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A missão no Carisma Franciscano

Publicado por Frei Moacir Casagrande | 12/04/2015 - 21:38

A missão é um dom, um tesouro, uma graça. Ela não tem origem em nós, sua origem está em Deus é ele que nos contempla com esta graça.

Missão é graça. Quero insistir aqui na missão como dom, porque há muita gente vivendo ou entendendo a missão como obrigação. A missão como obrigação é pesada, difícil, estressante. A pessoa que entende a missão como dom, mesmo passando pelos mesmos desafios da que entende como obrigação, não se cansa, não se estressa, não sucumbe. A missão é um dom, por isso não podemos nos apropriar dela. O dom só cresce quando é partilhado. A missão é sempre de Deus e nós somos convidados a aderir, associar-nos, ingressar, nos entregar a Ele por meio dela, então cresceremos e seremos felizes. É assim que Francisco entende e exerce a missão.

Na concepção franciscana destaca-se mais fortemente: a missão como testemunho, a pregação com a vida, a fé encarnada, a missão como estabelecimento da fraternidade universal, profecia do Reino de Deus[1].

A dimensão ecológica. A compreensão da responsabilidade ecológica como missão foi iniciada por Francisco de Assis e se constitui no restabelecimento da fraternidade universal, isto é, com todas as criaturas. E não se trata só de acolhê-las como irmãs, mas de se fazer irmãos e irmãs delas todas. Não só o ser humano veio de Deus, mas todos os seres vieram Dele. A presença de maldade ou de bondade se deve ao modo de relação estabelecido com elas. O universo não é só a nossa casa, mas a casa de todos, portanto todos temos direitos e responsabilidades de acordo com o grau de consciência que podemos alcançar. Irmão sol, irmã lua, irmão lobo não é somente um veio poético do Santo de Assis, é o cerne do entendimento da Boa Nova de Jesus, experimentada e assumida por ele. A vivência das relações fraternas entre as pessoas que professam a mesma fé e habitam a mesma casa é protótipo da imensidão de relações que precisamos trabalhar. O mundo criado pro Deus tem a vocação de corresponder ao desígnio Dele. Testemunhar tal possibilidade constitui-se conteúdo da profecia franciscana.

A iniciativa do encontro. “A maneira como Francisco se aproximou de Jesus Cristo foi existencial e profundamente prática. Quase desde o começo de sua busca de Deus como valor supremo e único de sua vida, Francisco encontra Jesus no rosto do leproso[2]; no crucificado de São Damião[3]; na palavra com a qual Jesus envia os apóstolos em missão[4]; na Eucaristia das Igrejas que visita diariamente[5]. Concentra sua existência no seguimento radical de Jesus e na observância, sem reservas, do Evangelho” [6]. A vida cristã não é só comunhão com Cristo, mas inserção total na missão Dele. Por isso a fraternidade nascente já se ocupa dos que estão fora e dos que estão longe, pois o encontro bom, não é repetitivo, mas criativo; não envolve sempre as mesmas pessoas, mas multiplica a os protagonistas e destinatários.

“Naquela mesma ocasião, entrando na Religião um outro homem bom, eles atingiram o numero de oito. Então o bem-aventurado Francisco convocou todos a si e, anunciando-lhes muitas coisas sobre o reino de Deus (cf. At 1,3), o desprezo do mundo, a abnegação da própria vontade e o domínio do próprio corpo, dividiu-os dois a dois, para as quatro partes do mundo e lhes disse: Ide, caríssimos, dois a dois (cf. Lc 10,1), pelas diversas partes do mundo, anunciando aos homens a paz (cf. At 10,36) e a penitência para a remissão dos pecados (Cf. Mc 1,4): e sede pacientes na tribulação (cf. Rm 12,12), seguros de que o Senhor cumprirá seu propósito e sua promessa. Respondei humildemente aos que vos perguntarem, abençoai os que vos perseguirem (cf. Rm 12,14), agradecei os que vos injuriarem e infligirem calúnias, porque por estas coisas nos é preparado o reino eterno (cf. Mt 25,34). E eles, com júbilo e grande alegria, recebendo o mandato da santa obediência, prostravam-se suplicantes por terra diante de Francisco. E ele, abraçando-os, dizia a cada um terna e devotamente: Lança tua preocupação no Senhor, e ele te nutrirá (Sl 55,23). Dizia estas palavra todas as vezes que enviava alguns irmãos à obediência” (1 Cel 29).

