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FREI APOLÔNIO, um dom e uma tarefa!

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 04/06/2016 - 08:44

FREI APOLÔNIO, um dom e uma tarefa!

QUATRO TONS BRILHANTES.

Criados à imagem e semelhança de Deus, somos um dom (Cf. Gn 1, 26). Um dom! Reconhecendo-me um dom dou-me conta de nenhum direito, de nenhum mérito ou até mesmo de nenhuma disposição absoluta sobre mim. Sou um dom a mim mesmo: um “poder” nós faz ser. Sou um dom, chamado à gratidão: acato, reconheço aquilo que faz que eu seja. A resposta ao dom é a gratidão, inicio da religião. Criados à imagem e semelhança de Deus, somos tarefa. Somos um mistério, pois afundamos nossas raízes no “Alto”, no misterioso Deus. Frei Apolônio Troesi passou entre nós. E sendo ele um mistério para ele mesmo – pois homem afundado no mistério de Deus -, quanto mais o será para nós! Resta-nos deixá-lo passar, seguir, ir.... Nada em nosso poder, tudo nas mãos do Pai. Somos tarefa, qual tarefa a de frei Apolônio? Diríamos que a sua tarefa recebida de Deus se expressa em quatro tons:

 

1.      Convite ao “estupor”, ao arroubo, ao vislumbre, ao presságio de algo que desponta e que aponta para “algo mais” para além deste mundo sorrateiro, mesquinho, pequeno que tem nas posses e no dinheiro o seu aval. Frei Apolônio seja por índole poética seja pela formação em literatura italiana e clássica tinha essa marca. Em seus últimos momentos expressou a “Beleza” que por anos a fio lhe fascinava:

Nestes últimos dias um telefonema da Itália surpreende aos seus acompanhantes. Sua Irmã Rita, ligou para saber como ele estava ao que ele respondeu telegraficamente: “Ciao, ciao, estou indo! Estou indo para um lugar muito lindo; lá é lindo!; ci vediamo là; È meraviglioso! Meraviglioso! È meraviglioso! Ciao!” (cf. Frei Macapuna, homilia na missa de corpo presente E homilia na missa de sétimo dia).

 

2.      Convite à oração. Frei Apolônio, sendo atraído pela “Beleza eterna”, não poderia deixar de ser um frade orante. Quem com ele conviveu pode testemunhar o quanto prazerosamente, sem pressas, permanecia na capela seja para as horas canônicas seja para meditar, permanecendo sempre de olhos bem abertos parecendo ver ou procurando por ver “mais e mais”.

 

3.      Convite de inserção ao mundo dos pobres. Os ouvintes de frei Apolônio testemunham o quanto em suas homilias procurava despertar nas almas dos fieis a indignação para com as injustiças sociais e guerras e também o compromisso para a sua superação. Podemos avaliar seus modos de afrontar o sofrimento de tantos infortunados, mas não resta dúvida que frei Apolonio colocou em pauta e em ribalta a “questionis paupertas” enquanto convocava a fraternidade a não viver para si, mas viver em atenção para com os menos favorecidos. Se acreditamos que todo irmão é presente dos Céus para nossa fraternidade capuchinha, recebamos esse legado. Acreditamos que esta “inserção” seja um tom da sua tarefa ao passar por entre nós. Em época de ostentação e de bastar poder para fazer e comprar, o nosso confrade deixa-nos o legado, nos faz ouvir o salmo 40, 1: “Feliz de quem pensa no pobre, quem entende o pobre”. Feliz, na Bíblia, significa quem caminha no rumo certo. E, assim, quem não pensa no pobre e no fraco certamente está desvirtuado e caminha para a ruína da vida, perderá o que de melhor traz em si. Acreditamos nisso?

Nossa Província não faz muito tempo realizou uma Assembleia sobre as obras sociais. E desde então...

Parece que carecemos de uma decidida opção seja individual seja institucional que dê conta ou faça valer o legado dos “velhos” missionários. Será? O certo, no entanto, é que a opção preferencial pelos pobres, como disse o Papa Bento XVI, não é uma moda, mas puro Evangelho.

Frei Apolônio gostava de ir de ônibus público para as “invasões” e palafitas: profecia para o nosso tempo. Profecia enquanto nossa pastoral se mostra quase sempre como uma pastoral de manutenção, isto é, sem ousadia e sem novas iniciativas.

Frei Apolônio deixou-nos “marcos” que apontam para o mundo da compaixão, da misericórdia. Deixou-nos “Escolinhas” em vista do educar; Creches em prol de crianças e seus pais; Refeitório para saciar a fome de famintos; Ambulatório em vista dos doentes e voluntários; Casa de apoio para a segurança e conforto dos transeuntes.

 

4.      Austeridade. Parco no comer, parco no beber. Seu alimento era outro! Simplicidade: para quê o supérfluo? Espírito de sacrifício, pois quem quiser salvar a sua vida, seja sábio, faça bom negócio, invista a vida em serviço (a cruz). Viveu como pobre. Suas pobres havaianas testemunham a seu favor. No seu quarto, após seu falecimento, foram encontrados dois hábitos surrados e pouquíssimas peças pessoais, levando o Provincial a exclamar, admirado: “ele era um frade realmente pobre”. Austeridade denota uma luta, uma batalha gigantesca que combate o egocentrismo, o puxar as coisas para si. Em uma de suas ultimas frases, frei Apolônio deixou transparecer a luta: lutou consigo para passar a cuidar de outros e não outros quaisquer, mas os “outros-pobres”. Frei Apolônio disse ao médico dias antes de falecer: “Médico me deixa sair; tenho muitas coisas para fazer; tenho os pobres para cuidar” (Frei Macapuna, Homilia para a missa de sétimo dia).  Já dizia Jesus: “Onde está o teu tesouro está o teu coração”. Um legado que nos provoca: onde está o nosso coração, qual o nosso tesouro? Já dizia o salmista: “Feliz quem entende, pensa no pobre e no fraco” (Sl 40, 1).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.