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Homilia Dominical / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 26/11/2016 - 17:26

I Domingo do Advento - Ano A

Dois jovens apaixonados são “vigilantes”, pois se dedicam um ao outro. Quase não pensam em si, mas sempre no outro. São “vigilantes”, dedicados ao amor da sua vida. São esperançosos, sonham com casa e filhos, apostam no bem, na fidelidade, em um mundo melhor. Creem em Deus e em tudo que é bom, verdadeiro e bonito. Mas, um dia, podem passar a “dormir”, pensarem só em si, não confiarem em ninguém e nem em Deus. Entregam-se ao desgosto da vida ou a uma mera busca de ter e prazer. O Evangelho de hoje nos exorta a reconquistar a esperança, a ser “vigilantes”, pois temos um grande parceiro na jornada da vida, é o Senhor, Aquele que vem.

Acabamos de concluir o ano litúrgico e prestes a concluir o civil. A Palavra de Deus que a Igreja lê neste domingo nos provoca a fazer uma avaliação de vida e um discernimento. Ao longo do ano temos visto quanto o Senhor é bom ou estamos concluindo o ano da mesma forma como o começamos? Mais esperançosos no bem ou decepcionados?

Iniciando um novo tempo, um novo ano, com qual espírito damos início? “Tocando a vida” simplesmente, decididos a pensar só em si mesmo ou em atenção ao novo e às novidades e surpresas da vida e de Deus?

São Lucas Mateus 24, 37-44

Assim como foi nos tempos de Noé, assim acontecerá na vinda do Filho do Homem.    Nos dias que precederam o dilúvio, comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca.  E os homens de nada sabiam, até o momento em que veio o dilúvio e os levou a todos. Assim será também na volta do Filho do Homem.   Dois homens estarão no campo: um será tomado, o outro será deixado.   Duas mulheres estarão moendo no mesmo moinho: uma será tomada a outra será deixada.   Vigiai, pois, porque não sabeis a hora em que virá o Senhor.   Sabei que se o pai de família soubesse em que hora da noite viria o ladrão, vigiaria e não deixaria arrombar a sua casa. Por isso, estai também vós preparados porque o Filho do Homem virá numa hora em que menos pensardes”.

- O dilúvio não significou o fim do mundo cósmico. Assim também Jesus, o Filho do homem, traz, não o fim da terra, mas uma renovação, semente de uma nova humanidade. Noé trouxe a arca, Jesus traz o Reino de Deus. Quem vai e como embarcar nesse Reino? 

- Casar-se e dar-se em casamento são atitudes do dia-a-dia, assim como comer e beber. No tempo de Noé não faziam nada de especial, simplesmente as coisas de todos os dias. Porém, aqui temos um risco. O risco de não ver, de encobrir e de desviar o olhar e a atenção de uma novidade que o Espírito quer fazer acontecer em nós. O nosso dia-a-dia pode se tornar uma casa construída sobre areia, uma falsa segurança, uma mera distração, um sono, um torpor, enquanto Jesus nos convida à vigilância. Para embarcar no Reino se faz necessário estar acordado.

- O nome “Noé” significa conduzir. Noé salva toda a vida (animais ou viventes) que havia, esperando que se multiplicasse, florescesse, crescesse. Eu, você, nós, podemos muito bem nos identificar com aquela arca. Salvemos o melhor que temos dentro e ao nosso redor. Promovamos a vida que há em nós. Façamos multiplicar nossos dotes, capacidades, talentos. Tenhamos entusiasmo na vida e que cada dia seja uma oportunidade de contagiar o bem e a esperança em Deus naqueles que encontrarmos. Assim como a arca singrou o “mar” agitado assim também as tribulações do cotidiano não mate a parte mais viva e bonita que há em nós.

- Conheci um vovô que diante da reclamação da sua esposa acerca da bebida, sempre dizia: “Mas mulher, o cara que não dança e não bebe vai fazer o quê da vida?”.  Cada um se pergunte o que está fazendo de sua vida. O Evangelho de hoje nos adverte sobre o nosso comer, beber, estudar, trabalhar, namorar, casar, consumir, etc.  O dilúvio pode sucumbir sobre nós como uma inevitável e óbvia consequência do nosso viver.  Por exemplo: quem aposta sua vida só no ter, e se por acaso tiver uma falência irremediável, estará condenado a uma vida sem sentido, a pura tristeza (um dilúvio se abateu sobre ele). Viver sem a esperança maior no Senhor é como dar o volante do próprio carro a um desconhecido: não se sabe para onde será levado e o que lá acontecerá.

- “Dois homens estarão no campo: um será tomado, o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no mesmo moinho: uma será tomada a outra será deixada”. No filme “A lista de Schindler” o sr. Schindle usa do seu trabalho e empresa para salvar pessoas da morte. Um “vigilante”, e não “dorminhoco”, empresário pode usar seu lucro não só para acumular, mas para produzir mais emprego abrindo novos negócios. Assim tirará tantos do desemprego. Trabalhar só para ter, possuir e pensar a si não é bom negócio: um dia o dilúvio chega.

 

- O tempo do advento tem um tom penitencial e de conversão. “Se tu queres algo que nunca tiveste, deves estar pronto a fazer algo que nunca fizeste”. Permanecendo o mesmo não se recebe nada de novo. Algo na vida deve mudar. Em preparando-se para o Natal, para a maravilha da Encarnação do nosso Deus, mudemos, façamos a penitência de acatar a Palavra que nos é dirigida hoje.

- “Vigiai, pois, porque não sabeis a hora em que virá o Senhor”. Quando um dia for difícil para você manter-se fiel naquilo de bom que se escolheu, lembre-se que você está sendo provado, será o momento do teste, será o momento de verificar se você é realmente discípulo de Cristo. 

- Não estamos sós. Há um parceiro conosco. É o Senhor. Sejamos vigilantes, esperemos ele se mostrar e não fiquemos imaginando como ele virá: deixemos Deus ser Deus. Ele não é calculável, ele é sempre uma surpresa (“se o pai de família soubesse em que hora da noite viria o ladrão ...”).

Esperava que estivesse, mas Deus não estava no vento impiedoso. Esperava que estivesse, mas Deus não estava no terremoto. Então esperou Deus no fogo, mas também não estava. Então Deus surpresa se fez presente na brisa suave” (cf. 1 Re 19,9-18).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.