Universalidade. Francisco não se ocupa só com os cristãos, com os “bons”, pois a construção da paz é uma obra universal. Só acontece quando atinge a todos. Por isso ele deixa claro em sua primeira Regra: “Diz o Senhor: eis que eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Sede, portanto, prudentes como as serpentes e simples como as pombas (Mt 10,16). Por isso, se algum irmão quiser ir para o meio dos sarracenos e outros infiéis, vá com a licença de seu ministro e servo. O ministro dê-lhes a licença e não lhes oponha objeção, se vir que são idôneos para serem enviados; pois deverá prestar contas ao Senhor, se nisto ou em outras coisas proceder de modo indiscreto. Os irmãos que vão, no entanto, podem de dois modos conviver espiritualmente entre eles. Um modo é que não litiguem, nem porfiem, mas sejam submissos a toda criatura humana por causa de Deus (1 Pd 2,13) e confessem que são cristãos. Outro modo é que quando virem que agrada a Deus, anunciem a Palavra de Deus para que creiam em Deus onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, Criador de todas as coisas, no Filho redentor e salvador, e para que sejam batizados e se tornem cristãos, porque quem não renascer da água e do Espírito santo não pode entrar no reino de Deus” (RnB16).

Considerando a iniciativa de Francisco quando a fraternidade chega ao número de oito, o modo de proceder e também o que diz o texto da Regra Não Bulada sobre a missão podemos conceber que a missão franciscana precisa comportar os seguintes pontos:

1 - Motivação evangélica. A causa motora de nossa missão é o Evangelho. Não habita a nossa mente e o nosso coração outra intenção que não seja a de nos doar para que as pessoas possam ver e sentir a presença do amor misericordioso e libertador de Deus. É importante dizer isso porque há pessoas na missão movidas por interesses próprios e escusos, nada tendo de misericórdia ou libertação. A pessoa pode se consagrar a Deus com o objetivo de ser cuidada, protegida ou empoderada por Ele, mas essa não é uma motivação evangélica. Motivação evangélica tem a pessoa que se consagra para que Deus possa tê-la para o que ele quiser, quando quiser e onde quiser. Motivação evangélica é a alegada por Jesus diante do interesse dos discípulos Tiago e João “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida como resgate em favor de muitos” (Mc 10,45). Jesus afirma isso diante da motivação anti-evangélica dos dois seguidores seus. Motivação evangélica é a que Jesus apresenta em Mateus (5,43-48). Amar os inimigos e rezar pelos que nos perseguem nos faz verdadeiros filhos de Deus que faz vir sol e chuva sobre todos quer mereçam, quer não mereçam, por que a sua medida não é simplesmente uma medida humana. Motivação evangélica finca estaca no testemunho de Jesus Cristo. Tal testemunho é uma herança passada de geração em geração pelos séculos a fora. Herança da qual ninguém se apodera como coisa sua, mas a quem cada um, cada uma se dá para a realização do Reino. Seremos de fato evangélicas se o acolhermos, nos deixarmos tomar por ele e passamos enriquecido à próxima geração.

2 - Espírito missionário. Sem motivação evangélica é impossível existir espírito missionário, pois este se caracteriza por focar a vida na causa do Reino de Deus servindo gratuitamente o outro, a outra, em suas necessidades. O Espírito Missionário nos mantém em constante alerta para as necessidades do outro, da outra, seja quem for. O espírito evangélico me faz sair de mim, leva-me a desinstalação de mim mesmo; a relativizar minha segurança, minha comodidade, minha vida. É do espírito missionário que brota a novidade. “O Espírito do Senhor está sobre mim porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Noticia aos pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). O Espírito missionário não é exclusivista nem seletivo. A pessoa que está realmente tomada por ele não escolhe onde atuar, mas atua onde há clamor e não se fixa em um lugar determinado.  “Vão! Eu envio vocês como cordeiros para o meio de lobos. Não levem bolsa, nem sacola, nem sandálias......”(Lc 10,3ss).

