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Formação Religiosa Franciscana a partir das Admoestações de São Francisco de Assis

Publicado por Frei Edson Matias | 13/12/2017 - 10:35

Introdução

Nos estudos e reflexões inicias para Vida Religiosa e Franciscana normalmente encontramos comentários a Legenda dos Três Companheiros e ao Testamento de São Francisco. A Regra Bulada e a Não Bulada estão mais reservadas ao Noviciado, momento que se aprofunda na Espiritualidade em vista aos votos religiosos.

Ao lermos e refletirmos as Admoestações de São Francisco, observamos que outra possibilidade de reflexão pode ser apresentada, sendo subsídio auxiliar a formação inicial dos primeiros anos. Dessa maneira, nos pareceu significativo nos Escritos do santo, comentar as Admoestações numa perspectiva pedagógico-formativa.

Logo, nosso trabalho vai em direção à formação religiosa inicial. Principalmente para franciscanos que estão nos primeiros anos, podendo ser apresentado também à Ordem Franciscana Secular e comunidades que assumiram a espiritualidade franciscana como modo de ser.

Nossa ideia é que as Admoestações de São Francisco contém e apresenta (‘garimpada’ cuidadosamente) uma rica metodologia de um itinerário, presente de forma ‘salpicada’ em cada uma das 28 admoestações. Nosso trabalho/atenção é afinar o olhar e colher e perceber essa fonte, ‘estruturando-a’ de forma pedagógico-formativa. Que o Espirito de Deus nos ajude nessa caminhada. Amém.

2 Admoestação 2: Do mal da própria vontade

2.1 O conhecimento do mal da própria vontade como processo libertador nos primeiros passos na Vida Religiosa e Franciscana.

Disse o Senhor a Adão: Come de toda árvore; da árvore da ciência do bem e do mal, porém, não comas. Podia, pois, comer de toda árvore do paraíso, porque, enquanto nada fazia contra a obediência, não pecava. Come, pois, da árvore da ciências do bem aquele que se apropria de sua vontade e se exalta pelos bens que o Senhor dia e opera nele. E assim, por sugestão do diabo e transgressão do mandato, fez-se o pomo da ciência do mal. Por isso, importa que sustente a pena (Ad. 2).

O título proposto para nós nessa segunda Admoestação já pode causar estranheza. Hoje temos por demais uma exacerbada sensibilidade. Normalmente podemos chamar de ‘melindres’. Pois, chamar de ‘sensibilidade’ poderia prejudicar o sentido dessa palavra e da aceitação dos bons sentimentos.

Todos devemos ter sensibilidade, mas não melindres. Falar do ‘mal’ da própria vontade pode não nos agradar. Isso pode ser devido a nossa formação religiosa inicial na catequese, concepções imaturas e errôneas sobre a prática religiosa. Muitas das vezes, ouvimos dos catequistas e de líderes, pregações que não tocam muito nosso orgulho. Não por maldade desses, mas por desconhecimento próprio, projetam nos outros ou na figura do diabo, o egoísmo.

Porém a situação pode ser ainda mais delicada, quando essa mentalidade adentra na Formação da Vida Religiosa Consagrada. Aquilo que o Papa Francisco falou na conversa com os dirigentes do CELAM, na sua visita ao Brasil, na oportunidade da Jornada Mundial da Juventude/2013, e quando tratou das tentações, destacando o psicologismo. Segundo ele, Grupos, movimentos e congregações, muitas vezes buscam mais em técnicas da psicologia do que no Evangelho, aquilo que possa incentivar e dirigir os retiros e formação. Analisando bem, a partir da fala do Pontífice, o que se passa nesse caso é uma espiritualidade egoica, fundada no ego, do meu bem querem, do agradável para mim.

Tudo isso, mais presente ou menos, pode ter chegado até nós. Dessa forma, podemos carregar uma resistência à ideia de um ‘mal’ em nós mesmos. Aqui devemos deixar toda nossa ‘imaturidade’ espiritual, achando que rezando, participando da Igreja e da Vida Religiosa Consagrada, estamos livres de tentações (meus próprios desejos e tendências) e me tornei um santo (concepção usual do termo). Não! Nada disso. Agora na caminhada inicial Franciscana, vamos tomando consciência dos nossos dons e também das limitações, ou seja, do ‘mal’ da própria vontade. Isso deve aos poucos ficar claro para o candidato à Vida Religiosa Consagrada. O Estudo do Catecismo da Igreja Católica, onde trata sobre o ‘pecado original’, o ‘mistério da iniquidade’, pode ser um bom auxilio neste processo e principalmente no convívio fraterno, ligando sempre vida de oração com as relações fraternas.

Talvez seja necessário refletir sobre isso muitas vezes. E devemos ficar livre da mentalidade psicologista e melindrosa onde se evita meditar sobre nossas más tendências. Não há dúvidas que também temos dons e esses somente por graça de Deus, dom gratuito de sua misericórdia, porém não podemos pensar que não existem sombras advindas de nosso egoísmo.

