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Homilia Dominical / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 22/04/2017 - 19:10

II Dom Páscoa João 20, 19-29.

"... os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz esteja convosco! ... Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. 22.Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. 23.Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos. 24.Tomé ... não estava com eles quando veio Jesus. 25.Os outros discípulos disseram-lhe: Vimos o Senhor. Mas ele replicou-lhes: Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei! 26.... veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco! 27.Depois disse a Tomé: Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé. 28.Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor e meu Deus! 29.Disse-lhe Jesus: Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto!"

- “Felizes aqueles que crêem sem ter visto!”, disse Jesus e a provocação está feita. O nosso organismo espiritual deve sentir falta dessa felicidade: crer sem ver.

Os Evangelhos tentam nos dizer que Jesus está vivo e para tal buscam palavras, gestos, situações que expressem tal verdade. Ao mesmo tempo, os Evangelhos mostram o Vivo, o Ressuscitado que se faz presente e eficaz em forma de ressuscitado, não mais passível de ser abocanhado pelas condições deste mundo. Maria Madalena quis isso (abocanhar o ressuscitado), e Jesus disse-lhe: “Não me detenha ... vocês me verão na Galiléia”, isto é, o Ressuscitado estará para sempre presente em nossas vidas, encontros, em comunidade, na lida de cada dia, quando esta lida se faz trabalho, serviço, expressão amorosa. “Crer sem ver” significa que o discípulo tem uma luz nova, o Espírito, que o faz perceber uma Presença e um Sentido, o Ressuscitado entre nós em comunidade, para além de um mero ver com os olhos da carne. Fica um desafio para nossas comunidades e liturgias: se tornam lugares de encontro com o Ressuscitado?

Jesus ressuscitou! A ressurreição não é uma reanimação de cadáver; não é voltar a ter a vida que se tinha, mas é entrar no mundo do Eterno. E nós, peregrinando neste tempo, podemos nos ancorar em Cristo Ressuscitado. Quando Jesus diz: “Lázaro, sai para fora ... desatai-o e deixai-o partir”, Jesus não traz Lázaro para ele, mas desafia-o a fazer a própria vida, quase que dizendo: “Encontrar-me-ás vivo e ressuscitado quando viverás a tua vida, quando se fará carne, quando se fará dia-a-dia o que tens de mais precioso dentro de ti: amar, servir, promover o outro. Isso é “crer sem ver”, é felicidade, pois leva o discípulo a realizar a própria páscoa realizando a própria vida.

 

Jesus sopra dentro da intimidade de cada discípulo o Espírito e este nos faz entender que o amor triunfa: aqui está a fé na ressurreição. Isso é muito grave! Por vezes professamos a fé, cremos na ressurreição. Mas apostar que o amor triunfa, nem sempre apostamos.  A palavra “Amor” significa vencer a morte (a-mortis). Aqui não se trata de crer na imortalidade simplesmente, trata-se de apostar a vida em algo que vence a morte e que nos faz entrar no reino do Eterno. “Quem ama (quem age em promovendo o outro) passou da morte para a vida” (1Jo). Não esqueçamos, “amar” é um verbo, exige ação, não meramente um proclmar a fé. Não se trata meramente de professar uma fé, mas de viver como ressuscitados também: “Quem crer em mim jamais morrerá” (Jo 11, 26). Crer em Jesus é apostar no que ele fez, decidiu, procurou.

 

Portas trancadas por medo. Lembro de uma vez ter dito ao pároco da paróquia na qual se localizava a minha escola: “Estudei três anos naquela escola e jamais recebemos a visita de alguém desta paróquia”. Infelizmente as comunidades cristãs se ausentam (por medo? Por preguiça? Por falta de zelo e entusiasmo?) de ambientes, de pessoas, de instituições que parecem “desconfortáveis”. Por medo, nós também não iluminamos nossas trevas interiores e passamos a viver escravos de frades ditas (“Não acredito mais”; “Tenho medo de errar, de ser traído (a)”; “O que será de mim amanhã?”). E assim o nosso mundo interior e exterior continua sem luz, sem a força do Espírito, sem a Palavra. E Assim agente vai levando.....

