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Homilia do XV Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 11/07/2020 - 09:15

XV Domingo do Tempo Comum - ano A - Mateus 13, 1-23

- “Naquele dia .... Disse ele: ‘Um semeador saiu a semear. E, semean­do, parte da semente caiu ao longo do caminho; os pássaros vieram e a comeram (vv. 1-4)..... quando um homem ouve a palavra do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o que foi semea­do no seu coração. Este é aquele que recebeu a semente à beira do caminho’” (v. 19).

Podemos escutar a Palavra e, ao mesmo tempo, não permitir que “ela” se “aquiete” dentro de nós porque impermeáveis ficamos à Palavra. É como se a Palavra entrasse de um de um lado e saísse de outro. Achamos que “ela” não nos diga nada, que não seja para nós, e, assim, “ela” não cria raízes em nosso interior e não provoca nossa vontade, não gera novos pensamentos e não interage em nossas decisões. Simplesmente podemos considerar a Palavra como algo estranho ao nosso mundo: não tem nada a ver conosco, com a vida que se leva. É por este caminho que ao final não nos entregamos à “ela”. Por que tudo isso acontece se a terra e a semente são boas? A resposta é que o Maligno age, atua e arranca a Palavra que foi semea­da em nossos corações do homem.  Toda vez que escutamos a Palavra e a reduzimos à nossas opiniões, estamos “destruindo-a”. “Ora, todos fazem assim!”; “Se não fizermos desta maneira, não tem jeito!”. Tais são algumas expressões que usamos para afastar de nós a Palavra. Uma vez, Jesus anunciou que sua vida teria um desfecho glorioso através do dom de si. São Pedro reagiu, não aceitou a Palavra acerca do “dom de si”. Jesus, então, disse à Pedro: “Afasta-te de mim Satanás”. Deus tem sua Palavra que revela uma verdade e pede uma ação. Nós podemos ter a nossa verdade e decidir por um agir arrogante. É desta forma que o Maligno arranca de nós a Palavra. O Maligno quer nos convencer que a Palavra não tem nada a ver com o mundo real, com a vida concreta de cada dia.

Quê fazer para que a Palavra não me seja roubada? Eu devo insistir em escutar a Palavra até que “ela” se torne a mim familiar, e não algo estranho. A Palavra irá gerar em mim a fé que vence o meu mundanismo no pensar e agir, a fé que vence certas ações minhas que julgo impossíveis de deixá-las, a fé que vence tantos pensamentos maus que considero corretos.

- “Outra parte caiu em solo pedregoso, onde não havia muita terra, e nasceu logo, porque a terra era pouco profunda. Logo, porém, que o sol nasceu, queimou-se, por falta de raízes (vv. 5-6). O solo pedregoso em que ela caiu é aquele que acolhe com alegria a palavra ouvida, mas não tem raízes, é inconstante: sobrevindo uma tribulação ou uma perseguição por causa da palavra, logo encontra uma ocasião de queda” (vv. 20-21).

“Tudo no início é flores”. Tal ditado cai muito bem nesta passagem bíblica. Quanta alegria pode haver ao conhecer e acolher a Palavra. A pessoa começa a perceber um crescimento humano e espiritual, sente em si as melhoras, as superações e o entusiasmo. Mas, quando surge uma dificuldade, retrocede, olha para trás, e diz “não” à Palavra. O medo se apodera daquele que tinha alegria por seguir a Palavra.  Assim como há terra pedregosa (dura ou cheia de pedras), há também coração de pedra, coração morto de medo e que deixa de viver e palpitar. A alegria era muito superficial, pois internamente ainda se vivia em meio aos medos que “petrificam”. Certas expressões traduzem bem uma alma que vive em seus medos, que abandonou a Palavra e que deixou de sentir alegria: “É, eu sabia que era assim, que ia dar nisso”; “É inútil, não adianta”; “Tanto faz, pois não tem jeito mesmo e, afinal, tudo acaba”. O mundo de um coração petrificado é um mundo sem esperança, e viver sem esperança impossibilita a Palavra e seus frutos.  

O Evangelho de hoje nos revela que a tribulação pode fazer com que o ouvinte da Palavra a abandone. Podemos afirmar que a dificuldade “só” serve para revelar o quanto pouca esperança, confiança, há no coração daquele que abandona a Palavra por causa de uma ou várias tribulações, sejam elas provenientes de fora ou mesmo de dentro de nós.

