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A história do jovem rico: uma vocação que não obteve sucesso

Publicado por Frei Vicente Artuso | 13/06/2018 - 00:01

Artigo publicado na revista de teologia da PUCPR- Pistis e Práxis, volume 5 pg.405-424, 2013 acesso, 7/06/2018

https://periodicos.pucpr.br/index.php/pistispraxis/article/viewFile/12911/12239

 

Resumo

Escrevi este artigo em 2013 e com a devida permissão da revista, ofereço aos confrades e amigos. “Este artigo apresenta uma análise da história do Jovem rico conforme Mt 19,16-22 como uma vocação que não obteve sucesso. O motivo do fracasso não foi a falta de observância de algum mandamento não relacionado no texto, mas falta de espírito evangélico que é a vivência do amor pleno, síntese da lei. As propriedades ocuparam o coração do jovem rico, como um bem maior. E onde está o tesouro ali também está o coração. Assim não ouve espaço para Deus sumo bem e ele se afastou entristecido. O artigo destaca as exigências do discipulado em paralelo com a exigência da salvação. Caminhar para a perfeição é ser discípulo. Para o seguimento de Jesus há situações que pedem renúncias difíceis para aceitar o chamado de Deus para obter a vida eterna. Conclui-se que todos os cristãos são chamados a viver o evangelho na totalidade, porém mediante meios diferentes segundo as disposições do coração.

Palavras chaves:  relação, amor, vocação, pobreza.

 

 

Abstract

This article presents an   analysis of the story of the Rich Young Man according Mt 19,16-22 as a vocation which was not   successful.  The motive for the failure was not because of lack of   observance of some commandment not related in the text, but the lack of the   evangelical spirit which is the living of  love in fullness, the   synthesis of the Law. His properties occupied the heart of the rich young man,   as the greatest good.  And where one's treasure is, there also is one's   heart. This being so, there was no space for God as supreme good, and he went   away saddened.   The article stresses the demands of discipleship in   parallel with the demand of salvation. To journey towards perfection is to be   a disciple. In order do follow Jesus there are situations which require a   difficult renunciation, so as to acccept the call of God to obtain eternal   life. The conclusion is that all Christians are called to live the Gospel in   its totality, using however different means according to the disposition of the   heart.

Key words: relation, love, vocation, poverty.

 

 

Introdução

 

Conforme os primeiros relatos de vocação nos sinóticos (Mc 1,16-20; Mt 4,18-22) a resposta ao chamado de Jesus é pronta. “E imediatamente, deixando as redes eles o seguiram” (Mc 1,18). O início do seguimento é marcado pelo entusiasmo e sucesso. Todos procuram Jesus (Mc 1,37) e os discípulos o acompanham por toda parte. Na raiz desse entusiasmo está o carisma de Jesus que chama, a boa nova do reino que atraí, o êxito da missão que lhe confere autoridade e a admiração de muitos. Porém aos poucos na vida dos discípulos aparecem dúvidas, crises. Os seguidores de Jesus não percebem o alcance que o contato com ele implica (CNBB,1997, p.18-19).

A vocação é um dom. A boa vontade inicial sem ajuda divina não é suficiente para perseverar. Disse Jesus: “Ninguém pode vir a mim, se isso não lhe for concedido por meu Pai”(Jo 6,65). Por falta de compreensão do significado do seguimento “muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). Há exemplos de sucesso, resposta generosa, exemplos de discípulos que abandonaram o seguimento e relatos de “não-vocação”, simplesmente recusa de uma resposta positiva. CÁSSIO MURILO (2007, p. 49), menciona a história do jovem rico e mais dois exemplos de narrativa classificados como gênero de não-vocação, isto é falta de resposta e desistência do discipulado: Mt 8,18-22; Lc 9,57-62.

O propósito desse estudo é analisar a história do jovem rico em Mt 19,16-22 (paralelos em Mc 10,17-22 e Lc 18,18-23) que é um relato de vocação que não recebeu resposta. Trata-se de uma análise que realça de um lado a proposta de Jesus, as condições para o seguimento, e de outro, a não resposta do Jovem rico. Mesmo que a história da vocação não se realizou positivamente, a própria estrutura do texto, sua articulação centrada no diálogo, revela elementos essenciais para a teologia da vocação e do discipulado. Destaca também a reação negativa diante da proposta e o consequente afastamento de Jesus.    

Quais seriam os reais motivos da não aceitação do projeto de Jesus? As condições para o seguimento colocadas para o jovem rico valem para todos os discípulos? Que relação existe entre perfeição e observância dos mandamentos? A reflexão vai abordar também a relação entre ser discípulo e ser perfeito na plena observância dos mandamentos. No contexto do seguimento as exigências são apresentadas conforme a situação das pessoas. O caso do jovem rico é exemplo de quem não assimilou o espírito da lei, que se resume no amor, na caridade perfeita.  

 

Tradução[1]                                                                            

 

v.16 E eis que alguém tendo se aproximado dele disse: Mestre[2]!

Que farei de bom para obter a vida eterna?

v.17 Ele porém disse-lhe: porque me perguntas a respeito do que é bom?[3] Um é Bom. Se porém queres entrar para a vida, observa os mandamentos.

v.18 Ele lhe diz: Quais? Jesus porém disse: Estes: não matarás, não adulterarás, não roubarás, não levantarás falso testemunho,

v. 19 honra teu pai e tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo.

v. 20  Diz a ele o jovem: Todas estas coisas guardei. Que ainda falta?

v. 21 Diz a ele Jesus: Se queres ser perfeito vai vende o que te pertence e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus, e depois segue-me.

v.22 Ouvindo porém o jovem a palavra[4] partiu entristecido. Era de fato possuidor de muitas propriedades[5].

