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Homilia Dominical / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 29/04/2017 - 16:52

III Dom Páscoa 

Lucas 24, 13-35

O Evangelho desse domingo nos apresenta “Os discípulos de Emaús”. Narra-se que eles discutiam pelo caminho e o próprio Jesus se fazia presente ao lado deles. Mas eles não o reconheceram. Jesus perguntando-lhes sobre o que discutiam, eles contam sobre uma decepção que sentem e vivem. Esperavam que Jesus saísse vitorioso, mas até onde sabem é que foi crucificado, e, apesar de conversas acerca dele está vivo, ninguém o viu ressuscitado. E aí Jesus intervem: "Ó gente sem inteligência! Como sois tardos de coração para crerdes em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que Cristo sofresse essas coisas e assim entrasse na sua glória? E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava dito em todas as Escrituras”. Na hora da ceia Jesus “Aconteceu que, estando sentado conjuntamente à mesa, ele tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e serviu-lhoEntão se lhes abriram os olhos e o reconheceram... mas ele se tornou invisível aos seus olhos”.

Acreditamos que o Evangelho deste Domingo nos convoca a entrar no mistério pascal, no mistério do Vivo ou Vivente para sempre. Temos nossas dificuldades tais como as dos discipulos:

- Jesus ao lado deles e seus olhos não o viam. Viam delírios, medos, ideias preconcebidas, desiluções, não a realidade (vv. 21-24). Por vezes não vemos as pessoas, mas o que esperamos delas, o que queremos ou não queremos delas. Os discípulos estavam por demais atolados em si mesmos, em suas crenças, nas próprias opiniões, no próprio jeito de ser, julgar e pensar. A nossa cegueira tem origem, também, em falsas narrativas acerca de Deus, acerca dos outros e de nós mesmos. A Palavra de Deus tem que fazer esta violência sobre nós, nos abater, saquear de nós aquilo que domina sobre o nosso olhar e exorcizar o nosso coração, e nos fazer renascer para uma nova visão. Os discípulos não conheciam a Jesus, pois não o amavam (pois quem ama conhece), mas esperavam que Ele, Jesus, fosse o que eles queriam: Messias que trucida adversários.

- Os discípulos se apresentam como que com “olhos vendados” (rostos escuros), símbolo de uma morte interna, pois sem o “olhar” não há comunicação, interação, mas só solidão. Parecem vaguear em um mundo sem sentido, sem Deus, sem luz, sem resposta, sem esperança, sem caridade. Para quem vive assim pouco importa se o mundo se acabe ou não. Aqui temos o reino da desolação, do tédio, do cansaço, da tristeza. Realmente sem a luz que irradia do crucificado a vida, mais cedo ou tarde, apresenta-se com um cenário desolador.

- Ora, se Deus esmagou os egípcios em favor do seu povo, como agora pode ser revelar como Crucificado? Se Ele fez justiça matando os primogênitos de nossos adversários com o seu anjo exterminador, como agora faz justiça preferindo perdoar, justificar e ser, Ele mesmo, sacrificado?  É difícil entender a Cruz! É quase impossível!  A Cruz, portanto, se torna motivo de uma profunda conversão no modo de pensar e se relacionar com Deus.

- Não basta saber!  Os discípulos sabiam muito (Vejam os versículos de 19-24). Além do mais, Jesus se encontra ao lado deles. E, no entanto, não o veem, não o experimentam, apesar de saberem sobre Ele! Quando estou afogado na minha tristeza, no meu fracasso, sentindo-me traído por todos e pela vida, ruminando no meu interior, em briga com os outros (descutiam pelo caminho) .... não posso ver o “Vivente”.Como se faz para sair desse labirinto, desse atoleiro?  Eles irão sair dessa fossa e dessa prisão. E sairão quando Jesus passar à eles o seu amor. Leiam, leitores, os versívulos 25-27 quando Jesus conta a história do amor de Deus para com eles (A história de salvação, isto é, as iniciativas de Deus ao longo dos tempos - criação, perdão, resgate, salvação, milagres - em favor do seu povo). O ápice dessa história é a entrega de Deus, na cruz, por eles, por nós, por todos. Só a certeza de que alguém possa morrer por mim faz-me encontrar um sentido maior na vida para além da propria vida. A Cruz é o testemunho do Amor de Deus: uma coisa é dizer: “Amo voce”, outra é: morrer por quem se ama. A Cruz testemunha o quanto é real o amor de Deus por nós.

- Quando se crer na força bruta, não se pode crer no amor, não se pode ver o Ressuscitado, pois só o amor, não a força bruta, vence a morte, traz alegria e satisfação ao viver.

A catequese de Jesus sobre a Cruz

A Palavra vem nos iluminar, abrir nossas mentes, nos fazer visualizar uma saída.... (vv. 25-27).

- São Lucas narra que o Senhor se faz peregrino ao lado dos desolados peregrinos, escutando e acohendo seus lamentos. Mesmo quando não vemos, o Senhor escuta nossos lamentos e aflições.

- Jesus, no Evangelho deste domingo, nos catequisa e revela que a Palavra, no fim das contas, diz que Deus se interessa por nós. E o sentido de tudo o que fez é sua paixão por nós. Isto nos faz entender quem é Ele e quem somos nós.

- Os discípulos não entendem que a acatar a Cruz é um entrar na glória. A Cruz é um trabalho de Deus. É o amor de Deus testemunhado, explícito, escancarado, enquanto entra em solidariedade com a situação de todos os homens e seus sofrimentos, com o perdido, com o mal, com quem o mata. O remédio para toda perversidade será sempre o amor. Amor para quem não se sente amado. A Cruz vence, o amor é mais forte do que qualquer mal.