3 - Abertura para a itinerância. “Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Noticia para toda a humanidade” (Mc 16,15). O campo de atuação é o mundo todo. É importante que sejamos realmente comprometidos com a realidade onde estamos e atuamos, mas não nos fixemos tanto em tal realidade ao ponto de nos tornemos incapazes de levantar a tenda e partir para uma nova fronteira, uma nova necessidade, um novo clamor. A fixação não é sinal de compromisso, é sinal de alerta, algo está sendo desfocado. Mas a itinerância não é só mudança de lugar geográfico, é também mudança de lugar social, de lugar teológico, de mentalidade, de modo de atuar, de ver e de tratar as pessoas e realidades que fazem parte do mundo em que vivemos. Itinerância sinaliza caminho de conversão. “Completou-se o tempo, o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e creiam no Evangelho” (Mc 1,15). A itinerância contribui para um novo e maior dinamismo. A itinerância se constitui num elemento fonte, no seguimento de Jesus. “Se alguém quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9,23). O seguimento de Jesus é dinâmico. É um constante caminhar, pois o próprio Jesus é caminho (Jo 14,6) e quem quiser segui-lo que caminhe. A instalação, a acomodação ou o enfraquecimento do dinamismo são um alerta: algo está errado.

O que e encantou Francisco e deu luz às suas buscas não foi tanto o “ide”, mas o modo como ir, o modo de proceder no caminho. Ir despojados, totalmente confiados no Senhor. Ele que envia, acompanha o enviado e se faz presente no caminho. Isso não livra o missionário do sofrimento, mas garante a continuidade da encarnação de Jesus[7]. Aqui a pobreza e a itinerância são virtudes irmãs. Uma se fortalece, se apoia e se nutre na outra. As duas juntas oferecem o perfil do missionário de Jesus Cristo: despojado, desprendido, confiante, simples, humilde e entregue.

O evangelista Marcos[8] nos oferece uma ótima iluminação para o que Francisco abraçou. Jesus chamou os Doze para que “ficassem com ele e para enviá-los a evangelizar”. Isto caracteriza a Fraternidade Itinerante.

“As ordens mendicantes começaram uma reorientação estrutural do labor missionário na Igreja. Introduziram novamente o principio da itinerância comunitária e da pobreza, ambas estão intrinsecamente articuladas. O viver de esmolar obrigou os mendicantes a se chamarem de irmãos e a ser uma presença amiga entre o povo. Isso tem como objetivo a peregrinação apostólica, a conversão de todos os “não cristãos”, o anúncio do Evangelho e o louvor de Deus no mundo” [9].

“Para o movimento dos mendicantes, o caminho era mais importante que a chegada; a pregação e o louvor a Deus, mais importantes do que a conversão das pessoas. Por isso a gratuidade do seguimento do Crucificado não foi corrompida pela necessidade de comprovar em números a eficácia da ação missionária” [10].

4 - Atenção e sensibilidade aos gritos do povo. O comportamento iluminador de tal atitude é, sem sombra de dúvidas, o de Jesus. “Um leproso se aproximou de Jesus e disse: Senhor, se queres, podes curar-me. Jesus cheio de ira estendeu a mão, tocou nele e disse: Eu quero, fique curado” (Mc 1,40-40). Há quem atenda os gritos do povo para se aproveitar dele. Para se engrandecer, se empoderar, se auto endeusar. Algumas pessoas chegam a dizer o que seria desse povo sem mim? Outras se põem a fazer tudo e mantêm o povo na ignorância e na incapacidade, para garantir seu lugar privilegiado e construir seu ninho às custas do povo que diz estar servindo. Eis a orientação de Jesus: “Vão e anunciem: o Reino do Céu está próximo. Curem os doentes, ressuscitem os mortos, purifiquem os leprosos, expulsem os demônios. Vocês receberam de graça, deem também de graça.” (Mt 10,7-8). Não é por nada que Francisco começa a vida de penitência e a missão abraçando um leproso; na época o mais deserdado da humanidade.