 

           Contexto literário e delimitação

 

Tanto o relato de Mateus (Mt 19,16-22) como o de Marcos (Mc 10,17-22) se situa no contexto da instrução dos discípulos a caminho de Jerusalém. O relato de Lucas (Lc 18,18-23) está no contexto da grande viagem que é composta de um material mais rico e diferenciado em relação a Mt e Mc.

Nos textos da caminhada de Jesus a Jerusalém em Mt 19,1–20,34 ele esclarece os discípulos sobre as exigências do seguimento: retomada do princípio da igualdade entre homem e mulher no casamento (Mt 19,4-6), proibição de repudiar a mulher por qualquer motivo (Mt 19,9), acolhimento das crianças (Mt 19,14), desapego das riquezas e ausência de cobiça (Mt 19,21), instrução sobre o poder como serviço (Mt 20,26-27). Observa Ulrich Luz (2003, p.116) que o encontro com personagens alheios ao seguimento de Jesus (fariseus, crianças, mãe dos filhos de Zebedeu, jovem rico) é ocasião para as instruções aos discípulos. Jesus já havia esclarecido que era necessário ir a Jerusalém, sofrer muito, ser morto e depois ressuscitar ao terceiro dia (Mt 16,21). Por três vezes fez este anúncio da paixão e ressurreição (Mt 16,21; Mt 17,22; Mt 20,17-19). Os anúncios são intercalados com instruções sobre a exigência do discipulado já conhecida dos leitores: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24).

A narrativa do jovem rico (Mt 19,16-22) se situa entre o segundo e terceiro anúncio da paixão. O relato é delimitado com o texto antecedente do acolhimento das crianças em que Jesus as abençoa (Mt 19,13-15). No paralelo de Mc 10,13-16 Jesus instrui os discípulos da necessidade de receber o reino como criança. O texto que segue, após o encontro com o jovem rico é uma instrução a respeito da dificuldade de entrar no reino, para aqueles apegados a muitas propriedades (Mt 19,23-26). Portanto nesse contexto a idéia dominante é a necessidade de ser menor, ser desapegado, negar-se a si mesmo, ser servidor, observar os mandamentos na totalidade. Somente no acolhimento do reino e suas exigências os seguidores e seguidoras de Jesus serão verdadeiros discípulos e a vocação terá êxito.  Seguimento, necessidade da renúncia dos bens, solidariedade com os pobres, vivência do mandamento do amor, são temas chaves da história do jovem rico. Algumas dessas exigências não foram cumpridas, o que resultou o fracasso do discipulado. A perfeição se expressa na plenitude da lei que é a vivência plena dos mandamentos, o ideal proposto a todos os cristãos: “Sede perfeitos como vosso pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).

            Os comentários analisam Mt 19,16-30 como uma unidade incluindo a instrução sobre o perigo das riquezas e a promessa de recompensa. Tomamos Mt 19,16-22 como uma unidade narrativa compreensível com as instruções que Jesus faz no diálogo. O texto tem uma unidade como relato de não vocação. Acha-se delimitado pelos verbos de movimento. Jesus havia partido após o encontro com as crianças (Mt 19,15). Em outro lugar alguém se aproxima de Jesus (Mt 19,16) o “jovem rico” e acontece um diálogo (Mt 19,17-21). O diálogo termina quando o jovem partiu entristecido sem nada dizer (Mt 19,22).

 

Estrutura do relato de não-vocação de Mt 19,16-22  

 

1- Iniciativa: Alguém (jovem) se aproxima de Jesus (19,16a)

 

2-Pergunta: “Mestre que farei de bom para obter a vida eterna”? (Mt 19,16b)

 

3- Resposta de Jesus: Apresenta as condições para obter a vida, “Se queres entrar para a Vida observa os mandamentos” (Mt 19,17)

 

4- Pergunta do Jovem: “Quais?” (Mt 19,18a)

 

5- Resposta Jesus: Apresenta os mandamentos (Mt 19,18b-19)

 

6- Insistência do Jovem: “Tudo isso tenho guardado. Que me falta ainda?”(Mt 19,20)

 

7- Resposta de Jesus: Apresenta as condições para o seguimento: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que te pertence e dá aos pobres e terás um tesouro nos céus e depois segue-me”(Mt 19,21)

 

8- Reação negativa do jovem: saiu sem dar uma resposta: “O Jovem ouvindo a palavra, partiu entristecido. Era de fato possuidor de muitas propriedades”: (Mt 19,22).

