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IV Domingo do Advento - ano B - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 19/12/2020 - 08:23

IV Domingo Advento (Lucas 1, 26-38)

Virgem Mãe, Filha do teu filho, desde o princípio da criação o Criador visava tua criação” (Dante Alighieri, Paraíso XXXIII,1-3)

A liturgia da Igreja, no Evangelho de hoje, nos apresenta cena na qual Maria se torna o novo santuário e concebe a presença de Deus que se fez carne na carne dela.

Deus criou o ser humano no sexto dia para que com ele (o ser humano) se chegasse ao sétimo dia, ao descanso, ao término da criação. Para tanto precisava de um “sim”. Maria deu este “sim” (“Faça-se em mim...”). Maria se revela como a nova humanidade que liberta do pecado acolhe ao seu Criador. A partir do seu “sim”, Deus se faz homem entre nós a fim de que nós participemos de sua divindade, sua vida, e nos tornemos filhos no Filho. E, assim, Deus poderá descansar em todos nós.

Que o Evangelho deste IV Domingo do “Advento” nos estimule a dar-nos nosso “sim” a Deus a fim de que Ele se faça carne em nosso agir, em nossos sentimentos, pensamentos, em nosso falar....

- “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi e o nome da virgem era Maria” (vv. 26-27).

A Força, potência, de Deus (Gabriel), a Palavra de Deus, se faz presente em nosso existir, em nosso cotidiano, em nossa “Galileia”. Não estamos sós e nem abandonados a um destino cego, a um amanhã incerto. Importa acolher a Palavra, as visitas do Senhor, pois ela, a Palavra, nos forma, nos orienta, nos faz novos, nos faz renascer, gera novos e melhores pensamentos, sentimentos, atitudes.

- “Entrando, o anjo disse-lhe: ‘Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo’" (v. 28).

“Entrando, o anjo...” O anjo entra porque estava fora: pura novidade, grande surpresa. Maria recebe uma visita não conjeturável. A Virgem do silêncio estava em prontidão para algo novo em sua vida. Maria foi agraciada com tal visita e deixou o anjo falar e propor. Aprendamos com Nossa Senhora a fazer silêncio, a dar espaço e oportunidade para que o Senhor nos visite, entre, com sua Palavra e nos acontecimentos do dia-a-dia.

... Ave, cheia de graça”, isto é, “alegra-te”, Maria, e a paz, a graça, a alegria, a vida em abundância e as bênçãos de Deus estejam contigo.

Que todos nós possamos receber tal saudação, pois a vontade de Deus é que sejamos contentes (“Alegra-te”) e por isso nos criou do nada. Nosso Pai eterno, porque nos ama e nos quer bem, é contente com cada um de nós. Em outras palavras: nós somos sua alegria. Que sejamos alegres por saber que somos sua alegria, por saber, crer e aderir a uma verdade muito decisiva: sei que Alguém gosta de mim.

O anjo Gabriel dizendo a Maria “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”, está também nos apontando qual seja o sentido maior da vida. O sentido maior da vida é viver a presença de Deus em nosso mundo, em nossa intimidade, em nossa família. Sem a presença de Deus o humano vive, mas vive como pedinte que não recebe. A presença de Deus, que é toda bondade, beleza, verdade, gera vida em nossas almas e ao nosso redor. A presença de Deus na casa de Maria certamente a deixou em deleite, alegre, feliz, contente, exultante, encantada, em regozijo, usufruindo das pequenas e grandes coisas do dia-a-dia. Que o Senhor também nos saúde, nos reconheça, e nos enderece no mesmo caminho apontado a Maria (“O Senhor é conosco”), pois fora desse caminho só nos resta a tristeza, cedo ou tarde.

Para que a felicidade aconteça não basta que Deus nos ame. Faz-se necessário um amor correspondido: que nós também amemos a Ele. Fiquemos com o exemplo de Nossa Senhora (“Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”) e correspondamos aos apelos amorosos de nosso Deus.

O tema da alegria em nossas vidas é decisivo para que vivamos bem entre nós. De fato, quando uma pessoa vive contente não denigre ninguém, não faz mal ao próximo. Por outro lado, o homem vazio e triste tende a se ferir e a ferir a quem encontra.

Ainda buscando compreender um pouco mais as palavras do anjo Gabriel, entendamos que o anjo, ao dizer “Ave, cheia de graça”, estava dizendo a Maria: “alegra-te”, “seja feliz”, “mereces ser feliz”, “a graça de Deus é mais do que tudo”, “tudo é dom, amor e gratuidade”, “regozija-te”.

Considerando as devidas proporções, podemos dizer que “Cheia de Graça” ou Agraciada é o nosso verdadeiro nome que nos foi dado pelo Senhor. De fato, Ele tem por nós “graça”, “amor”, “alegria”.  Quando respondo à pergunta “Quem sou eu?”, encontro minha identidade. Pelas palavras do Anjo, descubro minha identidade: eu sou um ser agraciado, amado pelo “Amor-Deus” (“Deus é amor”). Sou amado como “o filho”, como único (Deus deu seu filho único em meu resgate), não como um qualquer. Sem esta verdade de fundo não há reconhecimento, aplausos, sucessos e fama nesta terra que me saciem. Eu sou o amor que Deus tem para comigo, meu nome “escondido” é o amor que Deus tem para comigo.  O Senhor me chamou do nada para a vida, e eu existo enquanto chamado e enquanto respondo. Sou chamado a responder. Eu sou um chamado a responder, eu sou relação, minha identidade é ser voltado para o outro, para o Outro, pois, criado por “Deus-Amor”, só me realizo amando e sendo amado.

