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Homilia da Solenidade de São Pedro e São Paulo / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 27/06/2020 - 10:00

Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos. Mateus 16, 13-19

"Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: ‘No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?’ 14.Responderam: ‘Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas’. 15.Disse-lhes Jesus: ‘E vós quem dizeis que eu sou?’ 16.Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!’ ....”

Distância! Pedro e os demais discípulos serão levados para longe, para Cesaréia de Filipe, e lá terão que se experimentarem porque serão provados, serão colocados diante de dois caminhos: insistir em apoderar-se de “Cesaréia de Filipe” ou receber as chaves do Reino dos céus; alimentar o desejo de vingança, de certa justiça humana, ou acatar o “Messias-Jesus” que realiza a justiça na prática do bem.

Todos nós passamos por “distâncias”! Imaginem um casal que por anos a fio veem seus filhos crescerem. Um dia, cada um dos filhos se distanciará, construirá, cada um, a própria família, irá para longe, terá a própria casa. Como o casal sobreviverá? Aceitará o fato de que a vida nem sempre é como se quer?

Distância! Imaginem dois jovens apaixonados e um deles decide romper, terminar o namoro. Distância! A idade e os achaques trazem distâncias de quando se era jovem e forte. Mudanças de cidade, amizades que se rompem, decepções, perdas de entes queridos, problemas financeiros e de realizações, o tempo que passa, a aposentadoria que chega.... tantas distâncias! Nestas distâncias seremos perguntados sobre o sentido da vida e sobre o sentido de tantas coisas, tais como o sentido do amor, da amizade, da fidelidade, da dedicação, dos sacrifícios, da fé.

São Pedro e São Paulo também viveram “distâncias”, situações novas que humanamente eram impossíveis de serem superadas:

“Naqueles, dias, o rei Herodes ...  mandou, além disto, prender também a Pedro. ... Nisto, apareceu o Anjo do Senhor .... O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no lado, e disse-lhe: ‘Levanta-te depressa’. E as correntes caíram-lhe das mãos .... Então, Pedro, voltando a si, exclamou: ‘Agora sei realmente que o Senhor mandou o Seu Anjo e me libertou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo judeu’” (At 12, 1-11);

“Caríssimo: Eu já estou a ser oferecido em sacrifício, e o momento da minha morte está iminente. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. ... E eu fui libertado da boca do leão.  O Senhor me há-de livrar de toda a acção perversa e me levará são e salvo ao Seu Reino celeste. Glória a Ele por todo o sempre. Amen” (2 Tm 4,6-8.17-18).

- “Quem é o Filho do Homem?” (v. 13).  Alguns respondem: “O Filho do Homem pode ser João Batista, Jeremias ou um dos profetas”. É... diante de desatinos e distâncias, como as que vimos acima, tendemos a dar respostas “humanas”, respostas “já dadas” que basicamente dizem assim: “A vida é assim!”; “Busque superar as distâncias, faça uma faculdade, faça academia, busque uma espiritualidade, busque um outro amor, faça o que quiser”. Nada contra tais atividades, mas chamamos atenção sobre a tentativa de querer tapar o sol com a peneira. Nestas respostas e tentativas de superação não há nenhuma novidade, são respostas que não provocam tanto e que, pior, “sepultam o Vivente” (“O Filho vivo de Deus”) que nos pode fazer vivos. De fato, o povo não dizia que Jesus fosse o filho do Deus vivo (cf. v. 14).

Nosso Senhor, em certo momento, provoca fortemente seus discípulos: “E vós quem dizeis que eu sou? Qual meu peso, importância e significado em vossas vidas? Eu conto alguma coisa para vós? Eu significo algo para vós?” Jesus provoca ser olhado, considerado. Ele quer entrar em comunhão e em diálogo. Jesus, o Filho de Deus entre nós, humildemente se expõe, mostra-se aberto e acessível, mostra seu amor. E quem ama deseja, quer ser aceito por aquele a quem ama. Amar é se expôr, é fazer uma declaração, é revelação, pois quem ama se revela e espera ser acolhido, reconhecido.