 

 

 

Análise Teológica

 

 Que fazer de bom para ter a vida eterna

Alguém se aproxima de Jesus e lhe faz esta pergunta: Que farei de bom para ganhar a vida eterna? Somente Mateus relata que esse “alguém” era jovem. Lucas refere que era um chefe de posição. Provavelmente era um dos oficiais  encarregados da sinagoga local. Isso era verdade por ser ele limpo (Mt 19,20), de excelente conduta exterior, um indivíduo virtuoso.  Os três evangelistas informam que esse homem era rico, possuía bens (Mt 19,22 Mc 10,22, Lc 18,22). Porém era ansioso e compreendeu que ainda não havia atingido a vida eterna. Ao ir a Jesus ele buscava a fonte certa (cf. HENDRIKSEN, 2000, p.312-313). A pergunta a Jesus em Mc e Lc é “Bom mestre, que devo fazer”. Em Mt a pergunta do Jovem é “Que farei de bom para ter a vida eterna ”(19,16)? Talvez  Mt aqui tenha evitado a resposta de Jesus referida ao texto de Mc e Lc, no qual dá a impressão de contrapor-se a Deus o único “Bom”. Muito provavelmente Mateus eliminou a pergunta “porque me chamas bom” enquanto poderia dar ocasião de uma interpretação errada como se colocasse dúvida sobre a bondade de Jesus (SABOURIN, vo.II, 1977, p.839). Mateus conservou a segunda parte da resposta de Jesus ligando-a com a primeira relativa ao bem que se deve fazer, inspirada pela pergunta inicial do jovem (FABRIS, 1982, p.414). A proposta que Jesus faz ao responder a primeira pergunta do jovem identifica esse “bem” com a observância da lei. Segundo SPINETOLI (p.473) aqui Mateus entende as relações com Deus em termos contratuais. A obra boa é um título, um “preço” para assegurar a obtenção do bem supremo.

A vida eterna é esse bem que designa em última análise a perfeição e a felicidade última que o ser humano aspira. Nesse sentido entende-se a promessa àqueles que renunciam a tudo por causa do reino receberem muito mais e a vida eterna (Mt 19,29). Os verbos “fazer” “ter” (“herdar” Mc e Lc) destacam que a vida futura é dom de Deus e fruto do esforço humano (GRASSO (1999, p.475). A contra pergunta de Jesus “Porque me perguntas sobre o que é bom?” indica que o jovem sabe, o que precisa fazer para conseguir a vida eterna “observar os mandamentos”. Esse ensino não parece novidade para ele, que como judeu zeloso poderia estar ciente da promessa no sermão da Montanha: “Aquele que praticar e ensinar os mandamentos será grande no reino dos céus” (Mt 5,19). Esse é o bem maior. Quem observar os mandamentos mesmo os mínimos será grande no reino dos céus. Ser bom é portanto ser perfeito na observância da lei.

 

Uma vida no amor e na gratuidade

 

Quando o Jovem respondeu a Jesus que desde a infância tinha observado os mandamentos, o paralelo de Marcos relata que “fitando-o Jesus o amou”(Mc 10,21). E então acrescentou “Uma coisa te falta”. Havia problemas sérios que impediam a gratuidade. Esta gratuidade vem do próprio Deus que libertou o povo, fez uma aliança de amor, enfim amou primeiro (cf. 1 Jo 4,19). A gratuidade de Deus foi revelada primeiro na história do povo no Êxodo. Portanto a experiência da gratuidade de Deus é que move os discípulos e discípulas de Jesus a viver a liberdade dos filhos de Deus, na vida da graça (Cf. Gl 4,4-6). A propósito D. Bonhöfer falará do “preço da graça” da parte humana diante do amor de Deus, pois o evangelho da graça não admite degraus na perfeição. Nesse sentido “fazer uma obra boa”(Mt 19,17) e “ser perfeito”(Mt 19,21) no fundo é o mesmo que viver a nova justiça, a lei interior do Espírito (Conselhos Evangélicos. In: Dicionário Teológico da Vida Consagrada, 1994, p. 265).

Assim a vida moral é guiada pela gratuidade, como ensinava o papa Leão Magno: “Para quem ama a Deus, basta-lhe agradar aquele que ama, uma vez que não se deve procurar qualquer outra recompensa maior do que o próprio amor; a caridade, de fato, provém de Deus de um modo tal que o próprio Deus é a caridade” (Apud João Paulo II, 1993, p.21).

Trata-se de cumprir toda justiça a plenitude da lei que o Jovem dizia ter guardado, mas lhe faltava algo mais, a abertura plena à graça que é vida no Espírito da Lei. Segundo Paulo Cristo nos libertou da lei do pecado e da morte (Rm 8,2) Por isso a lei tinha função pedagógica (Gl 3,24) em vista de conduzir da vida em Cristo.

No comentário de João Paulo II à história do Jovem rico (1993,n.23) entende-se o olhar amoroso de Jesus ao ver a boa vontade deste homem que busca “algo mais”. No coração dele “há um apelo ao Bem absoluto que atrai. É o eco de uma vocação de Deus” (n.7). “Ao chamar o jovem para seguir pelo caminho da perfeição, Jesus pede-lhe para ser perfeito no mandamento do amor para inserir-se no movimento da sua doação total, para reviver o próprio amor do Mestre “bom”, daquele que amou até o fim” (João Paulo II, 1993, n.20). A observância dos mandamentos embora necessária, não é tudo, pede-se   adesão total e seguimento de Jesus. É o encontro com Jesus e adesão à sua pessoa que torna vocacionado capaz de um ato livre para amar de todo coração, distribuir os bens aos pobres e seguir o mestre. Segundo SPINETOLI (1977, p.474) a primeira vista parece que Jesus faz da renúncia dos bens materiais o supremo grau de perfeição. Porém a perfeição que Jesus propõe não é a espoliação dos bens materiais. A renúncia proposta é um meio para fazer acontecer a perfeição. Ésta perfeição que Jesus propõe consiste no amor a Deus e ao próximo de todo coração (Mt 5,43-48; 19,18-19) como foi recordado nos mandamentos (Mt 19,18-19). DELORME (1982, p.106) destaca que ao narrarem esta história, os cristãos descobriram que a condição de discípulo supõe que ele não seja guiado unicamente pela lei. A Lei o homem rico a cumpre mas falta-lhe seguir Jesus. Jesus o ama, o chama, e põe uma condição prévia que é a renúncia de si mesmo, dos bens que impediam o amor a Deus de todo coração (cf. Dt 6,4-7).

