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II Domingo do Advento - ano B - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 05/12/2020 - 16:55

II Domingo do Advento (Mc 1, 1-8)

Tantas promessas neste mundo. Tanta oferta de felicidade. Muitos são os pensamentos e opiniões de uma vida melhor. Tantas expectativas colocamos em pessoas, em filosofias e religiões. Tanta espera feita ao amanhã. Tantos sonhos de realizações. Certamente tantos frutos serão colhidos e outros tantos não. Haverá sucessos e haverá desilusão. O Evangelho de hoje nos fala de um princípio maior, de um novo e real início e recomeço, de uma esperança certa..... :

“.... Eis que envio o meu anjo diante de ti: ele preparará o teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplanai as suas veredas (Mal 3,1; Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saíam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, e eram batizados por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados. João andava vestido de pêlo de camelo e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre. Ele pôs-se a proclamar: ‘Depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo’”.

- Sejamos humildes, reconheçamos que certamente não somos perfeitos e que precisamos melhorar em algo. Vamos, portanto, ao deserto com João Batista. Lá ouviremos: “Convertei-vos dos vossos pecados” (cf. 1,4). O deserto não é lugar para moleza: se não se faz algo para viver, morre-se. Vestes por escolher, adereços, enfeites, perfumes, lugares por frequentar, pessoas para passear, carros, padrão de vida, segurança física e de saúde, o trato por se dar, bens por dispor. Nada disso se tem no deserto. O deserto nos faz pensar sobre o que conta realmente na vida. O deserto quase que nos obriga a mudar nossas convicções, opiniões, julgamentos, ações, pois deixa cada um nu e só diante de si e de seu interior. Não é por acaso que evitamos entrar no deserto, no silêncio, na oração, em uma conversa franca. Mas, para ser franco, todo vez que nos sentimos num “deserto” é sinal de que o mal está sendo incomodado. É uma chance para afrontarmos o mal e sairmos vitoriosos.

- Conversão: ao invés de só criticar por que não confiar e estimular as pessoas? Conversão: afrontar os medos e os males que nos acossam. Crer num Deus e Senhor que ama, e sentir-se aceito por Ele, também é conversão. Conversão: cuidar expressando respeito, compaixão, ternura para com toda criatura. Conversão também é violência: afrontar com força nosso apego visceral ao mundo do “ter e ter mais”, ao mundo do usar e abusar de coisas e pessoas em vista de um mero prazer e deleite meu.

Conversão: tenhamos a ousadia de verificar como vivemos nesse nosso corpo? Com amor ou com o egoísmo? Endireitemos os caminhos do Senhor, eliminemos a “carga torta”: que os pés caminhem, que os olhos vejam, as orelhas escutem, a boca comunique e não minta, o nariz se aproxime e não repudie, as mãos toquem e não sejam indiferentes. Que o homem seja liberado, libertado dos ídolos (quem é o Senhor de tua vida? Por qual motivo decides isso ou aquilo?).

Conversão nos leva ao perdão. Perdão nos leva à cura desligando-nos dos fracassos nos quais estivemos mergulhados no passado.

- Que o nosso desejo maior seja desatado, liberado, libertado, solto, entre em alto mar. Principalmente os que estão na “meia idade” correm sério perigo de se fixarem nas próprias escravidões, apresentando-se como pessoas bloqueadas, “rígidas”, encouraçadas, incapazes de uma novidade na vida. O Evangelho nos incita a fazer desabrochar nossa verdadeira identidade e a vislumbrar flores que a vida tem a ofertar: “Uma voz clama no deserto: ‘Traçai o caminho do Senhor, aplanai as suas veredas’ ... E saíam para ir ter com ele toda a Judéia ... confessando os seus pecados”. Ao clamor de João, muitos responderam. Qual clamor ou quais clamores e apelos são nos feitos neste momento presente de nossa vida? Muitos “saíram” e foram ao encontro de João Batista. Eu, você, nós somos chamados a “sair” e “deixar” para ir ao encontro de um renascer, de uma novidade boa de vida, de uma redenção maior, de um fazer as pazes com a própria historia cheia de alegrias e também de enganos, crimes e pecados (ofensas dadas, ofensas recebidas).