E tem mais. Os discípulos estavam em Cesaréia de Filipe, cidade bonita, confortável e até luxuosa. Herodes tinha começada a construção e seu filho Filipe a terminou. Os dois não deixavam de serem modelos de homens espertos que conseguiram algo na vida, mesmo que cometendo opressão e crimes. Bom... Jesus perguntando “Quem sou eu para vós?” está provocando seus discípulos (E a nós também) a tomarem uma decisão acerca de qual tipo de “homem” eles querem optar, tomar decisão, apostar a vida. Queriam eles, por ventura, serem concorrente aos grandes e reis da época, aos “Herodes e Filipes” que sempre aparecem em nosso meio? Desejavam eles um Messias que restaurasse a glória de Israel esmagando os inimigos? Podemos até imaginar o pensamento de Pedro: “Já pensou tomar posse de Cesaréia com a ajuda do Messias?”

Acreditamos que com aquela pergunta “Quem sou eu para vós?” feita em plena Cesaréia de Filipe (Cesaréia era “um sonho de consumo”) os discípulos tiveram que escolher entre optar pelos bens, glória e poder com a ajuda do Messias, ou optar pelo Messias Jesus, pela pessoa de Jesus. Hoje em dia tem aquelas pessoas que andam por aí à procura, não de Deus, mas daquilo que Deus possa oferecer para elas. Coisa feia! É como procurar se aproximar de alguém, até fingindo amizade, só porque este alguém dispõe de vantagens, dinheiro, fama, influência e bens.

Pedro responde pelo grupo: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Pedro estava dizendo: “Tu és o Vivente, Aquele que me faz vivo, o Esperado do meu coração, a Plenitude dos meus desejos e dos meus anseios, a Realização de todas as promessas. Tu és o meu Deus, o meu Tudo”. A partir daquele dia Pedro será “Pedra”, receberá um nome uma missão, um destino, um futuro, saberá o que fazer da vida e como “consumir” os seus dias nesta terra. Pedro nasceu novamente, se fez nova criatura. “Em tua luz veremos a luz”: quando descobrimos a luz de Cristo passamos nós mesmos a enxergar uma luz própria. Não é por acaso que os apaixonados, como dizem os poetas, “veem passarinhos” toda hora, isto é, estão sempre alegres, felizes, sorrindo, cheios de sentido na vida.

Qual o segredo? Pedro descobriu o Vivente no homem Jesus. O Vivente é o meu apoio mesmo que tudo caia e todos me deixem. O Vivente me faz sentir capaz de tantas coisas, pois n´Ele está minha fonte. O Vivente me faz viver e escolher. Importa eu tomar partido, escolher o Vivente que a mim se mostra e me provoca e convoca: “Quem sou para ti?”. O grande escritor Sartre deixou-nos uma triste lembrança. Dizia ele que aos cinco anos de idade, depois de um incidente em seu quarto no qual causou um incêndio que quase o levou a morte, Deus lhe apareceu. E ele – Sartre – disse “não” a Deus. Sartre concluiu o trágico episódio de sua vida dizendo que depois daquele dia nunca mais Deus lhe apareceu. Para Sartre, Deus foi merecedor de um “não” bem dado. A pergunta, agora, se volta para nós: “Quem sou eu para ti?

Aceitar que Jesus, o filho de Maria, seja o Messias? Só uma graça especial torna isso possível (“... não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus”). Por quê?

Enquanto os judeus esperavam o “dia da vingança” (cf. Isaias 61, 2.5), Jesus apregoa o perdão e proclama a “esperança” também para os pagãos e invasores.

Esperar o “dia da vingança” é aquela satisfação que temos quando tudo acontece segundo o nosso planejado, o nosso desejo e também segundo o que achamos certo, correto e justo. Por isso é bem capaz que cada um tenha o seu “deus” na própria cabeça.

- “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (vv.18-19). Na fé de Pedro o Senhor edifica sua Igreja. Aquela fé: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. Não há outro caminho de acesso ao Reino: se estamos com Pedro e sua fé, estamos nos “céus”; e se não estivermos com Pedro e sua fé, estamos errantes, batendo em portas erradas, estranhos ao Reino, aos “céus”. E a fé que nos salva, a fé de Pedro, é esta: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. Jesus é o Cristo. E Jesus perseverou no caminho do Pai, não resistiu ao malvado e venceu o mal com o bem. A este Jesus devemos proclamar como Nosso Senhor, como o Cristo, o Filho de Deus vivo.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.