Selecione

Capítulo VII

Texto Original

Caput VII

Quamodo martyr esse desiderabat; nautas a maris periculo liberavit; et qualiter coram Soldano comparuit.

 

34.

1 Ardentissimo martyrii desiderio fervens, beatus Franciscus sexto conversionis suae anno ad partes Syriae voluit proficisci, ut ibidem Saracenis annuntiaret Evangelium Iesu Christi.

2 Igitur ad eundum quidem in Syriam iter arripuit; sed, ventis contrariis flantibus, in Sclavoniae partes navis, in que ducebatur, applicuit.

3 Audiens autem a nautis eo anno navem illam in Syriam transire non posse, voto suo fraudatus in aliam, quae Anconam tendebat, a nautis expensarum defectum timentibus vix permissus intravit; in qua et Dominus per eum mirabilium suorum memoriam fecit (cfr. Ps 110,4).

4 Gravi namque et diutina maris tempestate suborta, iam demum post longos labores ipsis nautis cibaria deerant, dum, cui prius introitum navis defectus victualium timore negaverant, illius tunc subsidio mortis evasere iacturam.

5 Nam quaedam, etsi non tanta ut multis quoquo modo sufficerent, beatus Franciscus, Domino sibi providente, latenter intulerat;

6 quae tunc ad ipsius merita tantum sumpsere divinitus incrementum, ut abundanter usque ad portum Anconae necessitatibus omnium subvenirent, quamvis plures adhuc dies itineris superessent.

7 Quod nautae videntes, immensas agebant omnium Salvatoris clementiae gratias, qui de mortis eos per famulum suum Franciscum periculo liberarat.

 

35.

1 Ut autem vir sanctus in terram a mari descendit, divini rursum verbi semina iacere coepit, fructumque ex illis de sequentibus ipsum pluribus viris idoneis recollegit.

2 Verum adhuc in ipso martyrii fervor non tepuit, quin ad fidem Christi Miramamolino suisque complicibus praedicandam versus Marrochium non multo post iter arripiens, tanto ad hoc aliquoties impetu festinaret, ut etiam peregrinationis suae comitem, prae spiritus ebrietate solus praecurrendo, desereret.

3 Sed cum iam usque in Hispaniam ferventissime processisset, Domino ad aliorum multorum salutem aliud ordinante eique per gravissimas corporis aegritudines occursante, rursus in Italiam redit.

 

36.

1 Veniensque, aliquantulam apud Sanctam Mariam de Portiuncula moram fecit.

2 Eo quoque tempore quosdam litteratos ad Ordinem nobilesque recepit, quibus discretione praecipua, que in alios mirabiliter ipse pollebat, curam digne et decenter adhibuit.

3 Porro vir sanctus, quamvis suum cogeretur vel invitus protelare propositum, tamen a coepto martyrii fervore non destitit, donec tandem tertiodecimo conversionis suae anno ad partes Syriae transmeavit.

4 Et licet quotidiana tunc inter christianos et infideles praelia gererentur, ipse tamen in Domino confisus (cfr. Phip 2,24) adire Soldanum nec cum evidenti periculo verebatur.

5 Unde et multis gravibusque verberibus et iniuriis, antequam perveniret, affectus, tandem ipsius Soldani conspectu personaliter est potitus.

6 Sed narratui longum foret, in quanta mentis constantia coram illo perstiterit, quantaque facundia fidei christianae oblatrantium verba retuderit.

7 Soldanus vero cum ingenti illum honore suscepit, pluraque sibi et pretiosa valde donaria protulit.

8 Quae sancto Dei veluti quasdam immunditias vilipendente, ipse Soldanus tamquam de viro cunctis dissimili magis obstupuit, et illi eo diligentius verbis intendit.

9 Sed nimirum in his omnibus suum vir beatus desiderium non implevit (cfr. Ps 126,5);

10 cui mirabilius in singularis gratiae praerogativam gerenda suorum Dominus insignia stigmatum reservavit.