- O “batismo de João”. Eu em meio às águas. Águas que matam e fazem viver. Reconheço que sou frágil em meio às águas (são mais fortes, podem me afogar). Além de frágil reconheço meus pecados e crimes. Indo ao batismo de João deixo que se abata o meu orgulho, o meu eu jactoso, minha “hybris”, e aceito, também, minha caducidade. Convidando-me ao batismo, João, fortemente, lembra-me que sou mortal, e impele-me a destruir falsas ilusões e certas resistências são abatidas. Queira Deus que o coração seja atingido pelo batismo, pois o coração é o centro das decisões, das escolhas, e as escolhas decidem meu amanhã, meu futuro, meu “destino”.

- Conversão. Façamos uma revisão de vida. Pode ser que fomos no passado ou somos no presente rejeitados, não bem quistos, manipulados. Talvez não temos a coragem e humildade para lidar com nossa agressividade, luxúria, ódio, vingança. Não é por acaso que criamos uma falsa identidade ou personalidade.

- O cansaço da vida, o desgosto, a melancolia. Quem permanece no “batismo das águas” corre o risco de morrer afogado. Não basta o “batismo de João Batista”, não basta reconhecer-se pecador. Urge um passo adiante, um degrau a mais. O Espírito é o respiro, a vida de Deus. São João Batista nos testemunho e nos dá o exemplo de como devemos anelar e esperar a condição de filhos de Deus, a filiação divina, o “batismo de fogo”. “Depois de mim vem outro ... Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo’".

- Façamos nossa parte: recebamos o “batismo de João” (batismo das águas). Mas, precisamos também do “batismo de fogo”. Fogo que purifica, elimina escória, falsidades que criamos de nós mesmos. O “batismo de fogo” visa destruir o falso e fazer brilhar a verdadeira pessoa que és tu. No dia em que uma pessoa nos olhar e perceber o “divino” em nós enquanto presença de bonança, verdade e forte fidelidade, naquele dia teremos a certeza que fomos de verdade batizados no “fogo”.

Vestido de pele de camelo. O camelo é o animal que atravessa desertos. Jesus foi aquele que por primeiro atravessou o deserto da morte. Nos vistamos de peles de Camelo, isto é, nos vistamos de Jesus, sejamos livres, pessoas livres, não mais sabotados e não mais chantageados. Assim venceremos os desertos presentes na vida.

- “... alimentava-se de gafanhotos”. O povo dizia que certos gafanhotos comiam serpentes. Há um alimento que mata a serpente, a mentira sobre Deus e sobre o homem (cf. Gen.3) que é a origem do mal. A serpente mente sobre Deus, mas não nos deixemos enganar: não é verdade que o mal e o sofrimento prevalecerão. A serpente mente sobre o homem, mas não nos enganemos: não é verdade que o homem seja abandonado por Deus. João Batista se alimentava dessa verdade que destrói a mentira acerca do homem e acerca de Deus. Sejamos fortes em nossa adesão ao Deus da vida e manteremos, assim, a nossa esperança e a nossa caridade, aconteça o que acontecer.

- “... alimentava-se ... de mel selvagem”.  É um convite a nutrir-se da Palavra doce de Verdade. O bem, a verdade, o justo, o puro: tudo que é bom se torna agradável como mel na boca.

Verdade tremenda. A humanidade poderá viver ou sobreviver sem o Messias Jesus de Nazaré, filho de Maria. Mas sobreviverá como uma moça que anseia por casar, mas não ver aparecer o noivo. Será uma vida, mas uma vida pesada, sem gosto, sem vitalidade. Por isso João Batista disse: “...não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado dEle”. Isto é: somente enlaçando-nos n´Ele, o Senhor, é que seremos vivos, fecundos, criativos, cheios de vida, vida que vence até a morte.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.