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VI DOMINGO DA PÁSCOA - ANO C

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 30/04/2016 - 18:02

VI DOMINGO DA PÁSCOA

(João 14, 23-29)

Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada. ... Ouvistes que eu vos disse: Vou e volto a vós. Se me amardes, certamente haveis de alegrar-vos, que vou para junto do Pai, porque o Pai é maior do que eu”.

 “Vou e volto a vós ... vou para junto do Pai, porque o Pai é maior do que eu” (Jo 14, 28-29)

O amigo Jesus, aquele com o qual partilhávamos as jornadas, as alegrias e os entusiasmos, as incompreensões do mundo e o ódio, o amor e os milagres, as fadigas e as orações, está para ir embora. Como viveremos sem a presença amiga ou mesmo uma posse? (uma pessoa, uma coisa, uma situação?). A Palavra nos convida a reencontrar o que nos falta, a ausência. Onde reencontrar? No santuário pessoal, no interior nosso e também em novas pessoas e situações que nos advém. O convite, o desafio é passar a viver a partir de nós mesmos, encontrar uma presença maior em nosso interior. É difícil? Claro! Já nascemos pedindo ajuda externa para não morrermos de fome e de frio. A Palavra (“Eu vou”) nos “fere” a fim de sairmos do torpor, nos fere nas ausências: ausências dolorosas que fazem bem e ao mesmo tempo nos põe na angústia, numa angústia que promete, promete o sabor de si e o sabor do real Deus que cria as verdadeiras presenças. E, então... coisas e pessoas terão os devidos lugares em nós.

Uma ausência, uma perda (de pessoa, de emprego, de casa, da juventude, etc.) é sempre dolorosa porque nos afeiçoamos, criamos laços, nos acostumamos e nos “atacamos” a tal presença. E, assim, passamos a crer que não podemos mais viver bem com tal ausência porque consideramos como propriedade nossa uma presença querida.

A Palavra não nos permite vivermos fixados, paralisados, estagnados, mas aponta: “Vamos para águas mais profundas”! As realidades do mundo e das pessoas devem ser vistas como “sinais” que indicam um “algo mais”. A nossa preguiça não quer ver sinais e passa a exigir deste mundo o efêmero dele e não a quê ele nos aponta. Exemplo: Posso aprisionar o meu filho querendo que ele esteja para sempre comigo, ou posso entender que ele, acima de tudo, pertence ao Pai eterno e que ele é chamado a fazer o seu amanhã, a ir realizar o seu próprio mistério, sua vocação, sua destinação. E cabe à minha pessoa contemplar sua trajetória, venerar esse mistério da vida e de Deus que se mostra na vida do meu filho. Mas, jamais, vorazmente se apossar desta vida.

É ilusão pensar que se cabe nesta terra. Jesus, o Vivente, não pode ser detido (Maria Madalena tentou segurá-lo). A Beleza é para ser venerada, não consumida. Quando nos “atacamos” às coisas da terra, a Beleza destas coisas, a Beleza da vida se perde. Os apóstolos tinham falsas certezas e falsas seguranças, pois queriam poder e posses. O Vivente Jesus desfez tais falsidades (morreu na cruz) e nos doou o Espírito do Vivente, e, assim, os apóstolos não quiseram mais posses e poder, mas passaram a ser Viventes também eles: aprenderam a amar pessoas; se lhes descortinou o sentido do nascer, do sofrer, do viver e morrer; uma paz inaudita apoderou-se de seus corações, etc.

Devemos levar a sério o fato de que temos o Espírito conforme a promessa de Jesus Cristo. Isso significa uma responsabilidade, um encargo que poucos estão dispostos a aceitar, pois, tal responsabilidade exige esforço em adentrar no mistério que somos e em adentrar em um chamado que Deus, certamente, nos faz e sempre nos fará.          Com o Espírito em nós somos chamados a conviver com o Senhor mais vivo e atuante do que quanto andava pela Palestina. Jesus é o Ressuscitado, sempre presente e vivo. Por que essa nova presença espiritual? Um bom mestre um dia dirá ao discípulo: “Até quando tu serás discípulo e eu mestre? Olha, a partir de amanhã perguntarás a ti mesmo, e não mais a mim”.  Um bom mestre deixará de dar peixe, e ensinará a pescar.  Jesus prometeu: “Vós fareis obras maiores do que aquelas que eu fiz”, pois “Eu vou”.

Perdendo para obter outras presenças

Azul tudo ao meu redor, azul no meu coração

Permeada tu de azul e também de ouro

Com em mãos uma flor de outros jardins

Lá tu estavas entre raios de um sorriso

Um aceno e depois no lusco-fusco sumiste

De outros se tornou o meu amor de criança

Cego o coração às coisas desta vida

“Quem me ama observa as minhas palavras”. Diria Jesus: “Quem me ama é quem ‘pega para si’ o meu projeto de vida, projeto amoroso que visa promover para o bem a toda e qualquer pessoa que venha encontrar na sua história pessoal”. “Observar” em São João significa ser zelante, ter esmero e cuidado redobrado com algo que é considerado como precioso e que nutre a alma sadia. “Observar” é até um temor de perder esse algo, e por isso protege-se contra os “predadores”. Certa feita um médico viu em sua sala de cirurgia o assassino do seu primo. Ocasião tremenda: salvar ou não a vida? Cumprir ou não o juramento feito como médico? Escolheu observar as palavras de Jesus, zelou, vencendo a tentação, pela verdade que nutre a alma. Lutou para não perder o primeiro amor. Fez a cirutgia! Infelizmente, como vemos na parábola do semeador, as palavras e mandamentos do Senhor são perdidos, e tantos outros bons propósitos e sonhos da juventude são deixados de lado, pois não foram “observados”, tidos como preciosidades. No final, as minhas escolhas: são elas que revelam para que eu vivo e quero viver. Por qual motivo eu quero gastar, consumir e acabar meus dias?

O Consolador...  “Com-solus”, isto é, consolar é estar ao lado de quem se sente sozinho ou desconsolado por motivo de tristeza, perdas....   Jesus promete que seu discípulo jamais ficará solitário e pede também de buscar (“Quem procura, acha”). Então, andemos com perseverença, sem sair de nós, pois o Espírito foi soprado sobre nós, e encontraremos... o Consolador.

... e nele faremos nossa morada.  O Evangelho de hoje nos re-coloca, nos remete a encontrar a Vita em uma respiração interior.  Se o Pai e o Filho por morada escolheram a nós, a nossa força está dentro de nós. A força de uma árvore está em suas raízes. A força interior de um homem faz ele viver e sustentar seu caminho. A força de um homem é a capacidade de resistir à dor da rejeição e do abandono. A força de um homem é a intensidade da sua face, a profundidade e a vibração de sua presença. A força de um homem é a capacidade de escutar-se, de conhecer-se, de perceber o que está acontecendo com ele.  A força de um homem é a intensidade dos seus sentimentos e a capacidade de seguir sua consciência mesmo sendo contracorrente. A força de um homem é pedir perdão quando erra, mas não inclinar-se diante de alguém se isso fere a própria dignidade.  A força de um homem faz surgir a Força divina que o habita e não viver abaixo das suas possibilidades.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.