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NÃO SEPAREMOS O CORPO DE CRISTO DO CORPO FAMINTO DOS IRMAOS E IRMÃS

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 28/05/2016 - 11:40

NÃO SEPAREMOS O CORPO DE CRISTO DO CORPO FAMINTO DOS IRMAOS E IRMÃS

A cada dia morrem 6.000 crianças de sede. A cada dia morrem por desnutrição cerca de 20.000 pessoas

Por quê o pão como símbolo maior da marca de Cristo?  Posso destruir o outro como quando se devora um pedaço de pão. Aqui o outro se torna pão, alimento (cf. Deuteronômio 7:16, quando diz ao povo de Israel: “comerás todos os povos que o Senhor, teu Deus, te der). Devoro o outro, vivo como um sanguessuga, uso a fraqueza do outro para o meu deleite. Os nacionalismos, as seitas, os partidos, as “panelinhas” fazem isso, pois sempre menosprezam os outros para se sentirem os “tais”. Mas o pão, o alimento também foi sempre usado como sacrifício. Aqui eu me nego a devorar o outro e dou o deleite ao Senhor: a ele o pão (Gn 18, 5-6). O pão é símbolo da vida, do que me faz viver e Jesus “sabia” que uns procuram a vida esmagando outros, fazendo do outro o próprio pão. Que regozijo se desfruta quando se destrona um inimigo!!!  Dizendo: “Tomai todos e comei” é como se dissesse: “Parem de se digladiarem, parem de usar os outros para todos os tipos de prazeres egoístas, parem de se matarem, parem de se fazerem mal uns aos outros e..... se alimentem de mim. Por que buscar água em cisternas rachadas? Se vocês não comerem a carne do Filho do Homem não terão a vida em vós, pois a minha carne é verdadeira comida e meu sangue verdadeira bebida. Parem de se verem como uma potencia que só tem apetite e que só se satisfaz comparando-se e vencendo os outros, e se descubram, alimentando-se de mim, como um dom, como pessoas que tem a vida e vida em abundancia: basta que escutem: “Tomai todos e comei: isto sou eu”.

“Jesus recebeu-os e falava-lhes do Reino de Deus. ... 12.Ora, o dia começava a declinar e os Doze foram dizer-lhe: Despede as turbas, para que vão pelas aldeias e sítios da vizinhança e procurem alimento e hospedagem, porque aqui estamos num lugar deserto.  13.Jesus   replicou-lhes: Dai-lhes vós mesmos de comer. Retrucaram eles: Não temos mais do que cinco pães e dois peixes, a menos que nós mesmos vamos e compremos mantimentos para todo este povo. 14.(Pois eram quase cinco mil homens.) Jesus disse aos discípulos: Mandai-os sentar, divididos em grupos de cinqüenta. ...16.Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, abençoou-os, partiu-os e deu-os a seus discípulos, para que os servissem ao povo.  17.todos comeram e ficaram fartos. Do que sobrou recolheram ainda doze cestos de pedaços” (Lucas 9, 11-17).

 

A Igreja hoje celebra a festa do Corpo e Sangue de Cristo. Jesus presente em forma de alimento. Corpo e Sangue de Jesus Cristo presente no pão, nas pessoas.

A origem da festa. Um sacerdote se perguntou: “Será mesmo que o Corpo e Sangue de Cristo se encontram em um pedaço de pão?” Durante uma missa ele obteve a resposta porque quando partiu o pão, um pouco de sangue escorreu da pequena hóstia. Desde 1264 a festa se faz em toda a Igreja como manifestação pública da nossa fé.

Jesus não quer simplesmente matar a fome da multidão, mas deixar um sinal que revele como Deus sonha o mundo dos seres humanos. Podemos até comprar alimento para todos, mas não é esta a solução vista por Jesus para alimentar a multidão. A solução é a partilha do que se tem. Não qualquer partilha, mas partilha total (5 + 2 = 7). Que o alimentar-se seja em grupo, em comunidade, e isso porque “a gente não quer só comida, mas também uma presença amiga, uma presença que alimente a alma, queremos companhia, queremos um ouvido, queremos compreensão, queremos ser reconhecidos, queremos falar, ouvir, ser amparo para alguém, etc.  Que sejamos um alimento: quer com o que temos, quer com o que somos. Que nos deixemos alimentar: vivamos em família, em comunidade, recebamos o que de bom o outro (a) tem a nos dar.