5 - Inserir-se na comunidade local. Este item faz de contra ponto com o item 3 que trata  da abertura à itinerância. Precisamos de equilíbrio entre itinerar e inserir. Itinerar é diferente de vagabundar. O itinerante tem um itinerário, um roteiro a ser seguido. O vagabundo anda ao léu, ao sabor do que “pintar” pelo caminho ou pelos caminhos que “pintarem”. Há pessoas que não se inserem, não se comprometem, não se dão de fato, com medo de sofrer quando tem que mudar. Pessoa assim não tem condição de se inserir. Há pessoas que se inserem, mas se fixam e se apegam tanto que ficam impossibilitadas de mudar para outro lugar, mais carente e mais necessitado, acabam, depois de algum tempo, por se tornarem empecilho ao crescimento da comunidade. Aí as novas ideias não são acolhidas por respeito e veneração a pessoa antiga. Inserir-se é encarnar-se, mas para encarnar-se é necessário antes despojar-se. Só quem é capaz de morrer a si mesmo pode nascer na nova realidade. Querer que os outros nos absorvam, nos acolham, com tudo o que trazemos de outra realidade é um contra senso. Em cada mudança precisamos selecionar o material adquirido, assimilar o que nos faz mais universais e deixar o que nos impede de fazer este processo.

6 - Corresponsabilidade na vida da fraternidade (oração, estudos, retiros, tarefas domésticas e outras). É importante termos presente que a comunidade da vida consagrada na qual escolhemos viver não é uma família, nem uma república, mas uma fraternidade. Na família tem a mãe e o pai que são naturalmente os primeiros responsáveis e às vezes assumem total responsabilidade diante de tudo em relação aos filhos, criando-os alheios às necessidades comuns. Na fraternidade não há e nem pode haver a figura do pai ou da mãe. Há sim o irmão ou da irmã que em rodízio e por escolha dos/as demais é colocado à frente dele/as. O que caracteriza uma fraternidade Franciscana é a corresponsabilidade. A exigência de mudanças ou rodízio e circularidade de liderança existem para garantir a equidade dessa mútua responsabilidade pelo bem de todos os membros e pelo bem do povo entre o qual a gente escolheu habitar. Para exercitar a corresponsabilidade é necessário saber acolher e oferecer, avançar e retroceder, estabelecer e cultivar laços e compromissos. É disso que trata o mandamento: “Eu vos dou um novo mandamento: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem amar-se uns aos outros” (Jo 13,34). Amar é relacionar-se de forma humanizante. Amar é acolher, cuidar, valorizar, compartilhar, fazer-se irmã de todos, especialmente dos excluídos da sociedade. A pessoa pertence à fraternidade, mas a fraternidade também pertence à pessoa. Saber fazer a ida e a vinda, o verso e o reverso, é sinal de maturidade e sabedoria. É protagonismo na construção do Reino de Deus já experimentado na convivência fraterna.

A iluminação de santa Clara no caminho da missão. Vejamos isso a partir de um texto da segunda Carta à Inês.

“Não perca de vista seu ponto de partida, conserve o que você tem, faça o que está fazendo e não o deixe, mas, em rápida corrida, com passo ligeiro e pé seguro, de modo que seus passos nem recolham a poeira, confiante e alegre, avance, com cuidado, pelo caminho da bem-aventurança” (2 In 11b a 13). Deixemos que este texto nos ilumine.

1) “O ponto de partida”. Trata-se do lugar de onde se começa, mas também da direção que se toma, do impulso que se dá. O lugar onde se começa costuma ser chamado de berço, ninho, fonte. A direção que se toma se chama caminho, meta, objetivo. O impulso que se dá chama-se mística, elã, espiritualidade. Não perder de vista é ter sempre diante dos olhos, ao alcance da vista, isso significa orientação, direção. O ponto de partida de Clara é o Cristo pobre, despojado, necessitado, deitado numa manjedoura (4 In 19-20). Nos também temos nosso ponto de partida. É necessário dar mais atenção a ele, trabalhá-lo com carinho para que não venha acontecer o desencantamento e o abandono do caminho iniciado.

