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Homilia da Solenidade da Assunção de Nossa Senhora - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 15/08/2020 - 13:02

Solenidade da Assunção de Nossa Senhora

(Ap 11, 19. 12, 1.3-6.10; Lc 1, 39-56)

O pecado e a morte entraram na vida dos homens e mulheres:

... por um só homem o pecado entrou no mundo, e pelo pecado, a morte...” (Rm 5, 12).

Houve uma promessa: a descendência da “mulher” esmagaria a cabeça da “serpente”, e, então, a morte e o pecado seriam vencidos:

Cristo ressuscitou dos mortos, primícias dos que morreram” ( 1Cor 15,20). Jesus Cristo ressuscitou como o primeiro, e os cristãos após Ele. “Porei inimizade entre ti (serpente) e a mulher, entre a tua descendência e a descendência da mulher. E Ela (a descendência da mulher) te atingirá a cabeça. E tu lhe atingirás o calcanhar” (Gn 3, 15).

Não se pode separar a “descendência”, Jesus Cristo, da mulher, a mãe da nova descendência, a geradora de Jesus, Maria Santíssima. Com a ressurreição, a promessa se cumpriu, e Jesus, vencendo a morte e o pecado, passou a manifestar um corpo glorioso. Com a ressurreição de Jesus, Maria, após sua morte, foi “elevada aos Céus” (assunção), glorificada no seu corpo virginal. De fato, o dogma da Assunção declara:

 “... a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi elevada em corpo e alma à glória celestial”.

Em “corpo e alma”. Com tal definição a fé da Igreja quer afirmar que a salvação é total, não é só da alma de Maria, mas da sua pessoa, em sua totalidade. Em “corpo e alma” seremos ressuscitados também nós: não perderei minha identidade, meu eu, minha corporeidade. Em “corpo e alma”: não me tornarei uma mera energia ou uma gota d´água em um qualquer oceano; nada de nirvana ou reencarnação que me “tornaria” não sei quem ou o quê.

Quando falamos de corpo ressuscitado estamos falando de corpo somático ou biológico sujeito à caducidade? Certamente não, pois estamos nos referindo a corpo glorioso (cf. 1Cor 15, 54), luminoso, cheio de Deus.

- A comunidade cristã primitiva já atestava a existência de irmãs e irmãos já salvos em Deus. É por isso que encontramos nas Sagradas Escrituras (Bíblia) passagens como as que seguem: “... uma igreja esplêndida, sem mancha, nem ruga, nem defeito algum, santa e irrepreensível” (Ef 5, 27), “Uma mulher revestida de sol” (Ap 12, 1).   

- Não é verdade que todos os humanos resistem à “graça”, pois existe um “... resto que diz sim à graça” (Rm 11, 6). Não se trata só de uma maneira de falar ou de algo genérico (uma “igreja”, um “resto”), mas também de um rosto, de algo que acontece em uma pessoa, uma criatura: em Maria de Nazaré, por exemplo. Por isso, Nossa Senhora, que é apresentada como verdadeira discípula, como bendita porque acreditou, como mulher vestida de sol (de Deus), como igreja irrepreensível, como quem diz sempre “sim” à graça, é proclamada “Assunta” (elevada) nos Céus. Ela, criatura de Deus, conseguiu: assim podemos nós também conseguir, pois, afinal, todos nós somos chamados à assunção em Deus.

- Alguém pode dizer: “Jesus Cristo, o jovem Galileu, viveu conosco, ressuscitou, mas era Deus. Nós, não! Somos meras criaturas, não respondemos completamente à vontade do Senhor”. Diante disso é que a festa da Assunção vem nos provocar: “Olha...veja Maria, criatura também ela, e, no entanto, chegou lá”. Não esqueçamos, portanto, do nosso amanhã, da nossa meta final. Não esqueçamos que somos chamados à mesma “coisa” que aconteceu com Maria e acontece com a Igreja: somos chamados à assunção, pois uma vida divina foi nos dada, e desde agora já podemos nos deliciar desta vida nova: “... com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus em Jesus Cristo”(Ef 2, 6).

- Pela Encarnação, pela vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, a vida do Eterno já se faz acontecer em todo discípulo do Senhor. De fato, ... vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 3). E não só temos uma “vida escondida com Cristo”, mas também já somos assumidos e acolhidos pelo céu: ... com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus em Jesus Cristo”(Ef 2, 6). De alguma maneira já participamos de sua ressurreição e ascensão junto ao trono de Deus.

- A festa da Assunção nos anima no sentido de revelar que isso já aconteceu plenamente em Maria, pois, o Verbo, Deus mesmo, se fez carne na carne de Maria, e, assim, a carne de Maria ganhou o mesmo destino da carne do seu Filho. O Verbo de Deus (Isto é, Deus como ação e presença) gerou e assumiu a carne de Maria de uma maneira especial e única quando na carne de Maria habitou por nove meses. Uma união assim tão carnal e espiritual, tão humana e divina, não poderia ser passageira, mas inseparável: é para sempre tal união. A carne de Maria, a pessoa de Maria, habitada pelo Verbo, por Deus, foi assumida para sempre, está gloriosa no Céu:

“... a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta (elevada) em corpo e alma à glória celestial” (Assim o dogma define).

