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III Domingo do Advento - ano B - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 12/12/2020 - 09:11

III Domingo do Advento (João 1,6-8.19-28)

Alguns dizem que estamos sozinhos: são os ateus. Outros dizem que mesmo havendo Deus, ele não interage conosco: são os deístas. Nós cremos que não estamos sozinhos e que o Senhor Deus interage conosco, vem ao nosso encontro, aponta um sentido maior para além das incógnitas (as grandes perguntas que fazemos à vida: “Por que isso acontece?” “Por que tem que ser assim?”). Alguns veem Deus na natureza. Outros veem a Deus na história, na vida. Mas existe uma forma privilegiada do Senhor Deus se mostrar. É através de testemunhas: “Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (vv. 6-7).

O desespero do náufrago leva-o a agarrar-se a qualquer coisa que esteja ao seu alcance a fim de livrar-se do afogamento que o espera. Aqui mora um perigo. Não é por acaso que tantos aproveitadores aparecem em épocas de desespero. Ao endividado aparece os empréstimos com altíssimos juros. Ao enfermo aparece o curandeiro. Para a pessoa solitária aparece algum aproveitador. Ao culpado aparece uma seita ou uma “igrejinha” na esquina que promete redenção. Não é por acaso que pululam os líderes religiosos e a iniciação ao mundo das drogas: ofertas que crescem num mundo marcado por falta de um sentido maior, pela falta de luz.

A “luz”. Como é bom discernir o certo do errado, a luz das trevas, o bem do mal. Como é bom saber o que é a direita e a esquerda. Como é bom ter luz na vida, saber por onde se anda, aonde se vai. Como é bom ter luz, ter Deus na vida. A luz de Deus nos “fala e explica sobre”, nos ilumina sobre a vida e sobre a morte, sobre o valor e a sacralidade da família, sobre o respeito que deve haver entre os casais e entre os pais e os filhos. A luz de Deus nos ilumina sobre o valor do trabalho e do descanso, sobre a velhice e a enfermidade. Ilumina-nos sobre a verdade e a mentira, sobre a simplicidade e o esnobismo. Esclarece sobre a importância da oração e do conhecimento. Ilumina-nos sobre tantas coisas. Precisamos de luz, de testemunhas iluminadas como São João Batista, e não de aproveitadores que se dizem luz, que chamam as pessoas para eles mesmos e não as levam para a Luz maior:

- “...  Ele confessou a verdade e não negou; ele confessou: ‘Eu não sou o Messias’. Eles perguntaram-lhe: ‘Então, quem és tu? És Elias?’ ‘Não sou’, respondeu ele. ‘És o Profeta?’. Ele respondeu: ‘Não’. Disseram-lhe então: ‘Quem és tu?’ ...  Ele declarou: ‘Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’, como disse o profeta Isaías’. ... ‘Eu baptizo em água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias’” (vv. 19-27).

Entender a vida, entender quem somos! João se entendeu, se descobriu, falaram dele: “... homem enviado por Deus ... Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos acreditassem por meio dele” (vv. 6-7); e ele falou de si: “Eu não sou o Messias ... Eu sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor’” (v. 23). João era a voz.... e eu sou quem? Interessante que quem sou eu “casa” (tem a ver) com a minha missão. João era a voz que clamava no deserto. O mistério de João era o mistério de um clamor no deserto. João era um apelo, um desejo, um grito, um clamor, que acreditava que um jardim pode nascer em qualquer que seja o deserto que estejamos atravessando. Nesta travessia importa endireitar os caminhos errados, e não os justificar. Importa buscar o Senhor, e não ideias e concepções de Deus que podemos criar a fim de justificar nossas más ações. João, no Evangelho de hoje, fala de si (“Eu sou a voz....”). E você, leitor?

Veio como testemunha” (v. 7). A palavra “testemunha” significa martírio. Importa que eu seja fiel aos princípios do Evangelho, custe o que custar. Não se pode negociar certos valores. Não se pode negociar a verdade, a fidelidade, a honestidade, o amor a Deus e o bem ao próximo.

Caso prestemos atenção João Batista se faz instrumento, se faz porta voz, se faz pequeno e aponta os holofotes para o grande outro, não para ele. Antes de João há a Palavra. Ele permite que a Palavra ecoe através dele. Que todos nós sejamos uma presença nessa terra, presença de um grande outro, embaixadores do grande Rei. “... Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram: ‘Então, porque baptizas, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?’ João respondeu-lhes: ‘Eu baptizo em água, mas no meio de vós está Alguém que não conheceis: Aquele que vem depois de mim, a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias’” (24-27).

Como é apaziguador encontrar alguém que nos transmita a serenidade, mesmo perante dramas e tragédias. Quem encontrasse João era direcionado para uma luz maior, o Messias, o Príncipe da Paz. Pensemos: quem nos encontra é direcionado para...., e lembremos que só gera quem foi gerado. Apontarei uma luz no fim do túnel somente se eu já estiver visto tal luz. Escuto a voz, a Palavra do arcano?

Endireitai o caminho do Senhor” (v. 23). Esperar contra toda desesperança”. O profeta nos desinstala, nos desassossega, nos desacomoda. Que ninguém se instale na zona de conforto, na própria tristeza, nem no próprio desanimo. O profeta nos estimula a acolher os desafios de Deus e nos convida a pôr-se a caminho com Deus em direção a um futuro novo de vida e de esperança. Por isso se diz na missa: “Corações ao Alto... o nosso coração está em Deus”.

“Eu baptizo em água”. Vamos ao batismo de João, deixemos a vida das trevas e aticemos e acordemos o desejo de uma nova vida. Eis o primeiro passo para acolher a Luz. O batismo de João implica abandonar a mentira, os comportamentos egoístas, as atitudes injustas, os gestos de violência, o comodismo, a autossuficiência, tudo o que desfeia a nossa vida, nos torna escravos e nos impede de chegar à verdadeira felicidade.

Em termos pessoais, quais são as mudanças que eu tenho de operar na minha existência para passar das “trevas” para a “luz”? O que é que me escraviza e me impede de ser plenamente feliz? O que é que na minha vida gera desilusão, frustração, desencanto, sofrimento?

“Mais e mais”. A vida ganha mais sabor e cor quando deslindamos nela, a cada dia, um vislumbre maior: a cada dia uma novidade que enche de satisfação o viver. Não é por acaso que a criança seja vivaz e inquieta: tudo por aprender hoje e o amanhã “só promete”. João prefere “desvalorizar” o seu batismo com água e apontar para “aquele” que vem e a quem João não é digno “de desatar as correias das sandálias”. Esse é que é “a luz” que vai libertar o homem da escuridão, da cegueira, da mentira, do egoísmo, do pecado. É como se João dissesse: “Não vos preocupeis com o batismo com água que eu administro, pois ele é, apenas, um símbolo de transformação e de adesão a uma nova realidade; mas olhai antes para essa nova realidade que já está no meio de vós e que o Messias vos vai oferecer e vos fará livres e lhes dará a vida definitiva. Esse que vem batizar no Espírito já está presente, a fim de iniciar a sua obra libertadora. Procurai conhecê-lo, isto é, escutá-lo e acolher a sua proposta de vida e de libertação”.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.