2) “Conserve o que você tem”. A conservação é a garantia de patrimônio para poder avançar. O ponto de partida é também um alicerce, conservar, preservar, zelar é parte indispensável, integrante do processo, mas conservar não significa aferrar-se, agarrar, deixar-se possuir. A conservação tem também outra vertente, precisa preservar o dinamismo inspirador original, de modo que seja alimentadora do processo. O que você está conservando é garantia de que: de futuro, de passado ou de nada?

3) “Faça o que está fazendo”, isto é, dê continuidade, não fique andando de cá pra lá, feita mosca tonta, começando muitas coisas e não terminando nada. Faça o que está fazendo também significa: aplica-te toda inteira à obra. Às vezes a gente trabalha dividida, faz uma coisa pensando em outra, faz uma coisa sem convicção, faz por conveniência ou para não perder a amizade ou o grupo. Certifique-se de que você realmente está fazendo o que está fazendo. Estamos inteiros, inteiras, naquilo que estamos fazendo? Carro que pega no tranco anda, mas deixa sempre o motorista inseguro é dificilmente consegue adesão de outros. Às vezes fica a sensação de que há, no caminho, pessoas empurradas ou arrastadas pelas circunstancias sem uma opção pessoal.

4) “MAS”, essa conjunção é muito importante. Não perder de vista o ponto de partida é importante, conservar o que se tem é importante, fazer o que se está fazendo é importante, mas é só a metade da tarefa, da missão, do compromisso, da vida. Há muito feito, mas há o perigo de que a ocupação do presente acabe paralisando o futuro. Há sempre mais para ser feito. Mas há também uma fonte inesgotável para criar, nutrir e iluminar. Novos passos precisam ser dados, não podemos nos deixar paralisar pelo medo, pela preguiça, ou pelo comodismo. “Não temos só uma grande história para contar, mas uma grande história para construir” (VC 110). Não podemos ficar no bom se dá para ser ótimo, excelente, sensacional. É necessário caminhar até a plenitude. Por isso Clara continua.

5) “Em rápida corrida, com passo ligeiro... de modo que seus passos nem recolham a poeira”. Aí está a manifestação da “dinamis” de Deus. A “dinamis” é o Espírito que cria, movimenta, alimenta até a meta. Há um dinamismo que impulsiona, que faz avançar, que desinstala, não para incomodar, mas para garantir a continuidade, o futuro, o autêntico bem estar. No passado dizia-se que a tendência à acomodação era coisa de idoso, hoje, parece que é coisa de todo mundo. Há uma tendência muito forte a buscar o mais fácil, o mais cômodo, o que está já feito, pronto. Clara deixa claro que não há tempo a perder. Há um tesouro a ser conquistado, assimilado e partilhado. São três etapas de um mesmo processo que não pode ser interrompido: depois de conquistado, precisa ser assimilado, integrado; depois de integrado, precisa se partilhado, distribuído, universalizado.  Há urgência nessa missão.

Clara também, de maneira muito significativa, pede para que não se deixe a poeira se pegar no pé. Existem pés muito empoeirados já irreconhecíveis, trazem grudado em si, tudo aquilo que entram em contato, são lerdos, lentos, “dinosauricos”.  Uma coisa é estar marcado/a pela poeira, outra, bem diferente, é se tornar poeira ou perder-se nela. O que impede e o que favorece você ser rápida/o, ligeira/o, dinâmica/o?

6) “Pé seguro, confiante e alegre”. Pé seguro é o que sabe onde pisa e pisa com precisão e cuidado. Não importa se o chão é ou não seguro, mas o pé precisa ser seguro no chão. Isso acentua o protagonismo do pé e não do chão como na maioria das vezes costuma-se resaltar. Enquanto existem pessoas que desaparecem no chão que pisam há pessoas que deixam o chão para sempre marcado com as pegadas de seus pés. Pé seguro é o que não desvia da meta, mesmo quando não há caminho, persevera progressivamente, garante o sustento e a precisão do deslocamento.

Confiante é a pessoa que tem uma atitude aberta em relação ao futuro, ao objetivo, à meta a ser alcançada. O contrário de confiante é desconfiado, duvidoso, temeroso, etc.., muitas vezes tais sentimentos ou atitudes são camufladas de prudência, precaução e outros termos que ajudam a viver de maneira simulada.