 

 

Observância plena dos mandamentos

 

Os mandamentos enumerados seja em Mc como em Mt são os mandamentos com implicações sociais, relativos ao amor ao próximo. É nesse campo das relações com o próximo que o rico tem ocasião de falhar devido à ganância de possuir. O homem afirma que tem guardado todos esses mandamentos (Mt 19,18-19; Ex 20,1-17). No espírito do sermão da Montanha, o amor leva a plena observância da lei, isto é a  observá-la na forma positiva:

Não matar (é preciso defender e promover a vida)

Não cometer adultério (É preciso viver uma única aliança)

Não roubar ( E preciso defender o que é do direito do outro)

Não levantar falso testemunho (É proclamar a verdade e a justiça)

Honrar Pai e Mãe (Respeitar o passado e assumir o presente e cuidar da vida e dignidade do pai e da mãe) (MAZZAROLO, 2005, p.285)

Mateus acrescenta o mandamento do amor ao próximo que não se encontra no decálogo mas em Lv 19,18. Também no sermão da montanha, o mandamento do amor conclui a série de antíteses onde Jesus propõe e reinterpreta os mandamentos para propor uma justiça superior, sem a qual os discípulos não podem entrar no reino dos céus (Mt 5,20.43) (cf.FABRIS, p.414-415). A culminância está no amor aos inimigos e na oração pelos que perseguem (Mt 5,44). Desse modo seremos filhos do Pai celeste que faz nascer o sol e cair a chuva tanto para os justos como para os injustos (Mt 5,45). Portanto a gratuidade e perfeição do Pai celeste se revela no amor pleno tanto a Deus como ao próximo: “Sede Perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”(Mt 5,48). Portanto a lei deve ser observada positivamente. Nesse sentido Mazzarolo (p.285) comenta: “Portanto não basta não fazer o que convencionalmente é errado, e inicia com o advérbio “Não...”. Há pessoas que não matam, mas condenam todas as situações de solidariedade, de socorro, de salvamento; há pessoas que não traem sexualmente no casamento mas adulteram a vida em todos os seus parâmetros; há pessoas que não roubam, mas exploram os salários, alteram preços, corrompem as leis e os legisladores”. Há aqueles que “ao mal chamam bem e o bem chamam mal” (Is 5,20). Não basta observar as leis proibitivas: Eu não faço isso, não faço aquilo. A vida se faz também com o sim à justiça, sim à partilha, sim à ao compromisso.

Por parte do jovem rico há uma falha na raiz do mandamento principal que é o amor. Não seria uma falha apenas no décimo mandamento “não cobiçar” porque não foi citado na resposta de Jesus em Mt 19,18-19, como interpreta TASKER (1980, p.149); mas falha na observância e obediência ativa ao mandamento do amor ao próximo que provavelmente fora acrescentado por Mateus para reforçar as exigências. Tanto Mateus como João apresentam o amor fraterno como igual ao amor do Pai (Mt 5,48; 22,37-40; Jo 13,34-35). O amor ao próximo é a primeira expressão do amor a Deus (cf. SPINETOLI, 1977, p.475). “O amor é a plenitude da lei” (Rm 13,10) Quem ama o próximo cumpre a lei, vence a cobiça, é capaz de ser solidário e partilhar.

 

           

 

 

A vocação a perfeição  “Se queres ser perfeito” (Mt 19,21)

                    

Segundo Pedro Fernandez (Dicionário Teológico da Vida Consagrada, 1994, p.264) em Mt 19,20-21 (par. Mc 10,21) Jesus propõe a perfeição cristã, um novo modo de viver o amor de Deus. “Vai vende o que tens e dá aos pobres”. As posses e a cobiça tomam conta do coração e impedem o amor pleno. Assim o que falta ao Jovem para ser perfeito: “é amar a Deus sobre todos os bens e sobre todo outro amor”. No contexto de Mt 19 Jesus aparece como o novo Moisés, promulgando a nova Lei e recorda os preceitos referidos ao próximo. Ele explicita nas palavras “agora eu vos digo” novo meio que conduz melhor a perfeição que é a caridade. Trata-se de um caminho, nem fácil, nem impossível, mas praticável para quem recebeu o dom do Senhor. O Jovem rico nesse caso ainda não entrou no nível evangélico. O autor conclui que “certamente Jesus propõe estes conselhos a todos e a todos os obriga em conformidade com suas vocações diversas, de modo que uns os tomam como forma de vida e outros como disposições do coração e como exigência concreta em caso de necessidade. Ao Jovem rico foi pedido o abandono dos bens e doação aos pobres pois foi uma exigência para ganhar a vida eterna.  A Zaqueu a exigência, decorreu da consciência de também doar os bens aos pobres mediante a promessa: “eis dou a metade dos meus bens aos pobres”(Lc 19,8).

Portanto os conselhos para buscar a perfeição são propostos a todo cristão na disposição do coração em vista da salvação. No caso as pessoas que optam pela vida consagrada receberam de Deus o carisma vocacional de seguir Jesus de um modo especial mediante a renúncia da posse para amar a Deus de modo pleno. Em Paulo aparece o vocabulário “preceito” e “conselho” (1Cor 7,25). Porém o sentido da diferença não está na obrigatoriedade ou não do conselho, mas no carisma recebido de Deus para viver esta forma de vida (1 Cor 7,17). A mensagem do sermão da montanha supera a diferença entre conselho e preceito ao manifestar as exigências da nova lei evangélica: que é viver a nova justiça do reino. No caso do Jovem rico a exigência da renúncia dos bens é necessária para entrar na vida e ter um tesouro no céu.