 Motivo de festa.

- No Evangelho de Lucas, Maria profetiza: “Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada” (Lc 1, 48), isto é, me chamarão de feliz, salva, redenta e realizada como quem já alcançou o destino para o qual foi criada. Na festa da Assunção de Maria somos chamados a cumprir essa profecia evangélica, isto é, vamos fazer festa e celebrar as maravilhas que o Senhor fez em sua serva, pois ela, a Virgem Maria, foi salva, redenta, assumida em corpo e alma nos céus. E, assim fazendo, a profecia de Maria se cumpre: “Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada” (Lc 1, 48).

Não esqueçamos que “bem-aventurada” significa que em Maria a grande promessa se cumpriu, que ela chegou, alcançou a meta, atingiu a cabeça da serpente, venceu a corrupção, o pecado, a morte (“... E Ela - a descendência da mulher-  te atingirá a cabeça...” - Gn 3, 15).

- Nesta festa celebramos o poder salvador do nosso Deus e reconhecemos que Maria chegou lá, alcançou a felicidade, o estado de “beata”, de salvação definitiva. “... com Ele nos ressuscitou e nos fez sentar nos céus em Jesus Cristo”(Ef 2, 6).

- Maria fala, João salta, louva, bendiz, presta culto (cf. Lucas 6, 23; 2Sm 6, 16). João dançou diante de Maria e Jesus. Davi dançou diante da Arca da aliança. A Arca significa que Deus se faz “próximo” através de alguns objetos que a Arca continha (as duas tábuas da lei; a vara de Aarão; e um vaso do maná). Maria grávida significa mais do que proximidade de Deus, pois significa que Deus não somente se faz próximo ou perto, mas se faz em nós, conosco, habitando em nós; é o “Emmanuel” (Deus conosco).

Se a fé bíblica do Antigo Testamento jubila diante da Arca que trazia objetos e escritos sagrados, quanto mais devemos dançar diante daquela que traz, não objetos e escritos sagrados, mas o próprio Deus entre nós. Só quando entendemos isso, podemos compreender também o culto mariano.

- O culto mariano é a ação de se deixar tomar pelo encanto da alegria de que existe, indestrutível, o verdadeiro Israel que não resiste ao Senhor: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. O culto mariano é o lançar-se bem aventurado no júbilo de engrandecer o Senhor (Magnificat) e com isso é louvor d´Aquele ou para Aquele de quem a Filha de Sião é devedora, pois Ele fez nela “maravilhas”. O culto mariano é louvor d´Aquele ou para Aquele que ela, Maria, traz dentro de si, como a verdadeira, incorruptível e indestrutível Arca da aliança que sempre diz “fiat”, “sim”, “faça-se em mim a Vontade do Senhor”.

Abriu-se o templo de Deus no céu e apareceu, no seu templo, a arca do seu testamento. Houve relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e forte saraiva. Apareceu em seguida um grande sinal no céu: uma Mulher revestida do sol, a lua debaixo dos seus pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. .... Eu ouvi no céu uma voz forte que dizia: ‘Agora chegou a salvação, o poder e a realeza de nosso Deus, assim como a autoridade de seu Cristo, porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que os acusava, dia e noite, diante do nosso Deus’” (Apoc, 11, 19; 12, 1.3-6.10).

O templo de Deus aberto faz com que se veja, escute e sinta. Quem vê, escuta e sente, acorda, desperta, dar-se conta e sai de si, pois se deparou com outra coisa, com a realidade, com Deus falando nas coisas, acontecimentos e pessoas. Ver é sempre uma novidade, faz bem, pois nos traz sentido para o viver. Celebrar a Assunção de Maria é trazer luz a este mundo, proclamar a potência de Cristo que pode nos ressuscitar. A festa da Assunção é profecia: o que já aconteceu com Maria irá acontecer conosco. A festa da Assunção fala do nosso destino glorioso, do destino da criação. A festa de hoje nos interpela a crer que Deus tem projetos grandiosos para cada um de nós.

- Importa celebrar a festa da Assunção de Nossa Senhora, pois há também os que se acomodam em não esperar mais nada da vida, nem no pós-morte. Há os que imaginam que no pós-morte será só uma energia ou “sei-lá-o-quê”. Não! O ser humano, na festa da Assunção, é chamado a pautar sua vida no “sim” para com o Deus de Jesus, e é chamado a olhar para o destino glorioso de alguém que não perde o seu nome, a sua identidade, não reencarna, mas ressuscita, preserva o seu belo corpo, seu nome, sua vida. Ao contrário de Eva, Maria passou pela prova, se deixou conduzir pelo Senhor e aderiu (Disse “sim”) ao chamado: “Feliz aquela que acreditou, porque será cumprido o que lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc 1, 45).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.