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40 ANOS DA “PÁSCOA” DE FREI EMANUEL TURPETI

Publicado por Frei Antônio Macapuna | 02/04/2016 - 08:33

40 anos da “páscoa” de frei Emanuel Turpeti

1976 – 02/04 - 2016

Emanuel Turpeti era natural de Rivarolo Del Re Ed Uniti, Mântua/Itália, nascido aos 04/04/1945. Aos 15 anos migrou para Casalmaggiore, Cremona e, matriculou-se num curso de eletrotécnica. Frequentando o “Santuário della Fontana” conheceu e fez amizade com o venerando frei Félix Moioli, que sempre lhe repetia com ousadia: “vou fazer de ti um missionário”. A Graça divina paulatinamente fora instilando em sua alma juvenil, aquelas palavras de frei Félix, e o eletrotécnico tornou-se frade e missionário. Entrou no Seminário de Varese no dia 1º de abril de 1963, aos 17 anos. Logo notou-se a seriedade da sua conduta vocacional perceptível na oração, no espírito de serviço e na simplicidade de espírito. Aos 18 anos iniciou o Noviciado em Lovere (03/10/1964) onde o frio, as vigílias noturnas, o silêncio prolongado, jejuns e outros exercícios ascéticos obrigavam seu físico a notável esforço. Aos 04/10/1965, tendo aperfeiçoado seu conhecimento sobre o ideal franciscano, emitiu a Profissão Religiosa com o nome de FREI CLÁUDIO DE RIVAROLO DEL RE.

Após a Noviciado foi enviado a Sondrio, por três anos, onde cursou o liceu. Alegre e jovial empenhou-se nos estudos, na vida de oração, de fraternidade e nos trabalhos domésticos. Por seu senso prático, sobressaiu-se na arte de preparar Presépios, em montar o Altar da Reposição na quinta feira santa e na organização das amostras missionárias. Os voltâmetros eram de fato, o seu monopólio. Concluído o triênio em Sondrio, passou ao Estudantado Teológico de Milão; ali emitiu a Profissão Perpétua no dia 04/10/1968. Foi ordenado Sacerdote na Basílica de Santo Ambrósio, em Milão, aos 13/06/1973. Foi enviado a Lovere, sua primeira destinação.

“Vou fazer de ti um missionário!”

Esse é outro capítulo da sua vida: guardou no seu coração franciscano o segredo da vocação missionária para o “Norte do Brasil”. Embora conhecendo só indiretamente as fadigas dos missionários: clima, cultura, estradas, distâncias, semiáridos, sertões e florestas, a todos parecia improvável e até impossível que ele fizesse qualquer pedido para ser missionário. E, ao contrário, frei Emanuel deu a todos um brilhante exemplo de coragem e ousadia, surpreendendo os frades e seus familiares.

Dois anos depois, com poucas noções de língua portuguesa e missionologia, mas com boa vontade e solicitude deixou a Itália, sua Pátria, abriu mão da sua língua materna e partiu para a Missão do Maranhão/Pará. Partiu para nunca mais voltar. Chegou ao Brasil no dia 23 de maio de 1975 e, ao escrever aos noviços na Itália lhes disse: “Aqui estou melhor do que na Itália”. Depois de seis meses em São Luís, aos 12/11/1975 foi enviado a Primavera/PA, como coadjutor paroquial e responsável do Núcleo Vocacional, na esperança de logo formar um pequeno Seminário Seráfico em Capanema para as vocações paraenses.

Chegou a Primavera no vigor juvenil dos seus 30 anos, carregando na bagagem o nobre desejo de poder servir à Viceprovíncia que naquela época, entre trancos e barrancos, iniciava os primeiros passos da desafiadora tarefa da “plantatio ordinis” no Maranhão e no Pará. No dia 02/02/1976 foi instituído o Núcleo Vocacional de Primavera; éramos seis adolescentes que ele denominava de suas “seis dores”. E dizia que a sétima dor não a revelaria que, por enquanto era um segredo de Nossa Senhora. Qual seria esse segredo?...

“Sua sétima dor!”     

Como os operários da “primeira hora” contratados para a Vinha do Senhor, em frei Emanuel Turpeti fora depositada toda a esperança e a responsabilidade de cuidar das vocações paraenses, haja vista que em Barra do Corda, no Seminário Seráfico eram acolhidas as vocações maranhenses. Mas, aprouve a Deus que essa página da nossa história fosse escrita diferentemente. Nos planos de Deus, frei Emanuel “já estava maduro para o céu”. Assim o definiu o Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Ramos, no programa radiofônico “A voz do Pastor”, de 03/04/1976.   

