplures boni et idonei viri, clerici et laici, fugientes mundum (cfr. 2Pet 1,4) et diabolum viriliter elidentes, gratia et voluntate Altissimi, vita et proposito eum devote secuti sunt. 
3 Sed licet electissimorum fructuum evangelicus palmes copiam ex se producat, martyrii tamen sublime propositum et desiderium ardens in eo nullo modo frigescit. 
4 Post non multum enim temporis (cfr. Mat 25,19) versus Marrochium iter arripuit, ut Miramolino et complicibus suis Christi Evangelium praedicaret. 
5 Tanto namque desiderio ferebatur, ut peregrinationis suae quandoque relinqueret comitem (cfr. 2Cor 8,19), et ad exsequendum propositum spiritu ebrius festinaret. 
6 Sed bonus Deus, cui mei et multorum sola benignitate placuit recordari, cum iam ivisset usque ad Hispaniam, in faciem ei restitit (cfr. Gal 2,11), et ne ultra procederet, aegritudine intentata, eum a coepto itinere revocavit.

 

57. 
1 Revertente quoque ipso ad ecclesiam Sanctae Mariae de Portiuncula, tempore non multo post, quidam litterati viri et quidam nobiles ei gratissime adhaeserunt. 
2 Quos ipse, ut erat animo nobilissimus et discretus, honorifice atque digne pertractans, quod suum erat unicuique piissime impendebat. 
3 Revera discretione praecipua praeditus, considerabat prudenter in omnibus cunctorum graduum dignitatem. 
4 Sed nondum valet quiescere, quin beatum impetum animi sui adhuc ferventius exsequatur. 
5 Nam tertio decimo anno conversionis suae ad partes Syriae pergens, cum quotidie bella inter christianos et paganos fortia et dura ingruerent, assumpto secum socio, conspectibus Soldani Saracenorum se non timuit praesentare. 
6 Sed quis enarrare sufficiat, quanta coram eo mentis constantia consistebat, quanta illi virtute animi loquebatur, quanta facundia et fiducia legi christianae insultantibus respondebat? 
7 Nam primo quam ad Soldanum accederet, captus a complicibus, contumeliis affectus, attritus verberibus non terretur, comminatis suppliciiis non veretur, morte intentata non expavescit. 
8 Et quidem licet a multis satis hostili animo et mente adversa exprobratus fuisset, a Soldano tamen honorifice plurimum est suceptus. 
9 Honorabat eum prout poterat, et oblatis muneribus multis, ad divitias mundi animum eius inflectere conabatur: 
10 sed cum vidisset eum strenuissime omnia velut stercora contemnentem, admiratione maxima repletus est et quasi virum omnibus dissimilem intuebatur eum; 
11 permotus est valde verbis eius et eum libentissime audiebat (cfr. Mar 6,20). 
12 In omnibus his Dominus ipsius desiderium non implevit (cfr. Ps 126,5), praerogativam illi reser-vans gratiae singularis.

Texto Traduzido

Caput XX

Do desejo de martírio que o levou primeiro à Espanha e depois à Síria. E como, por sua intercessão, Deus livrou os marinheiros do perigo, multiplicando a comida.

 

