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Homilia do XXX Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 24/10/2020 - 09:16

XXX Domingo do Tempo Comum - ano A - Mateus 22, 34-40

O Evangelho de hoje nos pede de amar. Alguém disse que amar é dar o que não se tem. Neste sentido, algo me falta e, por isso mesmo, desloco-me para alguém, amo alguém, desejo alguém, sou constituído em direção à outra pessoa, quero oferecer meu ser a outro e que eu mesmo, com minha falta, seja suficiente ao outro. Queremos doar a nossa falta a alguém e nos colocar sob o olhar desse alguém como alguém amado. Devemos lembrar também que a palavra “amor” expressa um afeto ou uma atração que visa a posse de algo, uma virtude, alguém, a verdade, Deus. Expressa ainda uma eleição, a compaixão, respeito, um cuidado, a fidelidade, afeição por alguém ou por Deus.

Não sejamos metidos a autossuficientes, mas amemos a Deus e ao próximo.

“... ‘Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?’ Jesus lhe respondeu: ‘Amarás o Senhor teu Deus, de todo o coração, com toda a alma e com toda a mente. ... o segundo é semelhante a este: Amarás o próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas’”.

Ame! Não se meta a ser autossuficiente.

- Perguntando: “Qual é o maior mandamento da lei”, queriam uma norma de lei a cumprir. Talvez cumprir o a lei do “sábado”. Hoje em dia muitos procuram seguir a “lei” (certas igrejas) em busca de “salvação”. Jesus convida aos seus ouvintes a mudarem de rota: o mais importante é outra coisa, o mais importante é “amar”, portanto, “.... amarás o Senhor teu Deus .... e amarás o próximo como a ti mesmo” (amar a Deus, amar o próximo e amar a si próprio). Deus nos fez “prontinhos” para amar: tu tens dons que outros não possuem. Outros têm dons que tu os não têm. Que tal nos ajudarmos com afeto?

- O desejo de vida e de sobrevivência lateja em nós, mas.... ameaças estão por toda parte.  O caos está acima de nós: as forças de destruição, o destino, as dúvidas, o desconhecido. O caos está diante de nós: como levar a vida? O caos está atrás de nós: o passado não está morto, nos persegue! O caos está dentro de nós: temos medo, remorso, nojo, rancor, paixões sem limites e medidas. O caos está abaixo de nós: a morte, o desânimo, a idolatria (seitas), vícios, bebedeiras, prostituição. Então o homem grita: “Vinde, ó Deus, em meu auxilio. Socorrei-me sem demora!”. E, assim, o Senhor Deus nos deu a Lei, as Sagradas Escrituras para nos guiar frente ao caos. Qual o mandamento maior que nos livra do caos vivo e operante? Qual o mandamento maior que afronta a busca de sentido quando tantos falsos alicerces caem? Qual é o mandamento maior, o sentido maior, a força maior? Grande pergunta, grande questão! Não fazer tal pergunta é declarar que ainda não nos situamos como pessoas, pois a marca da pessoa humana é buscar o sentido maior.

Amarás como Deus ama....

- UM DESAFIO. “Sede perfeitos, assim como vosso Pai Celeste é perfeito”. O Pai convoca seus filhos a participarem de sua herança, a fim que a Vida d´Ele seja também a nossa. Por isso o mandamento: “Amarás...”. Adentremos, portanto, nessas águas mais profundas, enveredamos por uma estrada colorida, por um mundo ainda desconhecido, para uma novidade maior: o Reino de Deus.  Afinal, também para a morte tem jeito: “Quem ama já passou da morte para a vida” (1Jo 3, 14).

- DESCASO CONSIGO. Jesus nos exorta ao amor. Se Ele nos exorta é porque preguiçosamente tendemos a deixar de lado a nossa marca maior. Mas não tem escapatória. Somos feitos para Amar, para ter “outro” no próprio coração. Somos feitos à imagem e semelhança d`Aquele que São João disse ser o Amor. Não nos façamos tão mal, vamos dar ouvidos ao convite: “Amarás...” e “Amemo-nos não com palavras, mas com os fatos e em verdade” (1Jo 3, 18).

- No livro do Deuteronômio (6,5) a exortação é amar a Deus, e no livro do Levítico (19,18) pede-se de amar o próximo. A novidade que traz Jesus é ter unidos os dois mandamentos e tornar o amor a fonte de toda norma e “resumo” de toda a Lei. Só o amor, portanto, nos faz entender e interpretar as Sagradas Escrituras.