A alegria caracteriza esperança e jovialidade, caracteriza a leveza do compromisso de quem se dá todo/a naquilo que busca. Dar gargalhadas não significa alegria, sorrir também muitas vezes não é demonstração de alegria. A alegria é satisfação, contentamento, júbilo, exultação, algo que nasce do mais íntimo do nosso ser e que nos toma inteiros/as, expressando-se em todo nosso corpo. Alegria é virtude de quem participa do Reino de Deus (Lc 2,10-11). Alegria é nota característica de Francisco e Clara, uma alegria contagiante que atraia e que convertia. Clara pede que a confiança seja alegre, que alegria se revele no pé, em cada passo da Inês. A alegria libera e liberta.

7) “Avance, com cuidado, pelos caminhos da bem-aventurança”. O futuro depende do presente, mas depende de manter a dinâmica, rumo à meta, por isso, avance. È necessário dar passos, progredir, assumir novas posições. O avanço porem não se faz de qualquer jeito, a qualquer custo. O avanço exige cuidado, exige modos respeitosos recíprocos. Um avanço que para alguns é vitória e para outros derrota, deve ser questionado, não cheira autenticidade. Há um caminho definido para esse avanço. É o do evangelho: “Avance para dentro do mar e lance as redes” diz Jesus a Pedro (Lc 5,4). Assim a gente passa do chamado para o discipulado, do discipulado ao apostolado e dele para a vida eterna. Caminho exigente, difícil, complicado, mas seguro, certeiro, que conduz à felicidade atual e eterna.

 


[1] Convido a refletir sobre os seguintes textos At 1,1-19; 1 Cor 15,1-10; Is 6,1-8; Rm 3,21-26; Rm 5,1-11 e ainda os textos do Evangelho onde Jesus diz expressamente qual é sua missão: Jo 6,37-40; Mt 6,10; Jo 10,10; Lc 19,10; Mc 1,38; Mc 2,17; Mc 10,45; Jo 12,47. Para aprofundamento consultar o Segredo do Evangelho de Fr. Moacir Casagrande, sexto capitulo. Ver ainda os seguintes textos franciscanos: Admoestações 7,4; 8,3; 22,2; 28,1; Regra Bulada 5 e 12; Testamento 4; Carta a um ministro 2; Fioretti capitulo 8 sobre a perfeita alegria. Aí podemos ver que Francisco considera a missão como dom e convida os frades a tomarem todo o cuidado para zelarem se apropriarem dele.

[2] Cf. Testamento 1-3.

[3] Cf. 2 Cl 10.

[4] Cf. 1 Cl 22.

[5] Cf. Test. 4-5.

[6] Cf. Manual de Teologia Franciscana, J. A Merino e F. M. Fresneda, BAC, página 150.

[7] Ver Mt 10,1-13.

[8] Mc 3,13-19.

[9] A Maneira Franciscana de Evangelizar Vozes, página 153.

[10] Paulo Suess, Travessia Com Esperança, vozes, página 17. Ver também o que Paulo Sues diz às páginas 32 a 34 da mesma obra. Aproveitar ainda os textos de Atos 1,6-8; Lc 24,13-32.48; 1 Pd 2,1-25; Lc 9,57-58; Lc 14,26-27;  Mt 28,16-20; Mc 16,14-16; Admoestações 4-7; RnB 16;  1 Celano 22; 32 e 29-31; Jo 2,1-11. 

Sobre o autor
Frei Moacir Casagrande

Moacir Casagrande, Sacerdote. Nasceu no ano de 1955 em Putinga-RS. Filho de Domingos Casagrande e Rosina Lourenço da Luz. Ingresso na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos no dia 02 de fevereiro de 1978.

Formação

Cursos de Filosofia e Teologia. Mestrado em Teologia, especialização Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana e Pontifício Instituto Bíblico de Roma

Áreas de atuação

Professor de Sagrada Escritura no ITEO, no IFITEG e no ISB. Assessorias Bíblicas, retiros e assembleias e tem cinco livros publicados e muitos artigos em várias revistas.

Livros publicados

Deus ontem e hoje (Ano: 1990)
Novo Testamento em 30 lições - Um jeito fácil de entender (Ano: 1992)
O Segredo do Evangelho (Ano: 2011)

Contato: [email protected]