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Homilia Dominical / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 10/09/2016 - 10:40

XXIV Dom Comum  Lucas 15, 1-31

As parábolas da misericórdia

Imaginemos Jesus sentado escutando as pessoas com suas questões, questões da vida, dificuldades familiares e amorosas, problemas com a justiça, com o trabalho, com dívidas e também com amigos e inimigos, sentimento de derrota, de traição, de rancor, inveja, ciúmes... E escutando questões sobre a vida e sobre a morte, sobre o sentido do viver e das práticas religiosas, etc. E, quem sabe, palavras de maravilhas, de gratidão pela vida, pelos amigos, etc.

Em certo mosteiro na Rússia há um costume muito interessante. Uma vez por mês os monges se reúnem e cada um por vez vai até ao ancião. O Ancião é também um monge. Este ancião tem uma função: escutar e nada dizer, só escutar. Assim, cada monge vai e narra sua vida, suas dificuldades, seus pecados, seu sofrimento, sua dificuldade de fidelidade aos votos feitos, ou ainda, seu louvor, sua alegria de ser consagrado a Deus. E o ancião só escuta. O ancião representa Deus enquanto acolhe a cada ser humano com suas misérias e suas conquistas. O Ancião não julga, pois representa o amor incondicional de Deus: cada pessoa é acolhida com sua história de vida e com seus dilemas.

Em certos ambientes católicos Jesus é chamado o “médico”. O médico, à diferença do juiz, escuta e tenta curar. Diante do médico o paciente conta a verdade e não espera julgamento, mas espera dicas para superar o sofrimento e a enfermidade.

Diante dessas três narrativas, entendemos o Evangelho de hoje: “Aproximavam-se de Jesus os publicanos e os pecadores para ouvi-lo. Os fariseus e os escribas murmuravam: ‘Este homem recebe e come com pessoas de má vida!’”.

Nosso Senhor explica sua atitude: “Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? E depois de encontrá-la, a põe nos ombros, cheio de júbilo, e, voltando para casa, reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Regozijai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia perdido. Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas e perdendo uma delas, não acende a lâmpada, varre a casa e a busca diligentemente, até encontrá-la? E tendo-a encontrado, reúne as amigas e vizinhas, dizendo: Regozijai-vos comigo, achei a dracma que tinha perdido”.

- Toda ovelha é meio cega, e, por isso, tende a se perder. Toda moeda facilmente pode-se perder. Nosso Senhor conhece o homem, sabe de sua fraqueza. Não é por acaso que rezou: “E não nos deixeis cair em tentação”. Aqui entendemos a misericórdia de Deus e seu trabalho para livrar o homem do mal, para resgatá-lo, curá-lo. A ovelha perdida no deserto corre perigo. E se as 99 são deixadas quando o pastor vai buscar a perdida, significa que quem esteja “perdido” é importante por Deus, amado por Ele. Não é um “amorzinho” qualquer, mas um amor “louco”. De fato, arriscou perder 99 por uma única ovelha. A moeda perdida é encontrada quando a mulher varre. Significa que a moeda se encontra em meio ao sujo, ao que será lixo, mas não é lixo. Que situação! Mesmo em meio ao lixo, uma pessoa é preciosa para Deus, é um tesouro: trata-se de encontrá-la.

- Jesus comia com os pecadores. Por vezes, temos sentimentos justiceiros perante o injusto, o agressor, os que aprontam. Quase sempre temos tais sentimentos porque julgamos que o estado de pecador seja de alegria e de felicidade. Mas não! Jesus fala da Geena, lugar de dor destinado aos pecadores. Diante disso entendemos porque Nosso Senhor sentava na mesa com os pecadores: para que ninguém se perca.

- Temos que acender a lâmpada, tal como a mulher. Acender a lâmpada é ter a Palavra. A Palavra nos ilumina, modifica nossos julgamentos sobre pessoas e situações.

- Não esqueçamos: a ovelha foi carregada e a moeda recolhida! Acatar, aceitar ser cuidado, curado não é fácil. Por vezes somos cheios demais de nós mesmos. Por isso Jesus disse: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino. Só entra no Céu quem for como as crianças”. Jesus senta e nos escuta e cabe a nós fazer um caminho com Ele, permitindo-se.

O Evangelho segue com a parábola do filho pródigo. O filho mais moço vai com sua herança para uma terra distante. Depois de perder tudo, passa fome. Arrependido volta. “Estava ainda longe, quando seu pai o viu e, movido de compaixão, correu-lhe ao encontro, lançou-se lhe ao pescoço e o beijou”. Depois o pai fez-lhe uma festa.

Com nossa liberdade podemos ferir e também nos perder. O filho, ao pedir a herança ainda quando o pai estava vivo, estava dizendo, em outras palavras, que seu pai a ele não valia muito, não era importante, como que dizendo: “Tu estás morto para mim. Eu não tenho mais nada a ver contigo. Para mim não existes mais!”. O filho foi infiel, mas Deus não pode negar a si mesmo, ele é fiel. Quando o filho foi desprezado por todos, voltou àquele que sabia ele o aceitaria. O filho estava no coração do pai. Jesus, ao narrar tal parábola, queria deixar essa mensagem: estamos todos no coração do Pai, e Ele não se sossega enquanto não nos abraçar.

Por quais terras temos andado enquanto o Pai nos espera?

Para que serve o Pai? Só para usufruto ou também para eu ser filho dEle?

Nas três parábolas aparece o tema da festa? Que Deus é esse revelado por Jesus? Um Deus que faz festa para cada um de nós e que nos serve? Que significa isso?

Regressando ao Pai, o filho recebe a veste festiva: não será mais uma pessoa qualquer, estará em evidência. Recebe também o “anel”: carregará responsabilidades, poderes, não poderá mais fugir dos compromissos. Sandálias novas, sandálias de um homem livre, não mais escravo ou amarrado por vínculos nefastos. Não será por isso que terá ele fugido ao Pai e levado uma vida devassa? Encontrar o Pai é se tornar filho, e ser filho do Pai é arcar com a vida e suas exigências, é afrontar o peso da realidade. O Pai nos faz nascer e crescer. Crescer para ser também um pai. Tememos ser pai! Ser pai significa gerar e “sumir” para que outro apareça, o filho.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.