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Homilia do XI Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 13/06/2020 - 10:12

XI Domingo do Tempo Comum

(Mateus 9, 35-10,8)

Não tem escapatória para o homem: se não encontrar os irmãos e se não se tornar filho se sentirá para sempre um deserdado.

Jesus percorria todas as cidades e aldeias. Ensinava nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando todo mal e toda enfermidade” (v. 35).  Percorrer, ir, andar.... Faz parte do nosso DNA buscar um “rosto”, uma “face”. Assim como você faz um caminho, um pedaço de estrada, ao caminhar, ao ir andando, assim também ser pessoa é, ao mesmo tempo, ir em direção aos outros e com esses chegar até ao grande Outro. É deprimente e triste permanecer fechado em si e sem nenhuma renovação. É perda de tempo não “conhecer” as pessoas que passam por nós. O povo de Deus no deserto andava. Andemos também nós; deixemos que o sonho da terra prometida nos inquiete e nos impulsione a sair do marasmo, da zona de conforto, da preguiça espiritual. Temos muitos irmãos por encontrar e um Pai por descobrir: avancemos, andemos a todas as “cidades e aldeias”. Um dia degustarei a delícia de ser um “filho” (como o Filho) e “irmão” de tantos. E Jesus percorria....em busca de irmãos do mesmo Pai.

Um nome, um programa.

O Evangelho de hoje nos apresenta o nome dos doze apóstolos (cf. 10, 2-4) e o nome do Salvador, Jesus. O nome “Moisés” significa “aquele que foi salvo das águas”. Um nome, um programa: e não é que ele salvou o seu povo das águas durante a travessia!! Você leitor, qual o seu nome? O seu nome é a sua missão. Existe uma missão válida para todos. É aquela de ir encontrar “irmãos”, pois temos um Pai comum, e se sou filho d`Ele, tenho muitos irmãos. Não os conheço, talvez. O meu nome, portanto, é ir encontrá-los. Quando será o dia que teremos alegria de encontrar tais irmãos, tal como encontramos um parente querido? O Evangelho de hoje nos desafia a isso!

Meu nome, meu programa. Jesus nos faz apóstolos. Minha missão, minha apostolicidade, eu a vivo no dia-a-dia, nesta família com sua rotina, no trabalho de cada dia, na igreja com os irmãos de fé, nos ambientes que frequento. A pergunta que fica é: “Qual a qualidade de meus relacionamentos, dos meus encontros?”. Importa não colocar “meu nome” a perder”.

Jesus nos cura

Para além dos nossos achaques, remédios e idas ao médico, o verdadeiro mal e enfermidade é não viver aquela vida de “filho” e de “irmão”. Os bons médicos de hoje sempre perguntam aos pacientes se eles estão de bem com todos. Por que? Porque os médicos já sabem que quando não estamos de bem com a vida, o corpo padece. Por isso Jesus curava anunciando o Reino de Deus. A cura virá recebendo o Reino, aceitando o Pai e aceitando os filhos desse Pai, o que significa fazer-se “filho” e “irmão”.

Entra na roda com a gente!

Vendo a multidão, ficou tomado de compaixão, porque estava enfraquecida e abatida como ovelhas sem pastor” (v. 36). Lembro da brincadeira de roda de infância. Lembro daquele momento no qual se procurava a mão de alguém a fim de “puxá-lo” para entrar na roda e cantar: “Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar....”. Anunciar o Evangelho, por qual motivo? Por proselitismo? Para tornar o meu grupo religioso mais forte, e uma vez mais forte poder barganhar, chantagear, ludibriar? Todo apóstolo de Jesus contempla o Pai. Descobre que o Pai tem um amor visceral, materno, por seus filhos. Quem quiser ser apóstolo de Jesus, que tenha esse mesmo amor visceral e materno pelos irmãos. De repente, pode acontecer, podemos descobrir de ainda não possuir o espírito do Pai que ama os nossos irmãos. Que fazer? Importa primeiro experimentar o amor do Pai. Só assim iremos em missão em espírito e verdade, com o Espírito de Deus. Ir em missão é partilhar a alegria de se ter um Pai e muitos irmãos ainda por descobrir.

Ovelhas sem pastor

Prestes à morrer, é o que significa “sem pastor”. O que será a fonte de água, os verdes prados no deserto e o motivo maior para viver? O homem não foi feito para viver sem o Pai e os irmãos! Sem o Pai de Jesus, sem os irmãos, filhos do Pai, só nos resta ir “escapando dia-a-dia”. Não é por acaso que o “sem-sentido” nos pega, que a ansiedade e depressão estão de tocaia a nos apanhar. Morre-se, vegeta-se, sobrevive-se, “a gente vai levando”.

