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IV Domingo da Quaresma / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 25/03/2017 - 16:53

IV Dom Quaresma João 9, 1-41

 “Viver, ser uma pessoa iluminada é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. Talvez o ex-cego nos diria: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no Enviado (Siloé) que você não conhece como eu mergulhei, pois afinal Jesus mandou. Não se preocupe em entender, viver, enxergar, ter luz e ser iluminado ultrapassa qualquer entendimento”.

“Caminhando, viu Jesus um cego de nascença. Os seus discípulos indagaram dele: Mestre, quem pecou, este homem ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem este pecou nem seus pais, mas é necessário que nele se manifestem as obras de Deus. Por isso, enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. Dito isso, cuspiu no chão, fez um pouco de lodo com a saliva e com o lodo ungiu os olhos do cego.  ... o cego ... lavou-se e voltou vendo. ... Mas os judeus não quiseram admitir que aquele homem tivesse sido cego e que tivesse recobrado a vista, até que chamaram seus pais. E os interrogaram: É este o vosso filho? Afirmais que ele nasceu cego? Pois como é que agora vê? Seus pais responderam: Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego. Mas não sabemos como agora ficou vendo, nem quem lhe abriu os olhos. Perguntai-o a ele. Tem idade. Que ele mesmo explique. ...  Jesus soube que o tinham expulsado e, havendo-o encontrado, perguntou-lhe: Crês no Filho do Homem? Respondeu ele: Quem é ele, Senhor, para que eu creia nele? Disse-lhe Jesus: Tu o vês, é o mesmo que fala contigo! Creio, Senhor, disse ele. E, prostrando-se, o adorou. Jesus então disse: Vim a este mundo para fazer uma discriminação: os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos. Alguns dos fariseus, que estavam com ele, ouviram-no e perguntaram-lhe: Também nós somos, acaso, cegos?... Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado, mas agora pretendeis ver, e o vosso pecado subsiste." 

Você já foi olhado(a)?  "Caminhando, viu Jesus um cego de nascença”. Certamente a experiência de ser olhado, visto, eleito e escolhido é um dos maiores regozijos que se possa usufruir. Deus, não é meramente um ser, uma energia, mas uma pessoa que se fez carne, gente entre nós. Sartre dizia que “Meu inferno é o olhar do outro”. Visão pessimista de tal filósofo. De qualquer maneira, um “olhar” nunca é indiferente. Um “olhar” mexe com a gente, pois um “olhar” é uma pessoa que se dirige a nós. Quais olhos nos olham? Olhos, olhares benfazejos ou nefastos? Um olhar pode nos elevar e pode nos humilhar, pode nos fazer acreditar mais em nós ou nos censurar, pois um olhar é sempre alguém vindo até nós. Naquele dia o cego de nascença foi olhado, finalmente olhado por alguém de coração. E que olhar! O olhar de Jesus de Nazaré, filho de Maria. Olhar que descortina tantas coisas na vida do outro: problemas, angústias, dificuldades, exigências. E, acima de tudo, olhar que visualiza e enxerga o brilho existente em cada pessoa. Jesus com seu olhar iluminado viu o que aquele “cego” era capaz de vir a enxergar e de escolher a Luz, não era destinado a permanecer naquela situação e bem poderia voltar a viver, a ver a luz, o brilho, a beleza que há na vida”.

Olhar cheio de luz. O olhar é a pessoa. Jesus com seu olhar se aproxima. Recupera a vista do homem, sua falta de luz, com a própria saliva, isto é, Jesus passa seu espírito a aquele homem (para os antigos, meu espírito se faz presente em minhas secreções), com uma vez Deus fizera (Gn 2, 7).

Quando não nos preocupamos com os “cegos” nos preocupamos com o quê? Na verdade, parece que precisamos um dia passar por um “aperreio” a fim de que passemos a imaginar o quanto sofre quem esteja sem luz, e assim passarmos, na vida, a olhar com os olhos do Cristo os cegos que viermos a encontrar. Quanta dor por ai expressa, por exemplo, nos suicídios, nas tentativas de suicídio e nos lentos suicídios (alcoolismo, dependência química, vida desenfreada, depressão, agressividade, uso irresponsável de veículos).

Cegueira. Na dor, todo mundo é igual. Cada um tem sua própria dor, a própria cegueira. O cego do Evangelho de hoje era considerado um amaldiçoado, principalmente porque não podia ler o Livro sagrado. Imagine você o quanto signifique ser rotulado de “castigado e amaldiçoado”. Jesus recupera seu olhar, sua falta de luz, recupera sua maneira de enxergar a vida. Trata-se de não mais considerar a si próprio e as coisas negativamente, mas com brilho, com beleza: uma coisa é dizer “não valho, não mereço, sou duro de coração, sou assim mesmo, sou péssimo, sei que vou pagar, os outros também não valem tanto”. Outra coisa é dizer: “sou filho de Deus e Ele me perdoa, sou capaz de mudar, a Graça de Deus pode fazer maravilhas, os outros, apesar de tudo, são capazes de fazer o bem, sou grato pela vida”.

