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Homilia do XXV Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 19/09/2020 - 17:49

XXV Domingo do Tempo Comum - ano A - Mateus 20, 1-16

“Não diga: ´Eu mereço mais`. Não diga: ´Eu mereço menos`”.

 - “O reino dos céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu para contratar trabalhadores para sua vinha” (v. 1). A “vinha” produz frutos. Frutos produzem manjares, delícias, boa bebida, boa comida, bom encontro de família, regozijo, paz e alegria. “...caridade, alegria, paz, longanimidade, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, continência” (Gal 5, 22). É a festa de Deus com o seu povo. Podemos traduzir esta festa com a expressão “O triunfo de Deus, do Amor, e do “bem-querer” entre os seres humanos”. E quem não deseja tal festa?! Ninguém é feliz sozinho: o nosso primeiro banho foi outro(a) que nos deu; assim, também, será o nosso último banho.

O Senhor Deus sempre nos chamará, nos provocará para usufruir de tal “vinha”. Os fatos da vida (alegres ou não tão alegres), nossas etapas de vida (infância, juventude, maturidade), nossos sonhos, sucessos e trabalhos são chamados também. As Sagradas Escrituras, a Liturgia, a visita a um enfermo são todos chamados e provocações do Senhor. Ele quer que participemos da festa da vida, da “vinha”. Não esqueçamos: a “vinha”, a festa da vida será sempre encontro com o próprio Senhor e com os demais que participam de nossa jornada nesta história que é a nossa vida, nossos anos de vida.

Chama atenção o fato do próprio dono da vinha sair para contratar operários. O normal é mandar o gerente. Mas, não! O Pai tem urgência de recolher os frutos da vinha e “pagar” os operários, isto é, tem urgência por oferecer sua própria vida. O Pai aqui se revela: Ele existe para nós, não pode estar bem vendo seus filhos fora da “vinha”. Sua a alegria se dá quando todos participam da vinha como membros de uma mesma família, trabalham nela, vivem dela. “Onde há caridade, Deus aí está”, diz o canto.

- “Acertado com eles o preço da diária, mandou-os para sua vinha” (v. 2). O patrão prometeu o preço de uma diária, e cumprirá a sua promessa, isto é, se participamos de sua vinha não morreremos de fome, teremos acesso à vida, cumpriremos a lei e os profetas (cf. Mt 20, 4), teremos o próprio Deus que se doa ele próprio quando promete algo. Viveremos como filhos de Deus e como irmãos: estaremos na vinha, nas delícias, nos manjares, nas delícias, num bom encontro de família, regozijando-nos, pacificamente e em alegria.

- “E, ao sair por volta das cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam desocupados e lhes disse: ‘Como é que estais aqui sem fazer nada o dia todo?” (v. 6). Enquanto os primeiros contratados já estavam a onze horas no serviço, estes são contratados apenas por uma hora. O patrão parece muito preocupado porque encontrou pessoas sem trabalho. Jamais será tarde, pois até o ultimo instante somos chamados a participar da “vinha”, da alegria de viver em “koinonia”, a fazer uma reviravolta na vida (conversão), a dar frutos de fé, adesão ao nosso Deus, pacto com Ele; a dar frutos de solidariedade, compaixão e atenção às faces, rostos que nos vêm ao encontro na jornada de nossos dias.

- “Eles lhe responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’” (v. 7). O papa Francisco reiteradamente tem dito que a Igreja deve ser uma comunidade “em saída”. Não será verdade que tantos filhos (as) de Deus estão por aí sem conhecer a “paz”, o “shalom” porque ninguém os contrata? Por falta de uma ação missionária tantas vidas se veem falidas, não desabrocham. Enquanto que com os primeiros o acerto foi de uma diária, e com os demais o acerto seria algo justo (cf. v. 4), com estes não se fala nada. Como será o acerto? Estão entregues à pura boa vontade do patrão.

- “Pelo fim do dia, o dono da vinha disse ao seu feitor: ‘Chama os trabalhadores e paga os salários, a começar dos últimos até os primeiros contratados’” (v. 8). O “fim do dia”, o fim de nossas fadigas, o que semeamos, o que plantamos: quais frutos colhemos e deixamos? O fim do novelo, a hora “H”, o fim dos dias do homem e da sua história. Tem início o pagamento das fadigas, o início do repouso e da recompensa. E para quem não crê no Amor que julga (cf. Mt 25, 32ss), lembramos que a consciência individual dá testemunho dos atos, mesmo que ninguém os saiba.

- “Chegando os das cinco horas da tarde, cada um recebeu uma diária. E quando chegaram os primeiros, pensaram que iam receber mais. No entanto, receberam também uma diária. Ao receberem, reclamavam contra o dono, dizendo: ‘Os últimos trabalharam somente uma hora e lhes deste tanto quanto a nós, que suportamos o peso do dia e o calor’. E ele respondeu a um deles: ‘Amigo, não te faço injustiça. Não foi esta a diária que acertaste comigo? Toma pois o que é teu e vai embora. Quero dar também ao último o mesmo que a ti. Não posso fazer com os meus bens o que eu quero? Ou me olhas com inveja por eu ser bom?’ Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (vv. 9-16).

- Muitas pessoas na época de Jesus, para sobreviverem com suas famílias, dependiam que alguém os contratasse para algum “biscate”. A parábola narra que todos receberam a quantia necessária para viver durante um dia. O Pai amou a todos, “alimentou” a todos, e todos viveram desse amor. Sem este amor a vida de um homem nesta terra se torna uma vã fadiga. Por isso, Jesus conta-nos tal parábola: para revelar que o Pai nos quer trabalhando e se alegrando na sua “vinha”, mesmo que seja nos derradeiros instantes.  E não se trata de uma recompensa qualquer que possa ser medida, calculada. O Pai não pode dar menos aos últimos, pois, na verdade, é Ele mesmo que se doa, e é próprio do amor divino não contabilizar o amor, mas amar sem medidas, sem rédeas e sem freios: o Pai não pode dar algo menos do que Ele mesmo.

- Por vezes o “justo” imagina que o “pecador” não deva merecer algo. Na parábola do filho pródigo, o filho mais velho não vê com bons olhos um pai que abraça seu irmão dissoluto. Os primeiros da parábola de hoje não concordam em receber a mesma quantia dos últimos trabalhadores. E, assim, colocamos sempre algo que ocupa o lugar do outro (No caso da parábola, mais importante do que o outro é certa ideia de justiça e de mérito), não sendo mais importante a felicidade do outro, mas o merecimento, o próprio ego, o próprio juízo e distinção, a própria forma de pensar.  Uma mãe, que ame seu filho, jamais ficará contente em ver o seu filho receber menos felicidade do que ela. Então.... se formamos uma só família como podemos nos alegrar procurando ser felizes sozinhos? Jesus, o Mestre, nos ensina que a minha alegria, salvação e felicidade estão, sim, implicadas com os demais, isto é, a felicidade divina que eu posso usufruir passa também em saber que o outro também esteja feliz. Não deixa de ser triste verificar que, na parábola, aqueles que trabalharam na vinha do Senhor desde o princípio do dia não se alegraram com os últimos. Parece até que estavam na vinha por obrigação, e não pelo próprio Senhor. Procuravam as bênçãos do Senhor e não o Senhor das bênçãos. Deveriam gritar de alegria por verem aquelas outras pessoas, que mesmo tarde, quase no final, entraram na ciranda, na roda da vida, na “vinha” do Senhor.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.