Em Marcos, é mais fácil supor que Jesus tenha apresentado dois modos de fazer a vontade de Deus, uma obrigatória que é a observância dos mandamentos e a outra que responde ao convite especial de seguir Cristo. Porém também em Marcos a renúncia aos bens é necessária para a salvação como indica Mc 10,23-27 (J.Galot, in Gregorianum 1975, apud SABOURIN vol.II, 1977, p.839, nota 19). Esta posição é criticada por alguns autores. Para Ulrich Luz (2003, p.164), a tentativa de entender Mt 19,21 como “conselho”, ou como uma obra que vai além do dever, aparece a luz de Mateus como uma diminuição da Lei, uma adaptação. Esta doutrina é clara no sermão da motanha “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Não se pode servir a dois Senhores (Mt 6,24)  pois “onde está o teu tesouro aí estará o teu coração” (Mt 6,21). Para aqueles que querem salvar-se e escolher a porta estreita a renúncia aos bens não é facultativa assim como não é facultativo o seguimento e o amor aos inimigos. SABOURIN (1977, p.840) julga difícilmente compreensível nos preceitos uma distinção entre dois caminhos, dos preceitos e conselhos, pois “o caminho do amor conduz a todas as formas de perfeição. O caminho por excelência é o amor e mesmo a distribuição dos bens aos pobres, por si é pouco em relação ao amor (1 Cor 13,3)”. Só Deus é o Sumo Bem, a plenitude do bem (S.Francisco de Assis). As pessoas tem experiência da graça de Deus, na gratuidade das pessoas em doar-se e ajudar o próximo. A graça se faz visível na caridade que por sua vez cobre uma multidão de pecados (cf.1 Pd 4,8).

 

 Ser discípulo e buscar a perfeição

 

O crescimento da perfeição no seguimento revela o discípulo fiel. Segundo João no amor todos são reconhecidos como discípulos de Cristo (Jo 13,35). Assim “sede perfeitos” (Mt 5,48), corresponde a “sede misericordiosos” (Lc 6,36) na prática do mandamento do amor. Os comentários de Ulrich Luz e Leopold Sabourin desenvolveram com propriedade a temática da perfeição no contexto de Mateus no sermão da Montanha. É a luz de Mt 5-7 que se deve interpretar o alcance teológico de teleios com a proposta “se queres ser perfeito” (Mt 19,21)

A perfeição é tema fundamental em Mateus. Ela não se refere como entre os gregos, a uma perfeição orientada no sentido de conhecimento verdadeiro e virtude verdadeira. Na tradição bíblica Tamim, traduzido para o grego Teleios, se encontra a primeira vez em Mt 5,48 “Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celeste” Pela forma se assemelha a Lv 19,2 “Sede santos porque eu o Senhor vosso Deus sou santo” ou melhor a Dt 18,13 “Tu serás íntegro (tamim) com o Senhor teu Deus”. O termo designa obediência íntegra e total a Deus. Assim, segundo Ulrich Luz, a perfeição em Mateus deve entender-se no sentido qualitativo e não quantitativo. Nessa reflexão perfeito não é quem percorre um caminho que conduz a perfeição, mas quem segue Jesus. Este autor destaca três aspectos da perfeição em Mateus

a) A perfeição introduz um momento qualitativo implícito no amor perfeito, na linha do amor aos inimigos e amor ao próximo como exigência ilimitada (Mt 5,43-48). A perfeição consiste então no amor.

b) A perfeição deve ser entendida no sentido quantitativo, pois inclui colocar-se a caminho, dar passos, superar. Este é o significado em Mt 5,20, “superar a justiça dos escribas e fariseus”.

c) A perfeição pertence finalmente a adesão a Jesus, expressa no convite “segue-me” (Mt 4,18-22). Portanto em Mateus a perfeição é o seguimento, não reservado a poucos cristãos especiais, mas é sinal da identidade da condição cristã e culminância da justiça daquele que veio cumprir a lei e os profetas (Mt 5,17) (cf. LUZ, 2003, p.163-164)

 

 A primeira vista Mateus distingue dois graus na vida cristã: o caminho dos preceitos (mandamentos) e o caminho dos conselhos (perfeição). Porém mediante um exame mais detalhado, para Mateus o único caminho da salvação é o discipulado. L.SABOURIN (1976, vol I, p.128) fundamenta observando a mudança em Mt 19,17, onde Jesus disse “se queres entrar na vida observa os mandamentos”. A primeira parte desta afirmação tem seu paralelo em Mt 19,21 “se queres ser perfeito”. Além do mais, o acréscimo de “ama do teu próximo como a ti mesmo” (Mt 19,20), forma o compêndio do comportamento do discípulo em relação a seus companheiros. A regra de ouro formulada de forma positiva pode servir de guia para saber como comportar-se em relação aos companheiros: “Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles, pois esta é a Lei e os Profetas” (Mt 7,12). Em síntese o mandamento do amor a Deus e amor ao próximo são o maior mandamento. Dele dependem toda a Lei e os Profetas (Mt 22,40) (cf. SABOURIN, vol I, p.125).