55. 
1 Ardendo em amor de Deus, o santo pai Francisco sempre quis empreender as coisas mais difíceis, e percorrendo o caminho dos mandamentos do Senhor com o coração aberto, queria atingir o cume da perfeição. 
2 No sexto ano de sua conversão, inflamado em veemente anseio do santo martírio, quis navegar para a região da Síria, para pregar a fé cristã e a penitência aos sarracenos e outros infiéis. 
3 Tomou um navio que ia para lá, mas sopravam ventos contrários e foi parar com os outros navegantes na Esclavônia. 
4 Vendo-se frustrado em tão vivo desejo, pediu pouco tempo depois a uns marinheiros que iam para Ancona que o levassem, porque naquele ano quase nenhum navio pôde ir para a Síria. 
5 Como eles se recusassem firmemente a levá-lo, porque não podia pagar, o santo confiou muito na vontade do Senhor e entrou escondido no navio com o seu companheiro. 
6 Por providência divina, uma pessoa que ninguém conhecia chegou trazendo provisões, chamou um homem temente a Deus que ia no navio e lhe disse: “Leva contigo tudo isto e, quando for necessário, deverás dá-las fielmente aos pobres que estão escondidos nesse navio”. 
7 E assim aconteceu que, levantando-se uma tempestade enorme, passaram dias lutando com os remos e consumiram todas as provisões, sobrando apenas a comida do pobre Francisco. 
8 Mas, pela graça e o poder de Deus, essa comida se multiplicou de tal modo que, embora tenham passado muitos outros dias a navegar, foi suficiente para satisfazer bem a necessidade de todos, até chegarem ao porto de Ancona. 
9 Quando os marinheiros perceberam que tinham escapado dos perigos do mar por intermédio do servo de Deus São Francisco, deram graças ao Senhor todo-poderoso, que em seus servidores sempre se mostra bondoso e admirável.

 

56. 
1 Deixando o mar, Francisco, servo de Deus altíssimo, caminhou pela terra e, abrindo-a com o arado da palavra, semeou a semente da vida, produzindo um fruto abençoado. 
2 Bem depressa muitos homens de valor, clérigos e leigos, fugindo do mundo e escapando valorosamente ao demônio, por graça e vontade do Altíssimo, seguiram sua vida e seu caminho. 
3 Todavia, embora produzissem frutos abundantes e saborosos, como a palmeira do Evangelho, não bastaram para esfriar a sua decisão sublime do martírio ardentemente desejado. 
4 Pois algum tempo depois empreendeu uma viagem a Marrocos, para pregar o Evangelho de Cristo ao Miramolim e a seus sequazes. 
5 Seu entusiasmo era tanto que, às vezes, deixava para trás seu companheiro de viagem, na pressa de realizar seu intento com verdadeira embriaguez espiritual. 
6 Mas o bom Deus lembrou-se em sua misericórdia de mim e de muitos outros, e se opôs frontalmente a ele quando já tinha chegado à Espanha, impedindo-o de continuar o caminho por uma doença que o fez voltar atrás.

 

57. 
1 Não fazia muito tempo que tinha voltado a Santa Maria da Porciúncula, quando alguns homens de letras e alguns nobres juntaram-se a ele com grande satisfação.
2 A estes, sempre educado e discreto, tratou com respeito e dignidade, servindo piedosamente a cada um conforme lhe cabia. 
3 Dotado de especial discrição, sabia respeitar, em todos, os graus do seu valor. 
4 Mas ainda não podia ficar sossegado, deixando de seguir com fervor o seu sagrado impulso. 
5 No décimo terceiro ano de sua conversão, foi para a Síria e, embora recrudescessem cada dia terríveis e duros combates entre cristãos e pagãos, não teve medo de se apresentar ao sultão dos sarracenos, levando um companheiro. 
6 Quem vai poder contar a coragem com que se manteve diante dele, a fortaleza com que falou, a eloquência e a confiança com que respondeu aos que insultavam a lei cristã? 
7 Preso pelos guardas antes de chegar ao sultão, não se assustou nem quando foi ofendido e açoitado, não recuou diante de suplícios e não ficou com medo nem da ameaça de morte. 
8 Foi maltratado por muitos que eram hostis e adversos, mas o sultão o recebeu muito bem. 
9 Reverenciou-o quanto lhe foi possível e lhe ofereceu muitos presentes, tentando convertê-lo para o espírito mundano. 
10 Mas, quando viu que ele desprezava valentemente todas as coisas como se não passassem de esterco, ficou admiradíssimo e olhava para ele como um homem diferente. 
11 Ficou muito comovido com suas palavras e o ouviu de muito boa vontade. 
12 Apesar de tudo isso, o Senhor não satisfez o seu desejo, pois lhe estava reservando o privilégio de uma graça especial.