- UM AMOR MAIOR. O mandamento é para amar. Mas se Deus é amor, isso significa que sou chamado a “entrar” no mesmo espírito amoroso do Pai que ama seus filhos. Aqui o amor não pode ser mesquinho, tem o quilate do amor de Deus. Por isso Jesus explicitamente dirá: “Amai-vos como eu amei”. Já pensou passar a amar de todo o coração como o coração de Jesus, com todas as forças de Jesus e com toda a mente?

- VIVER PARA QUÊ? O mandamento de amar a Deus é uma chamada ao sublime, é nivelar o homem pelo mais alto possível. É um convite a não desistir do melhor que podemos ter, poder e ser. Não tenhamos, portanto, como parceiro maior nossas murmurações, nossos julgamentos, nossos apetites, nossos medos, mas aquele que nos procura, nos ama. Vivamos em direção à Ele, respondendo e dando atenção a estes cuidados de Deus que chamamos Amor.

- FLUIR. “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Deus me ama, amo a Deus e amo o próximo. Peçamos ao Senhor a liberdade de permitir que seu amor faça sua travessia: chegue até mim e siga em direção aos demais.

- “... amarás como a ti mesmo”. Como eu me amo? Se eu pouco me amo, também pouco amarei. O mandamento é para que eu me ame, amando a Deus de todo o coração. Sou chamado a amar o próximo: hei de procurar que o meu próximo chegue a amar a Deus, a se tornar também ele livre para amar.

- O FIM DE UM MUNDO. No dia que a humanidade entender que quem ama a Deus, ama o homem, e quem ama o homem, ama a Deus, naquele dia teremos dado um passo a mais em nossa religiosidade e em nossa humanidade, pois o Amor é único.

Para não reduzir o amor a um mero dever

- No livro do Gênesis, temos o convite a viver da árvore da vida, viver sendo alimentados, amados, e respondendo a tal amor amando o próprio Deus, a nós mesmos e aos irmãos (“Pois amor com amor se paga”).  O amor, portanto, não é primeiramente um “dever”, mas uma dádiva, um dom: “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ele nos ter amado e enviado seu Filho para expiar nossos pecados” (1Jo 4,10).

- A palavra “amor” (a-mor) significa negação da morte (a-morte): o amor nos impede da morte, pois nos permite fazer parte da Vida do Eterno. Um dia uma mãe disse que daria a sua vida pela vida de sua filha: de fato, portanto, o amor vence o medo da morte. Amar será sempre a mais alta espiritualidade, a mais elevada mística, pois Deus é amor e o amor tem essa capacidade de nos deixar estabelecidos, estacionados na Fonte de tudo, em nosso Deus, na Santíssima Trindade.

Marcas do amor

- Tantas coisas podemos dizer sobre o amor. Mas não podemos esquecer que o amor é, sim, fazer com que a outra pessoa se torne viva, esperançosa, capaz de amar.

- Amar não é mero sentimento ou emoção, pois é “fidelidade” e é também fazer o bem: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). O nosso dia-a-dia nos ofereça tantas oportunidades para isso! O primeiro a viver tal verdade foi o nosso próprio Deus.

- O “próximo” é o mais vizinho a mim. O “próximo” provoca e faz aparecer meus limites, virtudes e defeitos. Por isso, ataco e me defendo do “próximo”. Mas é também a ocasião para que o divino amor se manifeste como acolhida e compreensão.

Onde está teu tesouro, ali está teu coração”. Jesus amou fortemente a Deus Pai perdoando e salvando a mulher do apedrejamento, afrontando a lei do sábado ao curar neste dia, tocando em leprosos, defendendo os pequenos, exaltando a pobre viúva, abrindo a mente das pessoas, revelando o rosto de Deus, nos convidando à conversão, acordando cedinho para pôr-se em oração. Quando eu decidir não mais me trair, eu irei certamente eleger como meu “tesouro maior” o Amor que é Deus.

- Quem vamos eleger por amar em primeiro lugar? Sábio é eleger quem nos amou por primeiro. Amemos, portanto, Aquele que nos liberta e nos impede de sermos enganados por nós mesmos e por outras forças e potências. Que Ele seja o tesouro ao qual nosso coração esteja apegado.

- “Ame” é o convite do Evangelho desse domingo. Uma pessoa deixou-se tocar pela vida e por Deus, não mais ficou centrado só em si, não mais se fechou. O seu corpo, sua alma, sua mente e seu coração começaram a atuar, a voltar a viver. Somos chamados a tirar das algemas, liberar amor. Por que freá-lo, contê-lo?

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.