Texto Traduzido

Caput VII

Como desejava ser mártir; como salvou mari­nheiros do perigo do mar e como se apresentou diante do sultão.

 

34.

1 Fervendo em tão ardente desejo do martírio, no sexto ano de sua conversão, o bem-aventurado Francisco quis vi­ajar para a região da Síria, para aí anunciar aos sarracenos o Evangelho de Jesus Cristo.

2 Por isso, iniciou a viagem para a Síria; mas, por causa dos ventos contrários, o navio em que viajava apor­tou na Eslavônia.

3 Ouvindo os marinheiros dizerem que naquele ano o navio não poderia ir para a Síria, frustrado em seu desejo, a custo permitiram-lhe embarcar em outro navio para Ancona pelos marinheiros, temerosos porque ele não ia pagar. Nesse navio, o Senhor deixou por ele lembrança de suas maravilhas (cf. Ps 110,4).

4 De fato, tendo surgido no mar uma grande e demorada tempestade, depois de muito trabalho, faltou comida para os próprios marinheiros; e foram salvos do perigo da morte por aquele a quem tinham impedido embarcar por medo de ficar sem comida.

5 Com efeito, pela providência do Senhor e às escondidas, o bem-aventurado Francisco havia trazido consi­go alguma coisa; embora não tanto que bastasse para muita gen­te.

6 Contudo, por seu mérito e pelo poder divino, tudo aumentou tanto e foi tão abundante que supriu as necessidades de todos até o porto de Ancona,embora ainda restassem muitos dias de via­gem.

7 Vendo isso, os marinheiros agradeceram imensamente à clemência do Salvador de todos, porque, por seu servo Francisco, os havia livrado do perigo da morte.

 

35.

1 Quando o santo homem desceu em terra, recomeçou a lançar as sementes da palavra divina, e delas recolheu o fruto, porque muitos homens idôneos o seguiram.

2 Mas não esmoreceu nele o fervor do martírio, pois, pouco depois, viajou de novo a caminho de Marrocos, para pregar a fé de Cristo ao Miramolim e a seus comparsas. Às vezes, caminhava tão rápido que, indo à frente sozinho pelo fervor do espírito, abandonava seu companheiro de peregrinação.

3 Entretanto, quando já caminhava cheio de fervor pela Espanha, dispondo o Senhor diversamente para a salvação de muitos outros, voltou para a Itália porque teve graves doenças corporais.

 

36.

1 Ao chegar, ficou morando um pouquinho em Santa Maria da Porciúncula.

2 Nessa ocasião, recebeu na Ordem alguns letrados e nobres, com os quais por especial discrição teve o cuidado digno e atencioso que tinha admiravelmente para com os outros.

3 Todavia, embora obrigado contra a vontade a pro­telar o seu propósito, o santo não desistiu do fervoroso desejo de martírio que já iniciara; até que, no décimo terceiro ano de sua conversão, fez a travessia para a Síria.

4 E ainda que houvesse combates quotidianos entre os cristãos e os infiéis, confiando no Senhor (Fl 2,24), não teve medo de dirigir-se ao sultão, com evidente perigo.

5 Tendo enfrentado muitas e graves agressões e ofensas antes de chegar, conseguiu finalmente comparecer diante do próprio sultão.

6 Mas seria longo narrar a fortaleza com que permaneceu em sua presença, e toda a eloqüência com que rebateu as palavras dos que ladra­vam contra a fé cristã.

7 O sultão, porém, recebeu-o com grande honra e lhe ofereceu muitos e preciosos presentes.

8 Como o santo de Deus desprezava tudo aquilo como esterco, o sultão ficou ainda mais admirado diante de um homem tão diferente dos outros e o ouviu com a maior atenção.

9 Mas nem com tudo isso o ditoso homem viu cumprido o seu desejo (Sl 126,5);

10 por uma prerrogativa especial, o Senhor lhe reservou o privilé­gio de levar, de forma mais admirável, os sinais das chagas.