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Homilia Dominical / Solenidade de Todos os Santos

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 05/11/2016 - 17:20

Solenidade de Todos os Santos

Mateus 5, 1-12a

Vendo aquelas multidões, Jesus subiu à montanha. Sentou-se e seus discípulos aproximaram-se dele.  Então abriu a boca e lhes ensinava, dizendo:

3.Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! 4.Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados! 5.Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra! 6.Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados! 7.Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! 8.Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus! 9.Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! 10.Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus!

Na festa de “Todos os Santos” lembremos que os cristãos eram chamados “santos” (cf. At 9, 13; Ef 5, 3; Rm 16, 2). 

A palavra “santo” significa separado. E separado da maioria, e separado pelas escolhas feitas ou porque recebeu uma iluminação, uma luz divina.  Tal luz leva o “santo” a escolher a verdade e não a mentira, a escolher a fidelidade e não a traição, a escolher a transparência e não a hipocrisia, a escolher a partilha e não a avareza, a escolher a honestidade e não o sucesso a qualquer custo. Com decisões e escolhas semelhantes a estas o homem vai configurando sua vida em santidade.

Por vezes tendemos a entender um “santo” como uma pessoa que inibe as pulsões contrárias à moral e aos bons costumes. Claro que isso faz parte. Mas, primeiramente, o “santo” é uma pessoa que foi santificada, padeceu uma ação poderosa da graça de Deus.

Podemos nos chamar de “santos” uma vez que só Deus é Santo? Sim! Isto exige somente que nos assemelhemos à Ele. Afinal, Jesus nos prometeu a filiação divina, a vida que há na Trindade Santa pode, sim, fazer morada em nós. “Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada” (Jo 14, 23). O “santo”, no caso, é a morada de Deus. Que coisa estupenda!!!

Na Solenidade de “Todos os Santos” consideremos que há um único corpo místico de Cristo. Nós, que peregrinamos, e aqueles e aquelas que já estão mais plenamente em Deus, estamos vivos, estamos em oração uns pelos outros, pois para Deus todos vivem: “Eu, João, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro ... estão diante do trono de Deus e lhe prestam culto, dia e noite, no seu templo” ((Ap 7,9.14). Ao contrário do que dizem alguns, os que morreram em Cristo estão vivos.

No Evangelho de hoje, a expressão “Bem-aventurado” significa “andar” retamente, marchar e caminhar, expressando a idéia de felicidade, salvação, vitória e beatitude.

Não esqueçamos que o mundo tem sua idéia de feliz, de ser “bem-aventurado”. A mentalidade comum identifica felicidade com uma ilusão, uma fantasia que promete e não cumpre: teremos o melhor dos cabelos com tal xampu; teremos a mulher mais maravilhosa com tal carro; fazer um cruzeiro nos fará pessoas de alto nível; e por aí vai...

Como pautar a vida rumo ao máximo desabrochar da minha pessoa, ao máximo que a vida e a fé no Deus de Jesus possam nos dar? Como não consumir nossos anos de vida em vão? Neste sentido, acreditamos que o sermão da montanha possa nos ajudar!  O “sermão da montanha” é um “guia” que nos leva a uma construção de si. Não é uma fantasia, pois está ao nosso alcance.

Um dia Ben Hur jurou vingar certa desonra. Mais tarde, de fato, vingou e saboreou o seu revanche assistindo a desgraça mortal do seu rival. Passado uns dias a esposa disse-lhe: “Você não é mais o homem com o qual casei. Você se parece com... Salazar”. Salazar era o seu adversário morto, a quem ele odiara. Ben Hur tinha escutado o sermão da Montanha, mas não se ateve a ele, não o praticou. Perdeu a si próprio: a própria esposa afirmou isso.

Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus!

Basicamente Jesus apregoa que devemos respirar do espírito de Deus. Tal espírito nos fará administradores dos bens e não escravos deles. Os meus bens interiores e exteriores serão em vista de uma causa maior, para além de um mesquinho interesse. Não serei mais escravos deles, mas eles servirão a mim e a tantos.  Todos os meus recursos interiores, de influência e bens serão postos em favor da comunidade. Marcello Candia, grande industrial, decidiu destinar parte do lucro de sua empresa em vista de uma “Fundação”. Tal Fundação, hoje em dia, socorre inúmeros pobres, idosos abandonados e leprosos em vários países, inclusive no Brasil.

Ter coração de pobre ou pobre em espírito faz com que se trabalhe em vista de eliminar a causa da pobreza que parece roubar a dignidade de tantas pessoas. Mais do que esmola o convite é mesmo para se partilhar os recursos a fim de tornar o outro “meu irmão”, isto é, em igual condição de dignidade.

Bem-aventurados os que choram, os aflitos, porque serão consolados.

