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"BEM VINDA SEJA MINHA IRMÃ MORTE!"

Publicado por Frei Antônio Macapuna | 17/05/2016 - 11:36

"Bem vinda seja a minha irmã morte!”

 

Estamos a SETE dias do trânsito de frei Apolônio que desceu à mansão dos mortos. Dito isso, parece-me oportuno tecer uma breve reflexão sobre a visão do pai São Francisco a respeito da “Irmã morte” (2C. 217).

Francisco quando estava perto da sua morte: "Irmão médico, diga-me com coragem que a minha morte está próxima; para mim ela é a porta da vida!" E aos frades: "Quando perceberdes que cheguei ao fim, do jeito que me vistes despido anteontem, assim me colocai no chão, e lá me deixai ficar mesmo depois de morto, pelo tempo que alguém levaria para caminhar sem pressa uma milha". Semelhante atitude teve frei Apolônio, ao dizer: “médico me deixa sair; tenho muitas coisas para fazer; tenho os pobres para cuidar”. Resignado, ouviu o médico dizer: “o senhor não pode sair daqui”. E silenciou! Quiçá tenha rezado com todas as forças do seu espírito, aquele “Fiat voluntas tua” que, agonizante, Cristo rezou no gólgota.

Como para Jesus, seu Mestre, os pobres ocuparam um lugar privilegiado no seu labor de Capuchinho Missionário: as Escolinhas na periferia do bairro do Anil, para crianças em situação de risco; a Creche frei Daniel de Samarate, na Vila Litorânea, em São Luís; a Creche do Tucunduba e a do Pantanal, no bairro do Guamá, em Belém; o refeitório e o ambulatório para os pobres em Macapá. A Casa de apoio para os hansenianos em trânsito por Belém. Mas, ao chegar à sua última destinação missionária no bairro do Coroadinho em São Luís, seu coração inquieto pelos pobres, ainda planejava edificar uma Creche para as crianças daquele rincão vizinho ao Convento. Mas, os desígnios de Deus foram outros. Porém, decidiu-se que, doravante, a Creche no bairro do Pantanal em Belém, será chamada: “CRECHE FREI APOLÔNIO TROESI”, em homenagem àquele que deu tudo para os outros, não reservando nada para si.  

Já quase no píncaro do seu “consummatum est”, um telefonema da Itália ressoou nomóvil do Demétrio Saccomandi solicitando informações sobre o seu estado de saúde. Era a senhora Rita, sua irmã. Ele, já entregue aos desígnios de Deus, pareceu não dar mais importância àquele telefonema, mas, rendeu-se ao comovente apela de sua irmã e, ao pegar o telefone, disse-lhe: “Ciao. Ci vediamo lá. È meraviglioso! Meraviglioso! È meraviglioso! Ciao!”. Estas palavras ditas de modo lacônico arrancaram lágrimas do Demétrio Saccomandi, e como não devem ter ecoado no coração daquela que, do outro lado do oceano, levará impressa em sua alma aquele doloroso “Ci vediamo lá”. 

Enquanto os frades choravam e se lamentavam inconsoláveis, Francisco mandou trazer um pão. Abençoou-o, partiu-o e deu um pedacinho para cada um comer. Também mandou que trouxessem os Evangelhos e pediu que lessem o capítulo 13 do Evangelho de João: "Antes do dia da festa da Páscoa". Lembrava-se daquela sagrada ceia que foi a última celebrada pelo Senhor com seus discípulos. Fez tudo isso para celebrar sua lembrança, demonstrando todo o amor que tinha para com seus frades.

Ao contrário, frei Apolônio celebrou sua última Eucaristia, no domingo 24 de abril, pregou sentado e recolheu-se na sua cela; deitou-se e dormiu o dia inteiro. Sinal de que a sua situação era gravíssima. Frei Apolônio jamais se deitou num domingo pela manhã. Compreendeu-se então que ele estava muito doente. Internou-se na segunda feira 25 de abril e quinze dias depois, na segunda feira 09 de maio, já estava em estado dedefunção.   

