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A presença de quem já partiu

Publicado por Frei Vanildo Luis Zugno | 18/05/2020 - 11:20

A presença de quem já partiu


Há muitas formas de sair de cena. Há aquela bem educada em que se pede licença,
despede dos presentes e toma o rumo da porta abanando para os que ficam.
Há a saída à francesa: de fininho, sem que os presentes se deem conta. Pode ser falta de
respeito. Ou pode significar discrição, desejo de não atrapalhar a alegria e a festa que
segue.
Há a saída estrepitosa daquele que sai causando. É o correlato do chegar chegando,
fazendo barulho, chamando atenção para ser notado e se impor aos demais.
Também há a saída forçada, não desejada, resistida, daquele que quer ficar, mas é
expulso, jogado para fora, de forma violenta ou com subterfúgio. E há a saída disputada
em que alguns querem que a pessoa permaneça e outros querem excluí-la.
E há a saída não realizada, a saída incompleta, não acabada, inconclusa, não finalizada
em que a pessoa que sai, mesmo que não mais esteja, continua presente. E, se
procuramos por ela, mesmo que não a vejamos, sabemos que aí está. Esta é a saída mais
dolorosa. É a que mais dói porque nunca termina. É uma saída no particípio presente.
Essa forma verbal que na língua portuguesa deixou de ser ação e passou a ser qualidade
da qual ninguém pode desimpregnar a quem foi com ela marcado.
É a saída dos mortos que nunca morrem. Seja porque não pudemos deles nos despedir
de forma digna e respeitosa, como acontece hoje com os mortos por Covid19,
subtraídos ao carinho e pranto dos familiares e amigos antes mesmo do último suspiro e
enterrados às pressas em uma vala anônima. São os povos indígenas que, desde a
chegada dos europeus até hoje, continuam sendo desaparecidos contra a sua vontade e,
para não deixar em paz a consciência dos que os matam, continuam teimosamente a
resistir com sua incômoda presença. Ou os presos, torturados e mortos pelas ditaduras e
que tiveram seus corpos desaparecidos, mas sua memória está viva naqueles e naquelas
que seguem seu sonho de uma sociedade justa, fraterna e feliz.
E há os mortos que nunca morrem porque sua existência foi de tal modo intensa que já
não cabia somente neles. E a vida que eles carregavam e repartiam se expandiu e tomou
conta de todos aqueles e aquelas que com eles tiveram a graça de conviver.

É dessas vidas que dizia Dom Oscar Romero: “Se me matam, ressuscitarei na vida do
povo”. Não era uma frase vã ou pretensiosa. Pelo contrário: era o humilde
reconhecimento de que, aquele que foi morto, ressuscitou e já não está presente como
antes, continua vivo no meio de nós. Ele subiu aos céus, mas sua presença
esperançadora é maior e mais forte que todas as ausências. E Sua vida, que vive em nós,
nos impulsa a seguir fazendo o que Ele fez.

Sobre o autor
Frei Vanildo Luis Zugno

Frei Capuchinho da Província Sagrado Coração de Jesus - Rio Grande do Sul. É graduado em Filosofia (UCPel - Universidade Católica de Pelotas, RS) e em Teologia (ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana, Porto Alegre, RS). É mestre em Teologia (Université Catholique de Lyon - França) e doutor na mesma área pela EST, de São Leopoldo - RS. É professor de Teologia na ESTEF e na UNILASALLE, em Canoas - RS. 

Blog pessoal, onde é possível encontrar mais textos de sua autoria: http://freivanildo.blogspot.com/