O que nos impede de ver, de olhar e considerar? Ver, olhar, dar atenção e considerar é minha ida ao outro. Não vou ao outro, não vejo o outro. Talvez tenha medo de ser enganado e cair numa arapuca? Talvez eu tenha a ideia fixa de que ninguém mereça confiança. Ver, olhar, dar atenção também é minha ida à minha própria pessoa. Por vezes temo isso. Seria eu me desmascarar: “Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, temendo que as suas obras sejam manifestas”. Seria também o risco de perder a própria estima. Por vezes, nem precisa praticar o mal para não querer se olhar. Basta uma história de dor, carências, culpa e sofrimentos. Também nossos limites, defeitos podem nos envergonhar a nós mesmos. Peçamos ao bom Deus que com sua Graça ilumine as trevas do nosso coração nos faça livres, nos liberte: “A verdade vos libertará”.

Paremos com tantas teorias, e passemos à prática. Para os hebreus a lei da punição era implacável. Se alguém está doente alguém pecou (ou o próprio doente ou seus pais). Procura-se um culpado. E, assim, nos desculpamos: não temos nada a ver com isso. Para os reencarnacionistas, é a lei do carma. E com tantas teorias vamos vivendo inertes diante de tanta violência, desemprego, desamor, famílias desfeitas, desesperos, solidão e desesperança. No final, as teorias dizem de tudo a fim de tranquilizar nossa falta de ação. Nosso Senhor nos convida a iluminar, a fazer brilhar, a pôr luz, esperança e se dirigir, com a potência de Deus, aos dramas e desafios que a vida nos presenteia.

Fanatismo. Negar as evidências! Os fariseus, como todo e qualquer fanático, defendem-se alegando e dizendo que sabem a verdade, que são filhos de Moisés, acusando Jesus de ser um pecador porque não guarda o sábado, acusando o ex-cego de nascer no pecado. Entrincheiram-se por de trás de leis e regras da Bíblia e temem ver um fato: a obra boa realizada por Jesus. Por que temem? Temem reconhecer que devem mudar o coração. Preferem negar um fato a mudarem. “... Lázaro, vem para fora! E o morto saiu, tendo os pés e as mãos ligados com faixas, e o rosto coberto por um sudário. Ordenou então Jesus: Desligai-o e deixai-o ir. ... Se o deixarmos proceder assim, todos crerão nele .... E desde aquele momento resolveram tirar-lhe a vida” (Jo 11, 44-52) . Ver, ser iluminado é mudar. Preferem, então, não ver, preferem permanecer cegos.

- No Evangelho temos os discípulos, vizinhos, os pais, os fariseus, o cego e Jesus. Os discípulos e fariseus ficam falando de religião, do dia de sábado no qual não se pode fazer o bem, do cego que talvez esteja sem ver porque nasceu em pecado. Os vizinhos e os pais ficam só opinando e cheios de medo preferem a vida cômoda de escravos a seguirem a luz. Do outro lado temos o personagem Jesus que não se detém em meras teorias e medos, mas aposta que glória de Deus possa resplandecer em toda pessoa.   Podemos imaginar que Jesus ao nos olhar considera, não o nosso presente, a escuridão, mas o que podemos ser, e acredita que em cada um de nós a vida, o amor, a liberdade, a alegria, a confiança na vida renasça. E, por fim, temos o cego que depois de iluminado começa a falar, a interagir e até mesmo, como homem liberto, começa a ironizar os fariseus. O ex-cego conclui sua trajetória descansando, adorando, repousando sua vida na Vida: "Jesus havendo-o encontrado, perguntou-lhe: Crês no Filho do Homem? .Respondeu ele: Quem é ele, Senhor, para que eu creia nele? Disse-lhe Jesus: Tu o vês, é o mesmo que fala contigo! Creio, Senhor, disse ele. E,prostrando-se, o adorou." (Jo 9, 35-38). 

O portador de Luz

O quadro mostra uma residência fechada, às escuras e toda mal cuidada (matos se mostram na frente da casa). Jesus chega e bate e não pode abrir a porta: não tem maçaneta do lado de fora. Só se pode abrir pelo lado de dentro. Será que será aberta? Jesus traz a luz nas mãos.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.