Tomado de compaixão”, Jesus nos revela o Pai que nos ama visceralmente, maternalmente, a tal ponto que chega a ofertar em sacrifício a si mesmo, a fim de não nos deixar morrer saturados de nós mesmos e de nossa solidão. Teve compaixão de nós. Aceitemos sua compaixão, seu presente, seu amor. Agora, sim, podemos participar dessa maternidade de Deus. E “prenhe” de amor visceral vou em missão, executo meu “nome”, me torno apóstolo, novas relações acontecem ao meu redor.

Estou pronto

Disse, então, aos seus discípulos: ‘A messe é grande, mas os operários são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da messe que envie operários para sua messe’” (vv. 37-38).  A messe é tempo de colheita, os frutos estão prontos para serem colhidos. Qualquer pessoa deste mundo está pronta e à espera de receber o anúncio cristão. Por mais que sejam boas realidades, não posso me reduzir a um mero comprador, usuário, empresário, consumidor, assalariado, vendedor, cidadão, etc. E também devo lembrar que o poder, o ter e o prazer não resistem ao tempo. Sou algo mais, carrego comigo a exigência de que o Bem venha ao meu encontro e dou-me conta que o “amor” faz bem. E quando o Bem se tornar evidente e for a mim anunciado, que eu não o recuse, mas faça uma “aliança” com Ele, pois, assim, supero a minha solidão, encontro o Pai e tantos irmãos.

São tão poucos...

Os operários são poucos”. Poucos participam dessa compaixão do Filho pelos demais. Motivo? Falta oração! A “compaixão” – que nos leva para a missão – nasce de intimidade e comunhão com o Pai e o Filho. Ser mulher de oração, homem de oração, é participar daquele Espírito que “lança”, “empurra” e me tira da própria “embriaguês”. Para quem reza, o outro começa a ser importante, o outro aparece com sua dor, com sua expectativa, com seu anseio, com sua história de vida. Quem reza finalmente sai do egocentrismo. Quem reza se liberta de coisas e deixa de querer usar ou manipular as pessoas. Quem reza se torna livre e colaborador daquela obra divina, isto é, se faz próximo e conta aquele “segredo”: Somos filhos, temos um Pai em comum e somos irmãos.

- “Jesus conferiu aos apóstolos o poder de expulsar os espíritos imundos e de curar todo mal e toda enfermidade” (v. 1). Não há mal nenhum neste mundo que não possa ser vencido pela comunidade cristã. Enquanto os romanos esperavam amedrontar os cristãos, estes cantavam hinos a Deus, antes de serem devorados pelas feras. Em relação à humanidade que não conhece o Cristo, é muito diferente a forma como um cristão de verdade convive com os achaques da idade, com as traições, com os reveses da vida e com a proximidade do falecimento, e isso porque ele recebeu a “força” que vence todo mal e toda enfermidade. Vale lembrar, no entanto, que o poder que Jesus confere à nós é poder sobre o mal, não um poder de manipulação, humilhação dos fracos ou sedução dos frágeis.

- “... o Reino dos céus está próximo” (v. 7), isto é, pronto para ser vivido, praticado, experimentado, não deixe para amanhã, nem pense que já passou. O tempo é agora!

 - “Curai os doentes” (v. 8). Muitos, com muita fadiga, se mantém em pé. A comunidade cristã pode fazer algo por eles, pode “tomar conta” deles. Não é por acaso que temos a “pastoral da saúde” e a visita aos enfermos!

Ressuscitai os mortos” (v. 8). Oferecei o “amor”, pois quem ama passou da morte para a vida (cf. 1Jo 3, 14). Os “mortos” precisam de “amor” para serem ressuscitados. Quem se aproxima de nós sente essa vida nova?

Purificai os leprosos, expulsai os demônios” (v. 8). Purificar da culpa ou do pecado traz uma vida e tanto, quebra as correntes da agonia que prende a vida. Que passemos a uma vida de filhos, não de escravos; filhos que com imenso grito de liberdade reza ao Pai. “E vós não recebestes um espírito de escravos para cair no medo, mas recebestes o Espírito que vos torna filhos adotivos, por meio do qual gritamos: ‘Abbá, Pai!’” (Rom 8,15).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.