Maria é chamada como “cheia de graça". Trata-se do verdadeiro e mais íntimo e profundo nome de Maria, Nossa Senhora.

Podemos explicar a expressão (ou nome) “cheia de graça” com as palavras “Agraciada” ou “Privilegiada”, ou ainda através de circunlocuções: “Ave, cheia de Graça”, isto é, “Maria, és objeto especial do plano salvifíco de Deus e de sua potência entre os homens. Maria, tu foste transformada pela graça de Deus e Deus age ativamente na tua vida. Maria, ‘cheia de graça’, és agraciada, cheia de Deus, cheia do amor. Tudo isso significa que Deus se compraz em Maria, tem amor para com ela, nela repousa como sua bem amada, tem em Maria motivo de alegria e a tem como “coisa” preciosa e digna de toda estima.

O Senhor é contigo”. O próprio Deus e Senhor, por sua liberalidade, é uma realidade em nossa direção, vem ao nosso encontro (“O Senhor é contigo”, está em tua direção, vem ao teu encontro). O Senhor é a grande companhia de nossas vidas. Deus existe lá onde é amado, acolhido, recepcionado, hospedado. Infelizmente, o Mentiroso tenta nos fazer entender que Deus seja um nosso concorrente, um inimigo de nossa alegria, um nosso estranho. Ora, se Deus é bondade, gratuidade, amor incondicional, dom, alegria e beleza, só pode ser imensamente agradável tê-lo por amigo, companheiro.

- “Perturbou-se ela com essas palavras e pôs-se a pensar no que significaria seme­lhante saudação. O anjo disse-lhe: ‘Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim’” (vv. 29-33). 

Perturbou-se .... pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação”. Maria é ativa e interage, acolhe a maravilha daquelas palavras e daquele visitante divino. Maria, com seu exemplo, nos convida a acolher as visitas de Deus em nossas vidas: momentos alegres, momentos tristes. Importa deixar-se provocar a fim de que os fatos reais da vida nos toquem, nos solicitem a dar uma resposta, a buscar o significado das coisas, dos acontecimentos, dos sentimentos e pensamentos.  Importa discernir as coisas e sugestões antes de tomar decisões: vem do mal ou do bem, nos leva ao bem ou ao mal?

Eis que conceberás e darás à luz um filho”.  Em Maria, Deus quer habitar entre nós, dar-nos seu filho que é “Deus-conosco”.

"Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”.

Deus tinha prometido que da linhagem de Davi nasceria o Messias. O filho de Maria, que se encarna em nossa humanidade, é “Deus-conosco”. A promessa se cumpre, o Messias estará para sempre entre nós com o seu Reino que tem as marcas da verdade contra toda mentira, as marcas da justiça contra toda opressão, marcas da misericórdia e paz contra todo rancor e vingança.  O Reino do filho de Maria impera libertando-nos para o amor, o serviço, a solidariedade.

- “Maria perguntou ao anjo: ‘Como se fará isso, pois não conheço homem?’ Respondeu-lhe o anjo: ‘O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus’” (vv. 34-35).

Como se fará isso?” Para gerar o filho de Deus em nosso mundo e fazer acontecer a fé, a esperança e a caridade em nosso meio e para superarmos tantas adversidades da vida, se faz necessário, para além de nossas forças, receber a força do Espírito Santo.

Tenhamos cuidado: qual espírito está governando nossa vida e quais vozes e conselhos nos guiam? Perguntar-se sobre isso é importante, pois cada um de nós age de acordo com o espírito, vozes, conselhos e palavras que escutamos e acatamos. Acolhendo o Espírito, Maria gerou Jesus. Acolhendo a verdade, o amor e o espírito de liberdade dos filhos de Deus, produziremos verdade e promoção do irmão, defenderemos a vida e a liberdade contra toda opressão interna e externa. Mas, infelizmente, podemos ouvir a voz da mentira e do egoísmo ou aquela voz que mesmo sendo da maioria não é voz da verdade.

"Também Isabel, tua parenta, até ela concebeu um filho na sua velhice; e já está no sexto mês aquela que é tida por estéril, porque a Deus nenhuma coisa é impossível” (vv. 36-37). 

Há um futuro bom, um amanhã esperançoso e uma promessa de felicidade. Tudo isso como dom, como presente de Deus, que supera nossas próprias possibilidades. Abramo-nos ao Senhor e deixemos que Ele crie o novo, venha entre nós, construa o seu Reino permitindo que Ele seja “Deus-conosco”. “... o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me ... e fui liberto da boca do leão” (2Tm 4, 17): Deus para além de nossas possibilidades.

Assim como no passado o Senhor deu um filho a Sara (mulher estéril e idosa), libertou Moisés e seu povo, fez com que Judite derrotasse o poderoso general Holofernes, etc., assim também hoje o Senhor abre-nos novos caminhos, traz-nos novidades; ainda mais porque em Cristo nos libertou do pecado (somos livres da culpa) e da morte (estamos vivos para sempre).

- "Então disse Maria: ‘Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra’. E o anjo afastou-se dela’” (v. 38). Todos nós queremos ser livres e quem sabe alcançar o máximo da liberdade. Maria, dizendo-se “serva e escrava do Senhor” revela uma intimidade de pertença. Maria pertence ao Senhor e por isso mesmo é uma mulher livre. “... vocês foram chamados para a liberdade ... sirvam uns aos outros mediante o amor” (Gal 5, 13). A liberdade verdadeira não é viver para si mesmo, enclausurado em si mesmo, usando e abusando das coisas e pessoas, mas consiste em uma entrega a outro, a outros, não por coesão, mas como “necessidade” em expressar o quanto se ama, o quanto se é livre de todo tipo de medo, insegurança, preguiça e egoísmo

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.