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Santa Clara: uma regra feminina

Publicado por Frei Rafael Batista | 10/08/2020 - 20:50

Peça de extrema importância para o movimento franciscano, Clara nasceu em Assis no ano de 1193, filha de uma família do alto escalão daquela sociedade. Tendo conhecido a forma de vida que Francisco de Assis propunha, renunciou à nobreza e à riqueza para viver pobre e humilde.

No ano de 1211, em um Domingo de Ramos, Clara tem seus cabelos cortados e vestiu o hábito da penitência. O próprio Francisco a acolheu na nova forma de vida. Desse modo, a jovem de Assis se consagrou a Deus, tornando-se esposa do Cristo pobre, humilde e crucificado.

Tal despojamento teve a sua repercussão e, logo, outras jovens queriam para si a mesma forma de vida que era abraçada por Clara. Hoje, mais de 800 anos depois, o movimento ainda é continuado e há quem deseje viver o carisma iniciado por Santa Clara.

A escrita da Regra

É bem verdade que a história da Regra de Santa Clara para a nascente Ordem das Irmãs Pobres, começa antes de ter o documento oficial redigido e aprovado pelo Papa. São Francisco, antes disso, deixou por escrito algumas orientações para Clara de Assis e suas primeiras irmãs. Apesar de não terem o desejo de fundar um movimento tão grande, a intuição dos Santos de Assis nasce de um mesmo fundamento.

A história nos diz que no ano de 1215, em Obediência ao Concílio de Latrão, Santa Clara e suas irmãs tiveram que abraçar a Regra de São Bento. Entre as ordenações do referido Concílio estava a de que os novos institutos religiosos adotassem regras que já existiam anteriormente.

No entanto, em 1216, Clara de Assis consegue do Papa Inocêncio III o “Privilégio da Pobreza”. Um comportamento diferente dos mosteiros daquela época que eram donos de grandes propriedades. Clara e suas irmãs não querem ter posse de nada, nem individualmente, nem enquanto instituição.

Ao que tudo indica, aqui temos os primeiros indícios de que uma nova regra para a vida contemplativa estava nascendo. Mas, diferente das regras anteriores, esta é aquela que os historiadores católicos consideram como a primeira regra de vida escrita por uma mulher.

Um questionamento importante deve ser considerado aqui: por que Clara de Assis e suas irmãs não se contentaram com uma das regras já existentes? A explicação é simples e atual: uma resposta verdadeira ao desejo inicial de Francisco, que era viver segundo a fórmula do Santo Evangelho, não pode ser dada com base em iniciativas que já eram comuns naquele e nestes tempos.

Mesmo sendo ela a autora principal da regra, é importante ressaltar que notoriamente Clara não escreveu sozinha a sua própria regra. Como ela mesma gostava de se considerar, a “plantinha de São Francisco” (Testamento de Santa Clara 37) levou em consideração tudo que ouviu e aprendeu do Santo Pai.

No início da Regra, Clara deixa explícitas as intuições do próprio Francisco:

A forma de vida da Ordem das Irmãs Pobres, que o bem-aventurado Francisco instituiu é esta: Observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada de próprio e em castidade. (Forma de Vida de Santa Clara 1-2).

 

Várias outras vezes o texto da regra faz menção a São Francisco e a fragmentos de seus escritos. Mesmo sendo redigida oficialmente após a morte de Francisco, a influência dele no projeto de Clara é evidente.

Apesar de entrar em contradição com a proposta monástica de seu época, a escrita da regra para as Clarissas demonstra uma profunda comunhão, reverência e zelo pela comunidade religiosa daquele tempo, que tem continuidade nos dias de hoje.  Sua sabedoria e abertura aos apelos de seu tempo fez com que Clara conformasse a novidade da Regra dos Frades Menores, mesmo com suas austeridades, para um melhor ajuste à experiência feminina e contemplativa.

Uma dimensão peculiar da regra de Santa Clara a difere dos frades. Entre as irmãs pobres temos um valor ainda maior na vida de fraternidade. Em alguns aspectos todas as irmãs do mosteiro precisam dar seu parecer: como nos trabalhos e na recepção de novas irmãs.

A vida das monjas dentro do convento não deixa que elas estejam alheias a realidade externa. Já naquela época elas sabiam dos fatos mais importantes que aconteciam em Assis e intercediam pelo bem povo. Além disso, apesar o caráter monacal, contavam com irmãs externas que serviam os pobres.

A ousadia de Clara de Assis fez com que sua regra apresentasse uma grande novidade para a vida religiosa da sua época. Assim como o movimento dos Frades Menores, era uma resposta às urgências daquela época.

Os desafios de uma nova regra

Em sua Última vontade escrita para Santa Clara, São Francisco deixa um desejo profético: “E estai muito atentas para, de maneira alguma, nunca vos afastardes dela por doutrina ou conselho de alguém” (UV 3). Conhecendo a sociedade de seu tempo, era como se Francisco as preparasse para os desafios que poderiam vir.

Não foi fácil ter essa regra aprovada, por motivos óbvios.  As primeiras orientações para a vida das Irmãs Pobres vieram do próprio Papa, neste caso, Gregório IX. Só depois de muita persistência, o Papa Inocêncio IV a aprovou no dia 9 de agosto de 1253, dois dias antes da morte de Santa Clara.

O fato de ser considerada a primeira mulher a escrever uma regra de vida é um evento de grande relevância não só para a Igreja, tampouco apenas para o movimento franciscano. Clara é um marco para seu tempo, modelo de coragem e despojamento.

Ainda hoje ousamos acreditar nos ideais dos Santos de Assis e sabemos da importância de Santa Clara para esta comunidade.
 

Sobre o autor
Frei Rafael Batista

Frei Rafael Batista é Jornalista e estudante de Filosofia.

Fez sua Profissão Simples no dia 17 de julho de 2020, na Paróquia Santo Antônio de Hidrolândia (GO).

Atualmente responde pela Comunicação na Província do Brasil Central.