Por quê o medo? Porque não acreditavam em um mistério. O mistério que se esconde atrás de uma vida que se faz alimento, que acaricia os desconsolados, que ensina a verdade, que não se deixa chantagear, que ensina a partilhar o pão, que defende e consola as mulheres da época, que chama de amigos aos seus seguidores, que confia em dar o bem mais precioso, a vida, por puro amor, até aos inimigos. O Vivo para sempre, o Ressuscitado é a revelação desse mistério: em doando a vida se entra no mundo do EternoTrata-se de crer que uma vida feita semente não é perdida.    O medo nos deixa em perene distância: de um lado sentimos os apelos da beleza de uma vida marcada pela confiança em Deus e na vida e, portanto, os apelos a continuar, a amar, a ofertar-se; e do outro lado tememos.... “Será que vale a pena?” “Será que não perderei o que tenho?” E assim sou chantageado por mim mesmo. Isso! Alguém pensa que o medo tem sua raiz na chantagem. Somos chantageados: temos medo de ofertar a vida, como que ouvindo uma voz: “Se você se dedicar e for fiel não experimentará as outras coisas da vida”; “Se você não viver para si vai viver para quê?” E depois temos a chantagem mais difícil de ser vencida: a vaidade ( o “eu” próprio intocável, a beleza que não se pode esvair, a busca de aplausos). O caminho para a liberdade, para a superação do medo passa pelo combater às chantagens externas e internas.

No Evangelho deste domingo, temos a figura de Tomás.   Tomás, também chamado Dídimo (Dídimo significa gêmeo, isto é, somos parecidos com ele) não estava reunido com os demais. Estava entre os incrédulos, fora da comunidade. Talvez estivesse desanimado como tantos discípulos hoje em dia. Desanimado por fofocas internas ou qualquer escândalo que acontece, por vezes, nas nossas comunidades. Somos gêmeos de Tomás enquanto queremos tocar nas chagas, queremos provas materiais, queremos reduzir o mundo do Eterno ao nosso mundo (como se um balde pudesse conter o oceano), negando-se a crer, negando-se a entrar no mistério da cruz (mistério de se fazer fermento bom, alimento saudável; mistério que abate o egocentrismo, fonte de toda agressão e violência).  À Tomás Jesus diz: “Não seja incrédulo, entra na fé (põe teu dedo nas minhas mãos chagadas), entra dentro desse círculo amoroso de doação que eu vivi e por isso estou vivo e sou o Vivo, o Ressuscitado. Entrar nas chagas é entrar em Deus enquanto Deus eternamente é ferido de amor pela sua criação. As chagas são aberturas, fendas: no mistério de uma vida que ama e que se dedica, trabalha e pena também entra-se no reino do Eterno.

A escolha gera alegria. Jesus promete a paz. A paz, a alegria é um dom de Deus. A paz que o Senhor nos dá nos convence em pautar a vida na verdade e a negar a mentira. A paz, a liberdade, sem chantagem exterior ou interior. Vida pautada na verdade. Consciência sem acusação, perdoada. É paz real e silenciosa que não elimina a cruz e ao mesmo tempo gera a certeza do triunfo da vida no lenho da cruz (Tudo vai dar certo! Vida doada não é falência!). Quem vive a paz doada pelo Senhor vive em contentamento e quem assim vive não se contenta em prender e negar vida, mas se torna dom de si, oblação, oferta, pois é livre.... também de si mesmo.

Jesus soprou sobre eles dizendo-lhes: “Recebei o Espírito Santo”. Soprou no íntimo deles: grande compromisso, pois se recebe um espírito que levou um galileu a jamais negar o chamado do Pai. Qual o chamado do Pai que se faz apelo no teu dia-a-dia?

Jesus disse: Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.  Todo discípulo recebe o Espírito e, assim, encontra-se capacitado para combater o mal, o pecado. Trata-se de agir a fim de que alguém abandone a estrada errada. E se não o fizer, estará colaborando para que o mal reine. Imagine-se agarrando uma caça que tenta escapar: você poderá liberá-la ou não. Caso decida pelo “não”: agarra-se a muitas feridas, ofensas causadas por tantos tipos de agressões.  Podemos reter tudo isso e assim caminha a humanidade intoxicada pelo veneno das ofensas recíprocas que geram pessoas áridas e sem vitalidade. Caso decida por liberar a caça, estará perdoando, e, assim, a vida nova chega; desenlaça-se de nós cegos; bons ares nos alcançam. O perdão liberta: aprendamos a nos perdoar, a receber o perdão e também a perdoar.

Jesus mostra-lhe as mãos chagadas e o peito ferido, mãos que serviram, ampararam, consolaram, e o “peito-coração” de onde saiu para nós a Vida, o Espírito.  No final de nossas vidas haveremos de mostrar nossas mãos (cf. Mt 25, 32ss): que fizemos? Que deixamos de fazer? Deixamos quais marcas por onde passamos e nas pessoas que nos conheceram? Geralmente quando alguém quer se apresentar mostra a própria face. Aqui Jesus mostra mãos e costado. É como se Jesus dissesse: “Vejam... sou eu, eu sou mãos que servem e coração que ama”. E você: o que revela sua identidade?

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.