 

Partilhar e ser discípulo: “... dá aos pobres, segue-me”

 

Na ordem de Jesus em Mt 19,21 aparecem quatro verbos no imperativo: “vai”  “vende”, “dá aos pobres”, “segue-me” que  colocam as condições para o caminho da perfeição e do discipulado. Warren Carter (2002, p.489) comenta esses passos. A ordem inicial “vai” expressa autoridade de Jesus, sobre o poder do mal, a enfermidade, a desavença. Se o jovem obedecer efetuará a cura da enfermidade da obsessão pela riqueza. Realizará um ato de reconciliação social com os pobres, num sistema injusto e opressor.

Portanto vender as propriedades sugere que as posses sejam  problema grave para esse homem, pois estava em jogo a própria salvação. Ele se deixou escravizar pela riqueza.

Dar aos pobres é um ato de gratuidade (Mt 4,42a) sem esperar nada em troca. Dar aos pobres aqui é um presente. É bem mais que dar esmola que já era considerada uma obra justa, mas feita por interesse de auto-promoção (Mt 6,1-4). Carter comenta que a ordem de distribuir os bens aos pobres é um ato de restituição justa das riquezas concentradas nas mãos de poucos e conseguidos à custa dos pobres. Este é um ato semelhante ao que prometeu Zaqueu: “darei a metade dos meus bens aos pobres e se defraudei alguém pagarei quatro vezes mais”(Lc 19,8). A esse respeito João Crisóstomo (350-407) ao comentar Mt 19,21 coloca a pobreza à luz do Evangelho: “Não basta desprezar as riquezas, mas é necessário ajudar a dar de comer os pobres, mas sobretudo é necessário seguir Cristo” (Apud Dicionário de Espiritualidade, p.951)

Com a ordem ao jovem rico Jesus confronta práticas elitistas que comparavam riqueza com virtude e voltavam as costas aos mendigos e sujos e menosprezavam o pobre como sujeira...escória (cf. CARTER, 2002, p. 490). São eles infelizes que necessitam de ajuda material. Na sinagoga de Nazaré Jesus vem realizar a esperança dos pobres, suscitadas e alimentadas pelos profetas durante séculos (Is 61,1-2). Jesus opõe-se a mentalidade dominante que considerava a riqueza como bênção e sinal automático do favor divino (Dt 8,11-20; 28,11), e proclama as bem-aventuranças aos pobres porque deles é o reino dos céus (cf. Mt 5,3).  

Como os judeus consideravam a riqueza uma espécie de virtude e sinal de bênção, não é de se surpreender com o espanto dos discípulos diante da advertência de que é difícil um rico entrar no reino dos céus: “Quem poderá então salvar-se” (Mt 19,25) (cf. TASKER, 1980, p.150). Jesus acrescenta que por meio da graça de Deus todas as coisas são possíveis (cf. Gn 18,14; Lc 1,37), até mesmo um rico tocado pela graça, e tendo aceito o chamado a conversão poderá salvar-se. Jesus havia feito o convite “depois vem e segue-me” (Mt 19,21). O Jovem rico ouviu a palavra, mas a riqueza a sufocou (Mt 13,22) Ele é um homem rico definido por sua riqueza, e não por seguir Jesus”. (CARTER, 2002, p. 490). Foi uma vocação que não obteve sucesso. 

 

Promessa de recompensa: “tesouro nos céus”

 

Quem trabalhou em vista de angariar tesouro que nem a traça nem a ferrugem corroem, receberá essa recompensa superior, incomparável nos céus e mais o bem estar nesta terra. Os discípulos após o encontro com o Jovem rico e advertência sobre a riqueza levantam uma dúvida. É Pedro que toma a palavra: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos, o que é que vamos receber”? (Mt 19,27). Jesus responde, ao que tiver deixado família, bens, por causa do seu nome, “receberá muito mais e herdará a vida eterna” (Mt 19,29). A promessa de Jesus é recompensa no reino e bem estar nesta vida.  De fato se todos partilham os bens, renunciando acumular para si, mas colocar a serviço, ninguém sofrerá necessidade. Os primeiros cristãos porque colocavam os bens em comum não havia necessitado entre eles (cf. At 4,34-35). A vida comum numa família numerosa onde alguns trabalham e repartem as despesas e acodem as necessidades de todos, resulta em benefício para toda família. É a união de todos e a participação que suprirá as necessidades. De forma mais concreta ocorre nas comunidades de pessoas, que optam por uma vida comum como são os consagrados e consagradas. Nesse caso sua “pobreza evangélica”, na qual os bens são colocados a serviço de todos, resulta em riqueza para todos. Este é um tesouro que não perece. Toda confiança é colocada em Deus, a suprema riqueza. Assim no projeto de Deus não haverá nem indigentes, nem ricos, mas comunidade sem exclusão. João Paulo II, na exortação Vita Consecrata (1996, p.176) fala da pobreza evangélica vivida sob diversas formas pelos religiosos: “É uma resposta ao materialismo ávido de riqueza, sem atenção às exigências e sofrimentos dos mais fracos”. “Antes de ser um serviço a pobreza é um valor enquanto faz lembrar a primeira bem aventurança na imitação do Cristo pobre” (p.177). O exemplo de tantas pessoas que consagram suas vidas em ações humanitárias, suscita na consciência do povo, o desejo de responder com mais generosidade ao amor de Deus derramado em nossos corações (Rm 5,5) (cf. p.63)