Perante tanta melhoria possível e tanta chance de eliminar o sofrimento de tantas pessoas, resta ao cristão se afligir. O cristão se aflige porque outros sofrem. A aflição e o choro, neste contexto, significam uma força interior, uma resistência contra o descaso e a indiferença. É perigoso a indiferença e o descaso, pois pode nos levar ao cinismo e à hipocrisia. Somente respirando o mesmo Espírito de Deus iremos perseverar na aflição, isto é, não seremos indiferentes.  Deus é solidário e contrário à injustiça e à mentira que parecem vencer. Sejamos “bem-aventurados”, nos coloquemos em marcha, não cruzemos os braços e nem entremos no sistema do “tô nem aí”.

A nível pessoal significa nossa capacidade de reconhecer nossa carência, nosso pedido de ajuda. Não sejamos autossuficientes, encontremos o consolo na família, na comunidade.

Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!

Não te irrites contra os que praticam o mal e nem invejes os que praticam iniquidades” (salmo 37). É difícil resistir a tentação, e é fácil ceder ao mal quando você se vê injustiçado, traído, enganado. A Palavra de Deus nos atrai, nos pede adesão e nos convida a não usar a arma do agressor. Temos que nos empenhar, nos defender, mas com a disposição do homem de coração manso. E Jesus promete, ao manso, vencer, ser gente de sucesso, possuir a terra, a dignidade, a honra.  Ser manso também é um convite a não ludibriar e não passar a rasteira no próximo.

Psicologicamente também é um convite a ser mais flexível, menos exigente, menos irritado consigo mesmo.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados!

Não se trata da justiça contida em nossas constituições e outros documentos, mas de uma justiça que se identifica com a vontade de Deus: um mundo onde todos são irmãos e partilham do que se tem. Jesus é tremendo em suas palavras. O que mais nos dá apetite do que matar a fome e a sede? Por isso Nosso Senhor pede que tenhamos esse mesmo penar e gana por instaurar a justiça.

Há uma história, uma vida e um tempo que se acabam, passam. E há uma história, uma vida e um tempo que permanecem. Nossa sede e fome estão de que lado?

Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia!

Jesus nos revela: o Pai é misericordioso, isto é, tem amor incondicional e fiel. Nada deste mundo pode arrefecer seu amor em relação ao homem. Como se atua a misericórdia? 1. Dando-se conta da necessidade do outro tal como o bom samaritano. 2. Provando compaixão com o outro. 3. Intervindo concretamente como o bom samaritano. Aos misericordiosos foi dada uma promessa: serão “tragados”, fisgados pela filiação divina, serão filhos de Deus, pois terão entrados em sintonia com “O Misericordioso”.

Pois é... Quem é misericordioso está em sintonia com “O Misericordioso”. “Deus é amor e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (1Jo).  Falar de Deus? Ensinar doutrina? Comportar-se bem? Tudo muito bom, mas ainda não é tudo, ainda não se está navegando em Deus.

Bem-aventurados os puros de coração, porque verão Deus!

Prossigamos em nossa vida sendo guiados somente por Deus, sem mistura, sem ídolos, puros. Que no nosso coração haja retas decisões e intenções e não segundas intenções. Suas decisões são tomadas a partir do coração do Senhor Deus Altíssimo ou a partir de um ídolo interesseiro?    Por quem você se guia ao tomar decisões no coração? Pelo Senhor Deus Altíssimo ou por um mero ídolo interesseiro?

Ver a Deus é poder tocar em Deus, “apoderar-se dEle”. Para alcançar tão grande promessa basta a reta intenção. Está ao nosso alcance! É-nos possível!

Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!

Batalhar pela paz seja na família seja em nosso mundo traz um retorno de alegria e felicidade.

Venha a nós o vosso Reino”: que o nosso velho mundo se adeque mais a uma “Ordem” segundo a justiça de Deus. Os pacíficos promovem a paz. A paz combate a ignorância, as doenças, a fome, o desamparo, as drogas, os desajustes em família. A paz que vem de Cristo não é proveniente de acordos, mas o bálsamo para os nossos conflitos. A quem assim se empenha, ao pacífico, Deus considera filho seu, pois realmente é semelhantes a Deus. Imaginemos Deus dizendo ao pacífico: “Você se parece comigo, você é meu filho”.

 

Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus!

Atenção! Os que marcham impávidos rumo à felicidade não ficarão tranquilos. O velho mundo pecador vai reagir, pois o velho mundo pecador também tem sua idéia de “bem-aventurado”, de felicidade.

Madre Teresa dizia: "No dia que você fizer o bem pode ser que alguém lhe recrimine. Mas continue a fazer o bem. Tudo aquilo que você levou anos para construir alguém pode vir e destruir em uma hora. Mas continue a fazer o bem”. O Reino precisa de pessoas que iluminem e que não perdem a coragem diante de críticas destrutivas e diante do ódio das trevas.

Pensamento para a semana:  A beleza habita o seu interior. O Belo é Deus. Deixe-o sair, vir para fora.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.