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Homilia do VIII Domingo do Tempo Comum - Ano A / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 27/02/2017 - 09:06

VIII Dom Comum

É preciso saber viver. Toda pedra do caminho Você pode retirar. Numa flor que tem espinhos Você pode se arranhar. Se o bem e o mal existem Você pode escolher. É preciso saber viver. É preciso saber escolher: Deus ou Mammona.

Mateus 6, 24-34

Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à Mammona (à riqueza). 25.Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo não é mais que as vestes? 26.Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas? 27.Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? 28.E por que vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. 29.Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. 30.Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? 31.Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? 32.São os pagãos que se preocupam com tudo isso. Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. 33.Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. 34.Não vos preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado.

 Naqueles tempos as viagens transatlânticas eram realizadas por navio e levavam até 30 dias. Um rapaz consegiu comprar o bilhete, mas outro dinheiro não tinha. Ao longo da viagem não fazia outra coisa do que procurar se arranjar como podia. Um dia trocava comida por qualquer serviço; outro dia pedia mesmo de alguém; e em outros dias comia as sobras. E, assim, todo ansioso e preocupado, passou a viagem toda só preocupado com a sobrevivência, enquanto outroscontemplavam a paisagem, fazia novas amizades, descansavam, etc.  No término da viagem alguém que havia notado aquela sua agonia ao longo de todo o trajeto, perguntou-lhe o motivo de tanta agitação. Ele respondeu: “Não tinha dinheiro para comprar as refeições”. O outro lhe respondeu: “Você não notou, mas no seu bilhete estava incluído tambem as refeições”. Caramba! Perdi a viagem e o que ela oferecia .......

 - Entregar a alma à Mammona ou ao Senhor Deus revelado por Jesus? Quem adora e serve Mammona não tem tempo para alegria, descanso, amizade, compaixão, ajuda, caridade, Deus. Mammona é a divindade riqueza. Quando uma pessoa adora Mammona, a riqueza, ela não titubeia, passa por cima de todos e tudo, sem escrúpulos, a fim de servir seu deus, seu ídolo, a riqueza.

Família? Solidariedade? Sensibilidade? Respeito? Honestidade? Fé? Nada disso tem valor tão grande quanto se adora Mammona. Só que Mammona cobra caro! A vida passa a depender dele, como um vício. O medo de perder a riqueza não deixa sossegado a quem adora Mammona. Passa-se a viver de um ar intoxicado e de ilusão respirado a cada dia, até que a morte chegue. A tese de Jesus é que Mammona não oferece vida plena a quem o serve. Esperar vida realizada de Mammona é esperar desilução, frustração, decepção, fracasso.

Deus Pai é Princípio de comunhão, de família, de amor e solidariedade. Adorando ao Pai de Jesus é que iremos superar nossa solidão e também experimentar a beleza do viver.

Mas, por que, Mammona tem tanta potência e consegue assujeitar a humanidade que por causa do dinheiro defrauda, rouba, corrompe, engana, assalta, mata, faz guerras?   Ora, todo objeto, todo valor, qualquer propriedade pode se tornar um fetiche (feitiço). E Mammona, a riqueza, se torna fetiche quando você atribui poder sobrenatural, sobre-humano, fantástico, extraordinário, maravilhoso: uma potência que livra da morte. O fetiche é quase o saborear antecipadamente de um outro mundo. A emoção que desperta o fetiche é de compulsão, que significa ser arrastado, dominado e escravizado por aquilo que se tornou “fetiche” (posses, bens, beleza, inteligência, etc.).

Jesus faz um teste de inteligência conosco: “Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida?”. É como se Jesus dissesse: “O fetiche riqueza ou Mammona não pode nem prolongar nossos dias de vida, quanto mais nos dar vida, aquela que mais sonhamos: a felicidade”. Portanto, a divindade Mammona só promete, não cumpre. Jesus nos convida a acatar uma verdade: a minha vida está nas mãos do Pai, não nas mãos do meu poder, das minhas forças, da minha saúde, das minhas posses.

- Buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça: Que meus bens externos e internos promovam o bem comum. Que a dor do meu irmão seja a minha também. Que eu combata a ignorância, as doenças, a fome, o desamparo, as drogas, os desajustes em família. Que no nosso coração haja retas decisões e intenções e não segundas intenções. Que eu tendo escolhido ao Pai tenha a força interior, a resistência contra o descaso e a indiferença. E, assim sendo, que eu possuía a vida, sinta a paz e a confiança nos percalços da vida.

Trabalhar, sim, perder a paz, não.

É verdade. Eu tenho necessidade. Mas é verdade também: eu quero viver, quero contemplar as estrelas, ter um milhão de amigos.

O Senhor Deus, Criador do céu e da terra, das coisas visíveis e invisíveis, certamente não almeja que os seres humanos vivam sem apreciar a obra da criação e da sua própria indústria e técnica. Neste sentido, é bom, sim, ocupar-se, trabalhar, investir, planejar. Ao mesmo tempo, o ser humano deve conservar esta abertura: entender que os bens materiais, pessoais e interiores são chamados a glorificar o Criador, caso contrário haverá fechamento, egoísmo, apego nefasto, falta de sentido e por fim total cegueira, pois somente na Luz veremos a luz, ou seja, somente em Deus podemos usufruir e degustar – não consumir e devorar- dos bens deste mundo. Existe um usufruir positivo e um degustar real das coisas que se contrapõe ao consumir e ao devorar os bens deste mundo. O contrário disso é a saturação do viver, das coisas e das pessoas e a ressaca do cotidiano.

Que a minha estadia nestas coisas da vida (trabalho, função, comer e vestir, amizade, família, etc.) seja assim de tal maneira sadia que jamais me tire, ao contrário, me estimule à terra prometida, me estimule a buscar sempre e cada vez mais o Reino sonhado por Deus e anunciado por Jesus.

- Entregar a vida ao Deus revelado por Jesus é contar com um Pai que cuida. O Pai de Jesus pede que cuidemos do vestir e do comer, mas não pede que nos pré-ocupemos. Tal preocupação cabe à ele, ao Pai. Quem serve e adora a Deus ganha a vida, pois descobre que a vida vale mais do que o alimento (a vida biológica) e vale mais do que as vestes (a vida social, a classe a que pertencemos). Eu, você, nós, valemos muito aos olhos do Pai. Não vamos trocar o nosso valor, a nossa pessoa, pelo o que venhamos a ter nesse mundo ou trocar pelos aplausos e sucessos desse mundo. Importa valorizar a nossa pessoa, pois aplausos, sucessos são coisas bem-vindas, mas com o tempo outras pessoas também receberão os aplausos e não mais nós. Busquemos sempre e para sempre o Reino, pois assim nossa vida é mais valorizada, e o melhor de nós virá à tona. 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.