O livro do Deuteronômio exorta a observar os mandamentos, especialmente na fartura, lembrem-se “Não só de pão vive o homem mas também de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3; Mt 4,4). Jesus retoma este ensinamento que tem razão de ser na  existência da exclusão social, injustiças, exploração sobre os mais fracos que resulta no acúmulo dos bens nas mãos de poucos. Esta situação é sinal de quebra do mandamento principal e dos mandamentos relacionados com o próximo. Ao jovem rico foi lembrado os mandamentos relacionados a convivência social, porque é ali que o pecado da cobiça provoca os maiores danos e a riqueza se transforma em maldição. Quando ao patriarca Abraão foi prometido terra, descendência numerosa, também foi-lhe pedido para ser uma bênção (cf. Gn 12,1-3). Nesse sentido ser rico para Deus, é ser instrumento de bênção para o próximo. Assim, com razão o Deuteronômio relata que “não haverá nenhum pobre porque o Senhor vai abençoar-te” (Dt 15,4). Entende-se que não haverá pessoas sofrendo necessidades básicas enquanto acontecer a bênção da partilha. Porém o texto volta a dizer que “sempre haverá pobres”, em alguns lugares mais, em outros menos. Por isso a exortação da ajuda para abrir a mão e não negar auxílio aos pobres continua válida (cf. Dt 15,7-8). A vocação ao discipulado está relacionada à observância mais plena dos mandamentos e a perfeição na vivência das bem aventuranças (Mt 5,3-12). O sonho de muitos é também sonho de Deus, que o “tesouro nos céus”, a realidade escatológica do reino futuro, possa acontecer, ao menos em parte, na experiência fraterna: “é bom estarmos aqui”(Mc 9,5). Ésta é a meta do discipulado na sua dimensão de serviço no amor.

 

Considerações finais

 

 A vocação é um chamado que requer a ajuda da graça divina, pois muitos são chamados e poucos os escolhidos. A resposta ao chamado, dada com toda liberdade no seguimento de Jesus, caracteriza o relato de vocação. Nesse caso não houve resposta, porque a proposta de Jesus mexeu com sua condição humana, cujo sentido estava na posse e usufruto das suas propriedades. Hendriksen (2000, p.318) comenta “Ele as possuía; elas o possuíam, tinham se apoderado firmemente dele”. Justamente por isso o jovem partiu entristecido.

 

            No mandamento principal do amor está toda a Lei e os Profetas. E o desapego dos bens é meio para amar a Deus de todo o coração. Ninguém poderá servir a Deus e ao Dinheiro, se o dinheiro é o tesouro onde o coração está preso. O motivo do fracasso da vocação do jovem está na falta de amor, na observância do mandamento principal que abarca toda a Lei. Com efeito “o mandamento do amor não se encontra no mesmo plano que os outros preceitos perdido entre outras normas. Se um preceito não é deduzido do amor ou vai contra o amor, torna-se vazio de sentido” (PAGOLA, 2010, p.306). Portanto a falha não se restringe a observância de um ou outro mandamento que não foi citado na resposta de Jesus, mas na falta de assimilação do espírito da lei que é o amor na linha da observância positiva. Trata-se da falha na observância da Lei e dos Profetas. No contexto do sermão do monte Jesus não veio acrescentar e nem agregar algo, mas dar pleno cumprimento (cf. Mt 5,17)

 

Buscar a perfeição em Mt é entrar nesse espírito da nova lei. A observância dos mandamentos, na sua forma plena, positiva, é um passo à perfeição. A perfeição que Jesus propõe é paralela à observância do mandamento em vista de ganhar a vida eterna. O chamado é para todos e a vocação a santidade é a mesma, depende da resposta e na medida do acolhimento das exigências de Jesus. Assim os perfeitos por causa da renúncia não seria um grupo que obteria uma um grau de perfeição especial ou uma recompensa especial. Os perfeitos são aqueles que prestam uma obediência íntegra e indivisa a Deus por amor. Segundo U. LUZ, (2003, p.165), “na comunidade de Mateus nem todos eram radicais itinerantes, os membros sedentários  que davam hospitalidade aos pobres eram a maioria (Mt 10,40-42)”. Mateus sabe que não pode converter toda a comunidade em radicais itinerantes, o chamado a renúncia dos bens, no entanto é um convite ao cumprimento perfeito e ao discipulado.

 

A ordem: “vai vende tudo o que tens e dá aos pobres e depois segue-me” são condições colocadas ao jovem rico por causa da gravidade de seu apego aos bens que colocava em risco a própria salvação. Àqueles que renunciaram Ns membros da vida religiosa.igos, pais de famuem uma forma de vida ei, para viver na liberdadea própria família e os bens para seguir Jesus é prometido a vida eterna e muito mais nesta vida. Assim quem segue a pobreza evangélica especialmente as pessoas que fazem os votos religiosos na Igreja, colocam seus bens a serviço da comunidade. O desapego e partilha dos bens na vida comunitária é vivência do amor aos irmãos e sinal do verdadeiro discipulado. Onde há partilha não haverá necessitado.  Assim se constrói o ideal cristianismo descrito nos Atos: Os cristãos tinham tudo em comum, repartiam o pão pelas casas, e não havia necessitado entre eles (At 2,42-47). TILLARD (1975, p.102) falava das pessoas consagradas que “seguem uma forma de vida mais radical são motivados por uma gratuidade humana movida não apenas pelo desejo de salvação individual mas pela adesão completa no seguimento a Cristo” Esse ideal perseguido por grupos mais radicais de voltar às origens do cristianismo, deu vivacidade à Igreja. Não há ideal superior à caridade perfeita e esta perfeição é buscada tanto na vida dos leigos, pais de família, como nos membros da vida consagrada. “Quando Antão, Basilio, Agostinho, Bento começam seu novo gênero de vida desejam cumprir o evangelho, para o qual não conhecem mais do que um caminho. Não tinham consciência de ser superiores aos demais, mas de estar vivendo todo o evangelho” (Dicionário Teológico da vida consagrada, p.265).