Guardo na lembrança daquela tarde de 02/04/1976, que marcou minha vida para sempre: no dia 04/04 frei Emanuel faria 31 anos e no dia 12/04 eu faria 18 anos. Na tarde do dia 02/04, por volta das 14 horas, saímos de Jeep para Capanema, guiado por frei Emanuel. Fomos fazer compras para o Núcleo Vocacional. Na traseira do Jeep havia: meio saco de feijão (30 kg), meio de arroz (30), um saco de milho (60), 18 m de ladrilhos (São Caetano), e outras tantas coisas. O Jeep era baixo para traz e alto na frente. Estava sobrecarregado. Saímos de Capanema por volta das 17 horas e, a 12 km depois, por volta das 17/30 horas, um fatídico acidente automobilístico na rodovia Capanema-Salinas (PA 124), na altura da chamada “Quinta Travessa”, ceifou o dom de sua preciosa vida para a então Viceprovíncia.

A altura da “quinta travessa”, numa descida pouco íngreme um cachorro atravessou na frente do Jeep e na tentativa de desviá-lo o carro desgovernou-se, estourou o pneu dianteiro esquerdo e capotou, arremessando-nos na estrada. O meu colega feriu o nariz; eu levo na testa a marca de um golpe que não sei o que me feriu e frei Emanuel, sem nenhum sangramento ficou imóvel sobre o asfalto. Naquela estrada deserta, sob a noite que se aproximava e o cantarolar das cigarras, frei Emanuel foi socorrido por um “samaritano anônimo” que o conduziu ao hospital São Joaquim, em Capanema, mas, infelizmente, já deu entrada naquela Casa de saúde em estado de óbito. Causa mortis: “lesão traumática com fratura na cervical superior”. Frei Hermes Recanatti, incrédulo, ainda administrou-lhe a unção dos enfermos.

Sentinela e cortejo fúnebre!

Despachados os trâmites legais, seu corpo inerte foi conduzido para a Igreja Matriz de Capanema, onde foi velado durante a noite, pela Ordem Franciscana Secular e o Povo de Deus. Na manhã do dia 03/04, ainda na Matriz de Capanema, o Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Gaudêncio Ramos, concelebrou a Missa de sufrágio com alguns confrades proferindo palavras de fé: “a morte de frei Emanuel nos desígnios de Deus, é semente muitas vocações religiosas e sacerdotais”. Em seguida, uma carreata fúnebre o transladou para a Matriz de Primavera, onde o povo comocionado o aguardava ansioso, como se esperasse pela chegada de um ilustre filho da terra. Ó querido frei Arcádio Benzoni, ainda me lembro das muitas lágrimas que derramastes naquela ocasião, descendo sobre as maçãs avermelhadas do teu rosto rosado, rendido à dor e ao luto, enquanto abaixo, diante do altar, envolvido em silêncio, repousava um esquife de cor marrom, onde jazia inerte o corpo de frei Emanuel. E um ar de fatalidade confirmava: “tudo está consumado”.      

Às 15/30 horas, entre o bruxulear das velas que circundavam o esquife, o então Viceprovincial frei Martírio Bertolini presidiu a concelebração de sufrágio, e frei Arialdo Zambelli, como sabia fazer muito bem, proferiu o discurso fúnebre, dizendo que “a morte prematura de frei Emanuel era um porvir de muitas vocações para a Viceprovíncia”. Após a concelebração os frades e o povo conduziram o sepélio até o cemitério municipal onde foi sepultado. E, eis que um irmão, silencioso, mas capaz de grandes gestos, aparece em cena: frei Leônidas Vavassori. A ele se deve o grande cruzeiro erguido no lugar onde faleceu o nosso homenageado. Hoje, quem assumiu a responsabilidade da “Cruz de frei Emanuel” foi o povo da “Quinta Travessa” que o renova de tempo em tempo. Exumados, em 1991, seus restos mortais repousam junto ao altar de Nossa Senhora das Dores, na Igreja do Carmo, em São Luís/MA.

Os quarenta anos da morte de frei Emanuel, assinalam que a terceira etapa da implantação da Ordem dos Capuchinhinhos no “Norte do Brasil”, ultrapassou vitoriosa, 40 anos de lutas e labutas configuradas em uma realidade viva chamada PROVÍNCIA NOSSA SENHORA DO CARMO. Ó palavras proféticas aquelas de frei Arialdo Zambelli e quão verdadeiras aquelas de Jesus: “Se o grão de trigo cair na terra e morrer dará muito fruto” (Jo. 12,24). Quarenta anos depois me vem à memória a cena por mim contemplada naquela tarde inesquecível de 02/04/1976: seu corpo inerte sobre o asfalto entre sementes, pressagiando a sua missão no “Norte do Brasil”: ser grão de trigo caído na terra para dar frutos. Obrigado frei Emanuel, pois, os quarenta anos da sua “páscoa” correspondem aos meus quarenta anos de Convento. Frei Macapuna. 

Sobre o autor
Frei Antônio Macapuna

Frei Antônio Macapuna. Frade Capuchinho. Bacharel em Filosofia e em Teologia. Mestre em Teologia Espiritual Franciscana. Pregador de Retiro muito solicitado e conhecido. Por muito tempo trabalhou na formação como Mestre no: Postulado, Noviciado e Pós Noviciado de Teologia. Mora atualmente em São Luís, na Fraternidade Nossa Senhora dos Capuchinhos, na Vila dos Frades-Coroadinho.