Santa Clara de Assis

“É difícil separar os nomes de Francisco e Clara. É algo profundo, algo que não pode ser entendido a não ser com critérios de espiritualidade franciscana, cristã, evangélica; não podemos entendê-lo com critérios humanos. O binômio Francisco-Clara é uma realidade que só se entende com categorias cristãs, espirituais, do céu.” - (João Paulo II – 12 de março de 1982).


Por onde passaram os Franciscanos, Santa Clara sempre foi conhecida como uma companheira de São Francisco. Realmente, o estilo de vida de Francisco não poderia ser privilégio dos homens. Muitas mulheres escutavam a sua pregação, observavam o seu estilo de viver o Evangelho e também queriam viver essa experiência. Uma delas foi Clara de Assis. 

Clara nasceu em 1194 em Assis, filha de Ortolana de Fiumi e Faverone Offreduccio de Bernardino, família nobre da cidade de Assis. Recebeu da mãe uma sólida educação religiosa e do pai a personalidade forte. 

Clara ouvira falar de Francisco e de seu ideal de vida. De como Francisco abandonara a vida confortável proporcionada pelo negócio rentável do pai, para abraçar uma vida de pobreza e entrega. 

Aos 18 anos, Clara ouviu Francisco pregar os sermões da Quaresma na igreja de São Jorge, em Assis. As palavras dele inflamaram tanto seu coração, que o procurou em segredo, pois também ela desejava viver a experiência de pobreza, simplicidade e Amor que Francisco anunciava. 

No Domingo de Ramos, dia 19 de março de 1212, Clara participou da missa da manhã já decida de seguir o passos de Jesus Cristo. Não havia meio de sair despercebida do castelo de seus pais, mas encontrou a única saída possível pela porta de trás do palacete: a saída dos mortos. Toda casa medieval tinha esta saída, por onde passava o caixão dos defuntos. 

À noite, quando todos dormiam, a nobre jovem Clara de Favarone fugiu de casa por esse buraco, abandonou os muros da cidade e percorreu a estrada até chegar à Porciúncula, onde foi recebida com muita festa pelos irmãos menores. 

A “plantinha do Santo Pai”, como seu autodenomina em seu testamento, é venerada como padroeira da devoção à Eucaristia representada em suas imagens pela custódia levada nas mãos. Mas as devoções populares estiveram sempre ligadas aos pedidos de bom tempo, de “tempo claro”. Em 1958, no dia 14 de fevereiro, o Papa Pio XII declarou-a Padroeira da televisão.

A descoberta das fontes

Contudo, pouca gente sabia que essa mulher tinha um valor transcendente, capaz de trazer novidades para o terceiro milênio. Com a celebração do seu centenário de nascimento, em 1993, vieram à luz muitas publicações e, especialmente, pelo menos entre nós, as Fontes Clarianas . É uma preciosa coleção de documentos do século XIII, em sua maioria, desconhecidos até o princípio do século XX, e ignorados em sua totalidade pelo público. Para apresentá-las sucintamente, podemos dizer que as Fontes Clarianas dividem-se em três grandes tipos de documentos: os biográficos, os históricos e, a parte mais preciosa, os escritos da própria Santa Clara. Entre seus escritos destacamos: A Regra (Clara foi a primeira mulher a escrever uma Regra na Igreja), O Testamento (onde faz uma recapitulação de sua vida para ressaltar o dom da vocação e mostrar como as Irmãs deviam seguir o caminho que é Jesus Cristo), a Bênção mas principalmente, as Cartas a Inês de Praga: ela demonstra um carinho surpreendente para com essa princesa que poderia ter sido imperatriz mas preferiu ser Irmã Clarissa. Passa-lhe uma experiência espiritual profunda e riquíssima, firmando os mesmos fundamentos de São Francisco mas de uma maneira bem pessoal e original.

A espiritualidade

Santa Clara foi uma verdadeira mestra da vida espiritual. Espiritualidade é uma maneira de viver de acordo com a fé, ou de viver a "vida do espírito". Não é uma ciência nem uma teoria e, por isso, embora trate das coisas de Deus e das coisas da alma, e pressuponha um bom conhecimento vivencial dessas realidades, não se confunde nem com a teologia nem com a psicologia. Para Clara, contemplar é contemplar Jesus. Nós só vemos Deus indiretamente, como em um espelho, e o espelho é Jesus Cristo, Deus feito homem. Nós amamos Deus, a Glória, mas só conseguimos nos entregar ao esplendor da Glória, aos raios de sua Luz que nos atingem - e o esplendor é Jesus Cristo. Da substância divina, nós só conseguimos viver a sua figura, aquilo tudo que chegou a nós em Jesus Cristo. Jesus Cristo é o objeto total de nossa contemplação. Quando contemplamos, o que entra pelos nossos olhos, os olhos do corpo e os olhos do espírito, é Jesus Cristo.

Renovação a partir do feminino

Quando lemos Santa Clara, temos, ao mesmo tempo, a sensação de encontrar algo muito antigo e jubilosamente novo. Porque ela diz o mesmo que foi dito por São Francisco, mas de uma maneira pessoal. A gente encontra o mesmo Jesus Cristo Pobre e Crucificado, o mesmo Irmão, o mesmo Esposo, o mesmo Amigo. mas a apresentação é original. Clara ensina a espiritualidade franciscana de um outro ângulo. E essa sua visão feminina chama a nossa atenção porque, neste final de século, todos, homens e mulheres, nos sentimos carentes de um feminino válido e profundo, que a nossa cultura ocidental ignorou, impediu, e parece mesmo ter perdido. Nós nos sentimos isolados pelo individualismo e pelo subjetivismo, somos ilha no meio do povo e da multidão. Quando falamos em povo, não temos mais o calor humano da familiaridade, porque a palavra virou uma expressão fria da ideologia. Como é importante voltar a poder encontrar um povo família, em que nos sintamos alguém! Por isso nos encantamos ao ouvir Clara falando em Jesus Cristo e em nossas mínimas realidades de uma forma tão humana, tão quente, tão feminina. É desse feminino que estamos precisando. Francisco encanta a humanidade por ser um homem que equilibrou o feminino. Clara, por ser uma mulher que equilibra o masculino. Como ele deu ternura à força dos grandes homens, ela deu vigor a sabedoria das mulheres plenas.