Jesus neste Evangelho também nos ensina que as posses que venhamos a ter seja motivo de nossa alegria, nossa, não só da minha alegria.

Não comprando (os discípulos queriam comprar), mas partilhando, o sinal é outro: um novo tipo de mundo, um novo tipo de relacionamento para além daquele do “mercado” (Eu vou ali e compro algo para você é uma coisa. Já dividir o que eu tenho, “arriscando” que me falte, é outra). Aqui um novo rosto de Deus desponta: um Deus que entende a vida como dom, partilha de tudo que se tem e de tudo que se é.

Devemos lembrar que quando Jesus instituiu a Eucaristia sabia que tinha as horas contadas. E aí preparou o seu “adeus” durante um banquete, sua despedida em forma de testamento, sua “última vontade”. Qual será a marca que Ele quis nos deixar ao instituir a santa Eucaristia? Qual o sinal para identificá-Lo?

Lembremos dos banquetes de Jesus: pobres, aleijados, publicanos, mulher pecadora, etc. participavam. A mesa de Jesus era a mesa do amor incondicional. Celebrar o “corpo de Cristo” é jamais esquecer que Jesus se fez alimento e que a comunidade cristã não pode esquecer dos outros banquetes de Jesus nos quais os necessitados no corpo e na alma se achegavam.

Jesus disse: “Tomai todos e comei ... bebei”: o corpo, o sangue, o “eu, a pessoa do cristo é para ser assimilado até mexer e “complicar” nossa vontade, liberdade, opções. Quem comunga não deixe restos de hóstia na mão: que se assimile todo o Cristo, não só uma parte; que aquele que comunga se torne um dom, um alimento, faça da vida uma doação sem reservas. E isso porque comungou Aquele que também sem reservas se dou, se fez alimento, não retendo nada, amando até não poder mais.

Através da sua carne, do seu corpo, Jesus Cristo se fez alimento. O corpo é cheio, não é cadáver! O corpo é cheio da pessoa: eu sou meu corpo, meu corpo sou eu. Sou alimentado e alimento neste corpo, nesta vida, nesta minha história, nas pessoas que encontro, na minha família, no meu trabalho. Tudo se torna chance de ser alimento e de ser alimentado.

O impacto do dom. Na mesa Jesus acolhia a todos que quisessem receber um dom, uma presença amiga: Ele próprio. Quando o convidado de Jesus se permitia receber aquela presença amiga, ele mudava seja a vida, seja a existência. Conversão verdadeira só existe na experiência de ter sido querido (a) de verdade e incondicionalmente. “Meu Sangue derramado por vós”.  

“Do Senhor é a terra e o que ela contém” (Sl 24). Para o pensamento bíblico somos hospedes de Deus nesta terra, não os proprietários, donos. Se sou hospede e se somos hospedes, os bens não são de nenhum humano. Aqui temos uma profecia: um chamado a uma maior solidariedade humana.

O elemento comunitário. A cena do Evangelho de hoje nos mostra que a fome e a saciedade são vividos em comum. Não é isso bonito? Já pensou em partilharmos nossas necessidades, precisões, choros e lágrimas? Já pensou em partilhamos nossa alegria, satisfação, júbilo, sucessos e vitorias?

Mandai-os sentar ... deu-os a seus discípulos, para que os servissem ao povo.  Toda pregação da Igreja e as pastorais são chamadas a fazerem com que cada pessoa deste mundo se sinta servida do amor de Deus, se sinta merecedora de viver, se sinta capacitada para erguer-se e um dia amar também, servir também.

O “impossível” acontece quando se eleva os olhos aos Céus: dois peixes e cinco pães matam a fome de uma multidão. E se você acreditasse? Mas você pensa: “sou só dois peixinhos e cinco pãezinhos! O Evangelho também nos provoca a crer em Deus e em nós também a fim de deixarmos um pouco de pôr culpa nos outros e a pôr-se em questão e afinal assumir-se: “agora é a minha vez”.

Meus irmãos e irmãs, a marca de Cristo é essa: partir-se, distribuir-se, fazer-se alimento: “Tomou o pão, partiu, deu graças, e disse: acolhei-me, comei, bebei, assimilai-me”. A marca de Cristo, a marca de um que fez de sua vida uma doação até não poder mais. O corpo de Cristo não é para ser “adorado”, mas para ser deglutido, feito meu, entrar no meu corpo, entrar no meu eu, mexer na minha vontade, sentimentos, atitudes, liberdade...

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.