- Toda a vida de Cristo foi marcada pela Cruz. Todos os milagres em favor da humanidade sofredora, Jesus realizou motivado pelo mesmo amor que o levará até a Cruz. Nada pôde deter aquele coração amante, nem a morte: Ele ressuscitou!

- Como se poderia dizer para este mundo marcado por tanta dor e morte o quanto somos amados infinitamente por Deus? A Cruz faz isso, diz muito a este mundo acerca do “mistério” de Deus e acerca do nosso “mistério”. A Cruz fala de um amor procurado por todos e, também, do quanto podemos amar.

 

Aquilo que a Palavra faz.

- Lucas descreve que ao ouvir a Palavra e no “partir do pão”, o coração se abrasa, os ouvidos se abrem, a mente começa a entender, os olhos se abrem, o reconhecimento acontece. Os pés tomam outra direção, para a comunidade reunida, para Jerusalém, lugar da vida, não Emaus, lugar de desespero. A boca não servirá mais para discussões, mas para afirmar: “Nós O reconhecemos ao “partir o pão. Ele vive!

- A Palavra nos encaminha até Ele. A Palavra nos faz passar da desolaçao, da tristeza à luz, à alegria, à comunhão com os demais.

- Encontrar a Palavra muda o coração (a percepção íntima das coisas), a vida, o olhar, faz com que se encare a realidade de outro modo. A grande marca de quem encontra a Palavra é passar da solidão ou egoísmo e alcançar os demais como irmãos por promover (amor). Aqui temos a nossa páscoa, a ressurreiçao, o entrar no mundo do divino, no reino do Eterno. Aqui temos o verdadeiro milagre.

- A Cruz como expressão do amor de Deus revela que o amor é forte, é capaz de “carregar sobre si”, vencendo, assim, o mal com o bem.

- Jesus os faz compreender que a Cruz não foi um “acaso” e nem uma falência, mas uma manifestação do amor, amor extremo e explícito para um mundo marcado por malícia. Tal Cruz, tal amor divino muda a forma de compreender Deus e a vida.

- A catequese de Jesus nos ensina que a “mão” de Deus pousa onde dizemos “impossível”, “absurdo”. Como é bom receber uma “boa-notícia”, pois afinal buscamos um sentido, uma explicação. Para o cristão há uma certeza de que Deus não perdeu o controle da história: ressuscitou seu Filho. Pode, portanto, nos livrar de qualquer sensação de afogamento, de insensatez de vida.

- A crucificação do meu Deus revela que meus adversários não são vingados: a salvação é para todos!

- A Cruz revela "o poder de Deus" (cf. 1 Cor 1, 24), que é diferente do poder humano. O poder humano sempre significa uma segurança na própria força (poder, dinheiro, influência, força bruta). O “poder de Deus” nos desmonta e desarma, pois é confiança e certeza de que a verdade e o bem tem força maior. É poder de salvação, crença no bem e por este bem vai até à Cruz para salvar o homem.

- Revela a lógica da gratuidade, isto é, o homem não tem como se redimir sozinho, nem mesmo se autopunindo.

E para terminar. Depois de iluminados pela palavra estamos prontos para experimentar o Cristo vivo. Pelo “partir do pão”.

Por quê o “partir do pão” como símbolo maior da marca de Cristo?  Posso destruir o outro como quando se devora um pedaço de pão (cf. Deuteronômio 7:16, quando diz ao povo de Israel: “comerás todos os povos que o Senhor, teu Deus, te der).  Mas o pão também foi sempre usado como sacrifício. Aqui eu me nego a devorar o outro e dou o deleite ao Senhor: a ele o pão (Gn 18, 5-6). O pão é símbolo da vida, do que me faz viver (é um alimento), é minha sobrevivência e Jesus “sabia” que uns procuram a vida esmagando outros, fazendo do outro o próprio pão. Que regozijo se desfruta quando se destrona, devora, engole um inimigo!!!     Dizendo: “Tomai todos e comei” é como se dissesse: “Parem de se digladiarem, parem de se matarem, parem de se fazerem mal uns aos outros e..... se alimentem de mim.  Se vocês não comerem a carne do Filho do Homem não terão a vida em vós, pois a minha carne é verdadeira comida e meu sangue verdadeira bebida. Parem de se verem como uma potência que só se satisfaz comparando-se e vencendo os outros, e se descubram, alimentando-se de mim, vivos e ressuscitados: O “partir do pão” nos faz passar da morte para a vida, pois nos faz revivê-Lo em nós, colocamos Ele, a Vida e o Vivo, para dentro de nós.

Comer e beber o corpo e o sangue de Cristo é “comer” o amor, aquele amor que fez Ele subir ao calvário, e do calvário desaguar no oceano do Eterno, desaguar como Ressuscitado.

Vivemos como ressuscitados quando:

-  vivemos numa comunidade que recebe o Pão partido, a vida do Cristo doada, quando comungamos seu corpo e sangue, quando nos permitimos ser alimentados, queridos e amados pelo Senhor;

- vivemos numa comunidade onde eu me torno pão para o irmão (“suportai-vos” uns aos outros, disse São Paulo).

A Palavra sempre nos atrairá a acatar a Cruz, o amor maior que nos chama para uma Vida maior que esta vida. Uma comunidade que vive tal Palavra se torna pão, não consegue ficar no cômodo, mas transborda de vontade de se fazer pão na missão e na caridade.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.