Quando nós procuramos viver a Palavra, certamente haverá perseguição, pois a Palavra luta contra o mal presente em nós e fora de nós. E se lutamos contra o mal, ele lutará contra nós. Neste embate ou batalha, faltando esperança, perderemos, pois deixamos de esperar toda vez que o “resultado” não sai do nosso jeito, não é imediato, não é “aqui e agora”.

Só a “esperança” não permite que a semente caia em terra pedregosa, ou seja, não permite que retrocedamos diante das tribulações, revezes e contrariedades. E a Palavra pode nos dar “esperança” que precisamos para não retroceder e cair?.

É bom deixar claro que os revezes da vida e as tantas dificuldades que podemos encontrar nos fazem perder as “esperançazinhas”, as ilusões e os ídolos que construímos e que são frutos de nossa fantasia. As dificuldades simplesmente aniquilam as “esperançazinhas” e os nossos castelos de areia não sustentam, não regem, certas tribulações. No entanto, sem “esperançazinhas” e sem castelos de areia, e diante das dificuldades, só nos resta pôr nossa esperança em Deus, o Senhor. A esperança no Senhor nos dará um coração novo, fará o coração viver, palpitar, e ainda apontará caminhos de ação diante das dificuldades e situações.

- “Outras sementes caíram entre os espinhos: os espinhos cresceram e as sufocaram (v. 7). O terreno que recebeu a semente entre os espinhos representa aquele que ouviu bem a palavra, mas nele os cuidados do mundo e a sedução das riquezas a sufocam e a tornam infrutuosa” (v. 22).

Aqui temos a terceira dificuldade ou empecilho que impede a semente gerar frutos.  O cotidiano, o dia-a-dia, desgasta, cansa, e faz que até mesmo as melhores coisas, a maior das esperanças, a causa mais nobre, o amor maior e as suas juras, aos poucos, desapareçam. O fardo do cotidiano pode ser corrosivo e insidioso, e sem que nos apercebamos, sabotar um sonho bom, uma vocação, um casamento.  Não é uma tribulação particular; é a preocupação normal de uma vida, de como viveremos, comeremos e vestiremos. Claro que temos que nos ocupar para bem viver. O problema é quando nos “pré-ocupamos” demasiadamente como se vivêssemos só para este mundo, e quando elegemos coisas e pessoas como ídolos garantes do meu presente e do meu amanhã. Não permitamos que falsas seguranças e ídolos criados por nós sufoquem a Palavra. É sábio entender que a vida não pode se resumir a “posses”, pois ela, a vida, exige também amor aos demais, fidelidade, fé em Deus, esperança no bem, amizade.

Para superar o fardo do cotidiano urge que a Palavra penetre o cotidiano e suas circunstâncias. Com a Palavra, o meu dia-a-dia se reveste de um amor vencedor que ordena as coisas que terei de fazer e as relações que terei com as pessoas no meu trabalho e na minha casa.  

Acreditamos que Deus possa nos dar um amor por Ele. Só desta maneira seremos capazes de vencer todas as seduções, pois o homem se comporta segundo o amor que reina dentro dele. Somente Deus reinando em nosso espírito é que usaremos as “coisas da terra” tanto quanto nos servirão para amar a Deus e aos demais. Não nos deixemos reduzir a escravos das coisas, mas que as “coisas deste mundo” sirvam ao bem, estejam sob o domínio do nosso amor por Deus acima de todas as coisas.

- “Outras, enfim, caíram em terra boa: deram frutos, cem por um, sessenta por um, trinta por um (v. 8). A terra boa semeada é aquele que ouve a palavra e a compreende, e produz fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um” (v. 23).

Como vimos acima, a Palavra escutada, acolhida e compreendida, diante do Maligno e da nossa indiferença à Palavra, vencerá com a fé; diante de nossa dureza, medo e tristeza, vencerá com a esperança e confiança no Senhor; e diante da ilusão, seduções e vaidades do mundo, vencerá com o amor a Deus acima de todas as coisas.

Podemos, sim, passar a ser terra boa. A Palavra pode produzir muito em nós: mais do que esperamos. Podemos nos tornar a imagem e semelhança de Deus, mãe, irmão e irmã de Jesus (cf. Mt 12, 46-50), e, assim, em nosso mundo o Senhor da bondade passará a reinar.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.