 

 

REFERÊNCIAS

 

CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil) Caminhamos na Estrada de Jesus. O Evangelho de Marcos. São Paulo: Paulus, 1997

CARTER, Warren. O Evangelho de São Mateus. Comentário sócio-político e religioso a partir das margens. São Paulo: Paulus, 2002

DELORME, Jean. Leitura do Evangelho segundo Marcos. São Paulo: Paulinas, 1982

DIAS DA SILVA, Cássio Murilo. Leia a Bíblia como literatura. São Paulo: Loyola, 2007

FIORES, Stefano; GOFFI, Tullo (organizadores). Dicionário de Espiritualidade. São Paulo: Paulinas, 1989.

GRASSO, Santi. Luca. Roma: Edizioni Borla, 1999

HENDRIKSEN, William. Mateus. Volume 2. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.

JOÃO PAULO II. O Esplendor da Verdade. Carta Encíclica. São Paulo: Paulinas, 1993

JOÃO PAULO II. Vita Consecrata. Exortação Apostólica Pós-Sinodal. São Paulo: Paulinas, 2004.

LUZ, Ulrich. El Evangelio Según San Mateo Mt 18—25. Volume III. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2003.

MAZZAROLO, Isidoro. Evangelho de São Mateus. Porto Alegre, 2005.

METZGER, Bruce M. et alii. A textual commentary on The Greek New Testament. Corrected Edition. Stuttgart: United Bible Societies, 1985.

NESTLE-ALAND. Nuovo Testamento Greco-Italiano a cura di Bruno Corsani e Carlo Buzzetti. Texto Greco XXVII Edizione. Societá Bíblica Britannica & Forestiera: Roma, 1996.

PAGOLA, José Antonio. Jesus. Aproximação histórica. Petrópolis: Editora Vozes, 2010

RODRIGUES, Angel Aparício; CASAS, Joan Canals (Dir) Dicionário Teológico da Vida Consagrada. São Paulo: Paulus, 1994.

SABOURIN, Leopold. Il vangelo di Matteo: Teologia e Exegesi, volume primo. Marino: Edizioni Paoline, 1976.

SABOURIN, Leopold. Il vangelo di Matteo: Teologia e Esegesi, volume secondo (7,28 a 28,20). Marino: Edizioni Paoline, 1977.

SPINETOLI, Ortensio da. Matteo. Assisi: Citadella editrice, 1978

TILLARD, J. M. R. Diante de Deus e para os homens. São Paulo: Edições Loyola, 1975.

TASKER, R.V.G. Mateus: Introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1980

 

 

 

 

[1] Tradução do Texto Grego, segundo a  vigésima sétima edição de  Nestle Aland.

[2] Segundo METZGER (1971, p.49) copistas provavelmente acrescentaram a palavra “agathe” (bom) depois de “didáskalos” (mestre) que se encontra nos paralelos de Mc 10,17; Lc 18,18. O texto de Mateus, embora apresente certo grau de dúvida é documentado em códices melhores e mais antigos, por exemplo: Sinaítico, Vaticano (séc.IV) Bezae (séc. V/VI) Paris: Regius (séc. VIII). Assim pode ser omitido “bom”. Porém o apelativo “Bom Mestre” nos paralelos de Mc e Lc se encaixa em  vista do diálogo afirmando que Deus somente é bom.

[3] Alguns manuscritos propõem modificação para: “tí me legeis agathon? Oudeis agathos ei me eis o Theos” (porque me dizes bom? Ninguém é bom senão um: Deus). Dentre eles: C-Efraim rescrito ( séc.V), W. Washington: Freer Gospels (séc. V) a Família 13 de manuscritos,  o minúsculo 33. Mas o texto se encontra em bons e antigos códices: Sinaítico, Vaticano (séc.IV), Paris: Regius (séc.VIII), Tiflis: Koridethi (séc.IX). Além do mais  o texto de Mateus diferente de Mc e Lc, combina com  sua teologia, ao direcionar o assunto para  o “bem” que o jovem deve fazer para ser perfeito e seguir Jesus.

[4] Vários testemunhos preferiram explicitar melhor o texto acrescentando o pronome demonstrativo: touton (esta). Assim “esta palavra” ficaria mais claro. A modificação não incide no sentido do texto. “Ton Logon” se acha bem testemunhada. Alguns poucos testemunhos chegam até a omitir a inteira expressão.

A versão da conferência dos Bispos da Itália traduz: “Udito questo, il giovane se ne andò triste” (Ouvindo isto, o jovem se foi entristecido)

[5] O códice B, Vaticano (IV séc.) propõe kremata póla (“muitos bens”) o texto de Mateus ktemata póla (muitas propriedades) tem sentido mais amplo de posses que incluem bens imóveis, propriedades. Além disso combina com o paralelo de Marcos que é sua fonte.

Sobre o autor
Frei Vicente Artuso

Doutor em Teologia pela PUC-Rio na área de concentração em Teologia Bíblica, Mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Licenciado em Filosofia e Bacharel em Teologia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), professor de Sagrada Escritura e línguas bíblicas em Curitiba, PR- Brasil, e-mail: [email protected]