Frei Apolônio, não convocou os irmãos para junto de si, mas acolhia gentilmente a visita de seculares; porém, mostrava-se feliz quando chegava um Irmão para visitá-lo. Sua última comunhão, em forma de viático, não teve mais forças para engolir. Estava aproximando-se a sua “hora”... Mas, do profundo do seu ser cristão, veio um brado como aquele de Cristo na Cruz: “Demétrio, não me deixa morrer como um cachorro! Absolve-me! Tu podes!”. E, finalmente, chegou frei Wanderlan com frei Gentil para lhe administrar a Sagrada Unção. Em seguida, com voz forte e decidida, disse: “Demétrio! Vamos rezar”. E em silêncio orante ouviu as palavras consoladoras: “São Francisco te abençoe e te conduza ao paraíso”. E ele próprio, arranca dos últimos cartuchos da sua existência, forças para dar o seu assentimento: “Amém”. 

E adormeceu sereno, quiçá unido ao seu pai São Francisco, rezando no espírito e na verdade da sua alma: “Absorve, ó Senhor, o meu espírito e, a ardente e suave força do teu amor arrebate a minha mente de todas as coisas que estão debaixo do céu, para que eu morra por amor do teu amor, como tu te dignaste morrer por amor do meu amor” (“absorbeat”).

A pessoa livre, aquele que descobriu o Amor verdadeiro, deseja unir-se totalmente ao Amado e, a morte é a única forma para entrar nesta comunhão total. A nossa sede de Deus será saciada somente quando estivermos com ele. Por isso, Jesus rezou na última ceia: “Dei-lhes a glória que me deste, para que sejam um, como nós somos um. ... Pai, quero que, onde eu estou, estejam comigo aqueles que me deste, para que vejam a minha glória que me concedeste, ... (Jo 17, 22.24). “Era ainda de madrugada”, 1 hora e 45 minutos do “segundo dia da semana” – ou seja, da segunda feira 09 de maio de 2016 – sua alma desprendeu-se do seu corpo abatido pela morte corporal, para estarcom o seu Senhor, assistido por frei Joacy Fernandes, que testemunhou o seu último suspiro de vida terrena.

Deixou órfãos os seus pobres que ele quisera sair do hospital para cuidá-los. Seu amor aos pobres não era demagogia. Era comunhão e compromisso. O muito dinheiro que passou por suas mãos, tinha destinatários especiais: os pobres. Para eles organizou creches, escolas, ambulatórios, casas de acolhida... E viveu como pobre. Suas pobres havaianas testemunham a seu favor. No seu quarto encontramos dois hábitos surrados e pouquíssimas peças pessoais, levando o Provincial a exclamar, admirado: “ele era um frade realmente pobre”. Frei Apolônio pensava como um poeta, mas caminhava como um andarilho: barba extravagante, jamais penteado, hábito aproveitado dos outros, havaianas que os estudantes lhes davam depois de as terem usado...

O seu sepultamento foi uma apoteose de solidariedade entre os confrades do Carmo, Vila dos Frades, Anil e COHAB. A concelebração presidida por Dom Franco Cúter, Bispo de Grajaú, reuniu 15 Sacerdotes e os Posnoviços deram verdadeiro espetáculo cantando a Missa Exequial. Nas três Missas de corpo presente os seus pobres sempre se fizeram presentes. Agora tem um túmulo Capuchinho no Cemitério São Pantaleão, inaugurado por frei Apolônio, Missionário Capuchinho às 11 horas do dia 10/05/2016.

Ele que admiravelmente contemplava a Virgem do Silêncio, numa pequena estátua de granito, agora é contemplado pela mesma Virgem, que deixando o nicho conventual foi colocada sobre o seu túmulo, como que rezando por ele, adormecido no Senhor. É apenas um símbolo, pois, no céu, a grande Senhora do Silêncio, já o conduziu para diante do Trono do Cordeiro (frei Macapuna).    

 

    

 

 

 

 

Sobre o autor
Frei Antônio Macapuna

Frei Antônio Macapuna. Frade Capuchinho. Bacharel em Filosofia e em Teologia. Mestre em Teologia Espiritual Franciscana. Pregador de Retiro muito solicitado e conhecido. Por muito tempo trabalhou na formação como Mestre no: Postulado, Noviciado e Pós Noviciado de Teologia. Mora atualmente em São Luís, na Fraternidade Nossa Senhora dos Capuchinhos, na Vila dos Frades-Coroadinho.