Fechar os olhos para nosso orgulho é construir um ‘castelo de cristal’. Sim, temos em nós o ‘homem velho’. Somos batizados, confirmados para que, tendo morrido com Cristo, ressuscitemos constantemente com Ele. É um continuo. Sempre de novo. É o ‘perfazer-se’. Ficar maduro no trabalho. Como o atleta que se exercita constantemente para atingir seu objetivo. Também se passa assim na Vida Religiosa Consagrada. Da mesma maneira que os músculos crescem com a prática (hipertrofia) assim é na Espiritualidade, deve haver podas, abnegações, etc. e isso causa dor. A convivência nos auxiliará nesse caminho.

A ideia que a Vida Religiosa Consagrada hoje deve fugir de qualquer coisa que cause sofrimento é algo infantil e egoísta. A necessidade que tivemos de fugir de métodos errôneos, como a autoflagelação e penitencias exageradas, nos levou, em muitos casos, para o outro extremo, do cultivo do egoísmo e da negação de nossas tendências egoístas. É bom que se converse bastante sobre isso na formação inicial. Abrase o debate, reflita sempre novamente, pois o egoísmo sempre encontra uma nova porta de entrada e tudo deve ser visto a luz de Cristo. Principalmente no que se apresenta no convívio fraterno, esse com certeza vai dar o tom e a abertura para uma reflexão consistente e não somente teórica tipo pastoral (o outro) ou ‘academista’ (intelectual).

2.2 Autoconhecimento a partir do Olhar de Deus

Ao adentrar a Vida Religiosa Franciscana, devemos topar conosco mesmo. E como isso acontece? Talvez possamos falar de autoconhecimento. Porém, cuidado! Autoconhecimento é importante, mas não deve ter fim em si mesmo, sendo buscado como objetivo final. Na Espiritualidade cristã e franciscana, ao tratarmos de autoconhecimento, estamos falando de outro nível de discernimento. Falamos de nos conhecer a partir do olhar de Deus. É Ele que nos olha. No ‘mal’ da própria vontade, somente o olhar misericordioso pode nos redimir e revelar quem somos e que Ele é.

Caso buscasse nós por nós mesmos, acabaríamos por nos perder. Ficaríamos cada vez mais ensimesmados, perdidos com que em um labirinto e o orgulho nos pregaria peças com facilidade. Dessa forma, nosso olhar deve ser o de Deus. Somente Ele nos conhece realmente, ou melhor, Ele conhece a si mesmo e a nós por decorrência de sua própria criação. Em fazendo isso, saímos do psicologismos e de toda tendência egoísta.

Esse é um dos primeiros passos, começar a conhecer em nós o ‘mal da própria vontade’. Tendo a humildade que devemos sempre de novo, por toda a vida, trabalhar nisso. Na caminhada inicial, tal consciência é necessária, pois é ela que nos dará a humildade, mãe das demais virtudes. Ignorar isso nesse momento é atrofiar todo o processo. E não podemos esquecer que todo o trabalho é feito a luz de Cristo que nos amou e nos chamou por primeiro.

Ter uma visão positiva do ser humano é importante, sabendo que tudo procede da gratuidade de Deus. Por outro lado, é necessário entender que o Filho amado do Pai encarnou e assumiu em tudo a condição humana. Aquilo que era rejeitado, negado, foi assumido na radicalidade de Jesus Cristo. Nós também devemos entender que somos resgatado em tudo. Logo, ter uma visão positiva do ser humano engloba a realidade dessa natureza decaída e, saber que tudo nasce da Vontade Divina, não diminui em nada nossa condição, mas a dá o devido valor.

Preocupando-se demais em salvaguardar nossa ‘dignidade’, ou nos dizeres atuais, ‘autoestima’, pode revelar a ação da ‘má’ vontade própria. Não há como fugir desse apertado processo de discernimento. Precisaremos sempre do auxílio Divino na condução desse caminho. A oração é fundamental.

Sobre o autor
Frei Edson Matias

Frade Capuchinho, Sacertode. Naceu no ano de 1976 em Anápolis-GO. Filho de Baltazar Justino Dias e Genoveva Matias Dias. Ingressou na Ordem Franciscana em 25 de Janeiro de 1999, inicialmente nos Frades Conventuais - Província de Brasília. Depois fez a passagem para a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos no dia 13 de Julho de 2009. 

Formação

Doutorando em Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE. Psicólogo pelo Centro Universitário de Brasilia - UniCEUB. Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC Goiás. Pós-Graduado em Psicologia Junguiana pela Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo - FACIS. Pós-Graduado em Teologia Contemporânea pelo Centro Universitário Claretiano. Teólogo Pelo Centro Universitário Claretiano. 

Áreas de atuação

Foi Professor de Psicologia e disciplinas afins na Filosofia e Teologia nos Institutos: ISB/DF, ITEO/MS e IFITEG/GO e na Faculdade Brasil Central/GO. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia clínica e psicologia da religião, como também em Teologia Pastoral e Espiritualidade. Presta assessorias às comunidades e congregações religiosas. 

Livros e Artigos

Possue diversos artigos publicados em revistas e livros. 

Contato

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