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Homilia Dominical / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 20/05/2017 - 16:26

VI Dom Páscoa.

João 14, 15-21

Livres para amar

Jesus, no Evangelho de hoje, não diz: “tu deves me amar”, mas, “se me amas” (nenhuma obrigação), pura provocação à nossa liberdade. “E se me amas” te transformarás numa pessoa melhor, levarás ao teu ambiente os meus gestos como um botão de flor que se abre pela própria força interna, sem obrigação.

"Se me amais, guardareis os meus mandamentos”. Bonito imaginar Nosso Senhor dizendo tais palavras. Existe uma condição para mostrar na prática, realmente e de verdade se Jesus é amado, é mesmo uma pérola valiosa, um tesouro para cada um de nós. A condição é a prática dos mandamentos dEle. Conheci um frade muito amado pelos paroquianos. Os paroquianos diziam de amá-lo e no dia de seu aniversário queriam parabenizá-lo com presentes. Então, o frei disse-lhes: “Já que vocês me querem tão bem, peço-lhes que comprem um fogão para uma família carente que conheço”. Jesus aceita ser amado? Sim, claro! E a união, o amor a Jesus acontece e se faz realidade cumprindo mandamentos. Quais?

O amor será sempre ativo e criativo. Um rapaz apaixonado por uma moça é capaz de realizar muitos “mandamentos”. Sentindo “amor” em seu coração passa a cuidar-se mais, a cuidar da aparência, a dedicar-se aos estudos e ao trabalho, torna-se mais gentil, cortes, serviçal, dentre outras coisas. São Paulo fala que a caridade é paciente quando o outro  “não é do meu jeito”, bondosa quando o outro precisa de uma “mão”, não tem inveja quando o outro “brilha” mais do que eu, não é orgulhosa quando me sinto forte, não é arrogante quando se tem poder e razão para humilhar, não escandaliza os mais simples, não busca os seus próprios interesses, não se irrita com a lentidão do outro, não guarda rancor do ofensor, não se alegra com a injustiça, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13). Para cada situação do cotidiano uma reação segundo a lei maior, a lei do Amor. Novas atitudes e mandamentos surgem de um coração que ama. O amor é criativo, para cada situação a pessoa encontra uma forma de fazer o outro se alegrar, sorri e ter esperança na vida. Jesus, por exemplo, para fazer os discípulos se sentirem amados e queridos por Ele, lavou-lhes os pés e disse-lhes:  “Isto é o meu corpo, sangue, minha vida ofertatada por vós”.

Nos avaliemos em família e vejamos se praticamos os mandamentos do Amor, pois teremos certeza que amamos à Deus se não enganamos, se não nos aproveitamos do indefeso, se não brincamos com os sentimentos dos outros, se não traímos ao outro, se não armamos ciladas,  se não enganamos o vizinho, se não humilhamos o colega, se não defraudamos, etc. "Se alguém disser: Amo a Deus, mas odeia seu irmão, é mentiroso. Porque aquele que não ama seu irmão, a quem vê, é incapaz de amar a Deus, a quem não vê" (1Jo 4, 20-21).

Mais do que à Ele, Deus prefere que o amor que sentimos dEle seja ofertado aos outros. O Senhor deseja que nos amemos. Somente em tal prática o amamos. Em Lucas 10, 30-37 o sacerdote e o levita pensavam de agradecer a Deus mantendo-se “puros”, isto é, tomando distância do homem caído no chão. Mas o samaritano que cuidou do homem caído no chão se fez próximo dele. De um lado imitemos o bom samaritano, e de outro lado, amemos os bons samaritanos que passam em nossas vidas manifestando nossa gratidão.

Nosso Senhor tinha sua visão de mundo, de vida, de felicidade. Para Ele a vida pode ter um retorno de felicidade enquanto o homem rompe sua solidão e passa a ter comunhão com o Princípio amoroso de tudo, com a ciranda amorosa existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Toda essa maravilha acontece quando pomos na ordem do dia a prática do amor à Ele que passa sempre pelo próximo: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é que me ama. E aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu o amarei e manifestar-me-ei a ele (v. 21)"

- “16. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco. 17.É o Espírito da Verdade...”

O Espírito Santo, aquele mais íntimo que em minha intimidade me socorre, que vem em meu auxilio. Há o espírito inimigo que pulsa e quer nos levar para longe de todo projeto de vida e batalha para nos levar a toda situação de morte, de desavença, de tristeza e de destruição. Dentro de cada um de nós, realmente uma grande batalha se trava. O Espírito Santo é presença do Cristo. Presença íntima em nosso espírito, por isso se diz que seja uma presença maior do que o Jesus histórico.  O Espírito de Cristo significa “promoção” do homem, é cuidado (outro nome da palavra “amor”).  O “Espírito da Verdade” faz de tudo para que nos tornemos homens verdadeiros, não falsos, autênticos, pura imagem de um filho de Deus. Uma família, uma comunidade cristã que se deixa levar por tal Espírito constrói novas relações, pois seguem o Cordeiro, e não o espírito maligno e feroz.

- "20.Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós”. A entrega derradeira de Jesus no alto da cruz (“Naquele dia”, sua morte) é a plenitude da vida de Jesus conosco e com o Pai. A cruz é expressão e  explicita o amor que reinava e reina no coração de Cristo. É como uma porta escancarada que deixa passar a vida amorosa. Uma vida que não se contem em fazer-se oferta mostra a sua plenitude. Rendendo seu espírito, entra, maiormente, no Reino, no Pai. E, assim, Nosso Senhor se entrega maiormente também à nos, doa seu Espírito aos seus queridos (do seu lado saiu sangue e água). E, assim, não se trata de separação dos discípulos, mas união ainda mais íntima e próxima dEle.

“... e vós em mim e eu em vós”. Se nós somos nEle, nós assumimos o rosto de Deus. Se Ele é em nós, Deus assume o nosso rosto! De fato, Deus se faz perceber quando alguém ama outro alguém. O verdadeiro santuário, a igreja viva onde acontece a manifestação do poder de Deus, onde Deus se faz vivo, atuante, presente e acontece é a comunidade, é a pessoa que ama. Um dia Santa Teresa de Calcutá fazia curativos em um leproso todo chagado e abandonado por todos na rua. Madre Teresa, a um certo ponto, perguntou: “você crê em Deus?” O homem respondeu: “Agora, sim, creio”. (Madre Teresa via Deus no pobre e o pobre via Deus em Teresa).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.