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Homilia Dominical / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 15/05/2017 - 08:07

V Dom Páscoa

(João 14, 1-12)

A leitura evangélica que a Igreja faz neste Domingo do Senhor tem aquele “clima” de “testamento”, quando aquele que se despede expressa os sentimentos mais sinceros, as verdades mais importantes e também o carinho para com aqueles (as) que ama. Acolhamos, portanto, tais palavras com a disposição merecida.

Imaginemos a comunidade cristã “perturbada” (aterrorizada como um náufrago em meio a um mar agitado e cheio de tubarões) e temerosa por algo que possa acontecer. Na verdade, o drama maior não é o que possa acontecer, mas se a comunidade estará à altura por afrontar o que venha acontecer. A vida sempre oferecerá desafios e acreditar no contrário não passa de ilusão (“No mundo tereis tribulações”, disse o Mestre). Como afrontar as adversidades de qualquer tipo? Nosso Senhor pede que contemos com Ele: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim”. Com tais palavras Jesus quer conforta os discípulos assegurando-lhes que sempre Ele se fará presente e que sua ausência biológica significa uma presença ainda mais forte, intensa e atuante, pois é Presença no Espírito Santo que anima nosso interior, que traz o Ressuscitado à nossa pessoa, passando-se a viver no Ressuscitado. Jesus se torna não mais uma presença externa, mas o Senhor e Dominador da minha pessoa: “Não sou eu mais que vivo, mas é Cristo que vive em mim”.

Por vezes, “crer” não é tão difícil. Difícil se torna continuar crendo, perseverar na fé, pois as tribulações amedrontam e podem desanimar o discípulo. O “testamento” de Jesus que lemos neste domingo nos exorta a continuar a missão iniciada por Ele, pela sua vida, paixão, morte e ressurreição. A semente do bem já foi lançada na terra (Jesus ressuscitou) e tende a se tornar uma bela árvore, não desista de você nem do bem: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim”.

- “Na casa de meu Pai há muitas moradas. ... voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais”.

Quem não se lembra do aconchego do lar? Não há temor, não há ânsia, o futuro não angustia, a morte não existe, pois papai e mamãe estão presentes....         Um lugar, uma morada, uma intimidade familiar, um “ambiente” de estadia no qual os homens e o próprio Senhor se regozijam, não se separam mais. E, assim, o Princípio de tudo, a Santíssima Trindade estará, não mais em templos, mas na pessoa de cada cristão. A comunidade cristã se torna expressão de Deus. E, assim, quem conhecerá a comunidade cristã dirá: “Aqui Deus está”.

Muitas moradas”. Cada um de nós tem lugar nessa casa do Pai preparada pela paixão e ressurreição de Jesus. A casa do Pai é o próprio corpo de Jesus, sua pessoa, seu corpo místico, a Igreja, a vida comunitária. Nessa casa há diversidade, cada um oferece o seu talento, o seu dom, e, desta maneira, o cristão cresce em vida plena enquanto se faz oferta de si lavando os pés dos irmãos e irmãs. Dessa casa de muitas moradas se exala um perfume, o nardo puro, símbolo do amor reinante: a morte foi vencida, pois “Deus é amor e quem permance no amor permanece em Deus e Deus nele; Quem ama venceu a morte” (1Jo4, 16; 3, 14).

- “E vós conheceis o caminho para ir aonde vou..... Eu sou o caminho, a verdade e a vida ... Disse-lhe Filipe: Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta. .... Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas, porque vou para junto do Pai." 

Mais cedo ou mais tarde todo ser humano fará perguntas tais como: “De onde viemos?”, “Para onde vamos?”, “Que sentido tem tudo isso?”, “Quem sou eu?” Tais perguntas traduzem aquele pedido de Filipe: “Mostra-nos o Pai”.

“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. O discípulo Tomé quis saber sobre o “Caminho” da vida....   São João no Evangelho de hoje apresenta a fé cristã. O “Caminho” da vida passa por Jesus. Ele é a Estrada que nos dá acesso à casa do Pai.  É uma Estrada de Verdade por percorrer.

Meus irmãos e irmãs, temos muito por percorrer. Entendamos a vida cristã como passos a dar, como conversão, matando em nossa vida aquilo que não deixa viver a mulher, o homem novo. A vida de cristão não é algo estático. Uma coisa é ter um violão, outra coisa é fazer o violão emitir acordes, harmonias, sons. Uma coisa é se declarar cristão, outra coisa é “ansiar” pela casa do Pai, outra coisa é ter paixão pela Verdade e Vida. A “Verdade” aqui é uma estrada sem fim que leva a níveis cada vez maiores de verdade e profundidade. “Verdade” é Jesus Cristo, o homem autêntico, pleno, completo, perfeita imagem de Deus. Reconheçamos: quanto temos por caminhar em direção a sermos verdadeiros(as)!!!

“Eu sou a vida”. É como se Jesus dissesse: “Comigo tu poderás ter acesso à vida, aquela Vida do Eterno que não é tocada pela conclusão da vida biológica”.

- “E vós conheceis o caminho para ir aonde vou”. Conhecemos? Sabemos? Vimos? Jesus tinha lavado os pés dos discípulos: eis o caminho que os discípulos tinham visto. Não tem outra: o acesso à Vida passa pelo rosto do humano que encontro em minha vida (“Não desprezeis a vossa carne”, disse Isaias). Lembramos daquela “obra” de Jesus quando ele não desce da cruz para vingar seus adversários? Aquela “obra” falou, disse que a vitória, a vida plena, a luz máxima não está do lado de um “deus” vingativo e reativo. E, assim, tantos exemplos de obras temos na vida de Jesus de Nazaré, o filho de Maria.

As “palavras” que são “obras”! Isso mesmo, as “obras” falam, dizem, revelam. As obras são ações, comportamentos, atitudes, gestos. Quem não lembra do Samaritano que mesmo não sabendo nada de Deus,revelou o rosto da misericórdia de Deus ao tomar a atitude de “erguer” aquele desconhecido que jazia ao chão.

Fareis obras maiores do que aquelas que eu fiz”. Essa frase de Jesus é tremendamente provocadora. Jesus capacita enormemente a sua comunidade, eleva a nossa estima. Você lembra da historinha na qual o sapo virou príncipe com o beijo da princesa?

Eu farei de vós...  sereis pescadores de homens ...   A voz de Jesus despertou nos apóstolos uma tremenda tensão espiritual e existencial. Os apóstolos seguiram a Jesus deixando suas barcas, famílias, a lógica cotidiana, a pesca e a preocupação com o vento, as taxas a pagar, as dívidas, os projetos, certa sexualidade ...

Os pobres apóstolos viveram do quê?  Viveram de uma voz, pois foram fisgados pela voz de Jesus. Endereçados fascinantemente e cheios de desejo por Jesus Cristo sentiam-se carentes e em falta (no sentido que as coisas não lhes bastavam). Aqui Jesus é o transformador de seus destinos.

Foram reconhecidos, despertados de um sono que não lhes permitia ver dentro suas capacidades. Para perfazer esse caminho de maior grandeza, esse caminho para uma obra prima de si, urge manter a tensão da provocação que a Palavra faz como se a cada instante visse o Invisível.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.